domingo, 20 de agosto de 2017

Quem manda ?

                                     
       Há grande confusão e não só nas esferas oficiais. Para começar, já  parece difícil dizer o que é e o que não é oficial.
       Depois das primeiras notícias, que davam como dissolvido o Parlamento - refiro-me àquele saído de eleições públicas e devidamente verificadas , - parece que não é bem assim.
       Neste momento, há a constituinte (assim mesmo, com letra minúscula), saída de "eleições" com o público eleitor inflado, como o próprio sistema de aferição escolhido faz tempo pelo Estado chavista já fez saber a quem interessar possa.
        Na sessão de ontem, sábado dezenove de agosto, a Assembleia Nacional, dominada pela Oposição, foi convocada para defender a Constituição atual e rejeitar a Assembleia Constituinte.
        Nessa semana, a Constituinte usurpara os poderes da Assembleia Nacional, o que na prática encerraria as atividades do Parlamento.
        Por um lado, entretanto, os deputados desse Parlamento não foram formalmente destituídos. Já na sessão deste sábado, a Oposição  tencionara abrir  investigação  para responsabilizar os autores intelectuais do intento de dissolver a Assembleia Nacional, posto que restem poucas dúvidas quem seja o vértice da manobra - o presidente Nicolás Maduro.
        Para complicar ainda mais o quadro venezuelano, desde o intento em que Maduro tentara substituir a Assembleia pelo Tribunal Supremo, esse último venha rotineiramente, sob o pretexto de que a Assembleia  esteja em 'desacato', invalidando  - ou, o que seria mais preciso - tentando invalidar as iniciativas da Assembleia legalmente eleita, e com maioria oposicionista.
          Por força disso, como internacionalmente foi rechaçada a tentativa de fazer passar a máxima instância jurídica como se Parlamento fora, interveio espécie de acordo tácito em que a antiga Assembleia, com maioria oposicionista e regularmente eleita, continua a ser respeitada pelo imperante chavismo (na versão Maduro), e, por outro lado, mantido o tal de "desacato " ao Tribunal Supremo, que persiste por seu lado a derrogar as providências legislativas do Parlamento - que tem sobre as demais instâncias a insubstituível vantagem de ser respeitado (dada a própria manifesta legalidade) pelos canais internacionais.
         Como se vê, prevalece uma espécie de "arreglo" venezuelano, em que as Partes por ora se respeitam, ainda que, na aparência, a Assembleia Legislativa já estivesse com os poderes derrogados na bruta.                                     
         Dessarte, não é por generosidade  que a Assembleia é mantida nessa preterlegalidade, na realidade chavista. Maduro e camarilha terão percebido que não lhes será oportuno esmagar - na ótica interna - a Assembleia Legislativa, porque diante dos demais - Assembleia Constituinte e Tribunal Supremo - é a única entidade que dispõe de legalidade inatacável,  atributo que as demais criaturas jurídicas do mundo do  ditador Maduro não possuem.
        Não interessa, por conseguinte, a Maduro e  seus aliados procurar destruir o único apoio de que possa servir-se para manter a ficção da  respeitabilidade democrática no atual cenário venezuelano.
       Não é de surpreender, portanto, que tal estranho personagem - que até a véspera era anátema para os demais personagens dessa tragicomédia - seja mantido por ora como o estranho espécime de uma realidade anterior, que não obstante tudo, continue a ser tratado como se vivo fosse.
        E, na verdade, nas condições presentes, a única garantia do neo-chavismo está no passaporte para a legalidade  continental que lhe ofereceria a  Assembleia Legislativa da Venezuela, que na aparência é frágil, mas tem título sem par no mundo de Nicolás Maduro:  é a única com o apanágio da legitimidade.
        E se não lhes faltar juízo,  Maduro e seu mundinho neo-chavista cuidarão de mantê-la viva.


( Fonte: O Estado de S. Paulo ) 

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