Boris
Johnson tentou, mas falhou. Foi apelar para a Rainha, mas as 'férias'
do Parlamento não aconteceram como ele desejara. Estar contra a opinião inglesa
não é decerto um bom negócio, e foi o que se viu. Com a reação popular, muitos
indecisos tendem a repensar o assunto.
Truques podem funcionar às vezes, mas quando os erros são muitos, fica
assaz difícil escondê-los, ou, pior ainda, fingir que eles não existem.
Assim, as derrotas principiam a
acontecer, inclusive com surpresas amargas. Além de perder a maioria, o ambicioso
Boris tem o dissabor de ser contestado dentro da própria família, com um irmão passando
para a oposição.
Quem tem poder para convocar o voto
de desconfiança - a sua ridícula maioria de um voto já era prenúncio de
desastre, e foi o que ocorreu - é o líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn. Não obstante, não se sabe
se isto vá ocorrer, pois Corbyn é um líder não exatamente de meia-tigela,mas por
ser visto como quase de extrema esquerda
surge como alguém contestado, que ao depositar a tal moção pode não ter o apoio
de deputados centristas, notadamente dos liberais-democratas, para tentar
tornar-se o novo líder da maioria.
Entrementes, a realidade tende a
manifestar-se de forma discordante da vontade do atual Primeiro Ministro. Nesse contexto, os deputados ontem aprovaram uma lei que obriga o governo
a pedir novo adiamento do Brexit, antes
previsto para 31 de outubro, se não houver acordo com Bruxelas nas próximas
semanas.
Logo após a votação, Johnson propôs a antecipação das eleições para 15 de
outubro, mas sofreu nova derrota - a terceira em suas três primeiras votações
em plenário! O que se segue é a triste -
mas previsível - história, de quem teima em batalhar contra a realidade,
surgida em função de sua incapacidade de lidar com uma situação criada por
conta de seus próprios erros de julgamento.
Enfraquecido pela perda da
maioria parlamentar, na terça-feira, e pela imposição de novo adiamento do Brexit,
que, segundo Johnson, tira a força do governo de negociar um tratado com a UE, Johnson tentou mais uma
última cartada: antecipar as eleições. "O país deve decidir se é o líder da oposição ou se sou eu quem
vai a Bruxelas tentar obter um acordo", disse o Primeiro Ministro,
referindo-se obviamente ao líder trabalhista, Jeremy Corbyn.
Respeitar a realidade da
respectiva posição política é regra básica de como agir em uma democracia
parlamentar. Aturdido ou incapaz de
assimilar as novas realidades naquele recinto - a manobra de Johnson exigia
apoio de dois terços da Câmara - a moção do Primeiro Ministro estava destinada
a soçobrar - carecia de 427 votos em um total de 650. Dessarte, colheu apenas 298 sufrágios. O seu principal opositor resumiu o desafio
perante o novel Primeiro Ministro: "A oferta de novas eleições agora é
como a bruxa má oferecer uma maçã para a
Branca de Neve", disse Corbyn. "O que ele está oferecendo é o veneno
de um Brexit sem acordo."
Dada a falta de alternativas
para Boris
Johnson fica difícil entender a postura do Primeiro Ministro, que se
recusa à qualquer composição. Todo o front
que, pelas suas posições, Boris Johnson contribuiu de forma determinante
para tornar realidade, se declarou disposto a apoiar a antecipação das
eleições, desde que antes o Parlamento assegurasse que o UK não deixará a UE sem acordo comercial.
A obstinação do Primeiro
Ministro não dá muita margem a expectativas favoráveis. É difícil
aventurar-se a pressagiar que Johnson
guarde, entre suas fantasias, uma disposição chuchilleana. Confronta uma
clara alternativa: pode cumprir a
determinação da Assembleia e pedir a Bruxelas um ulterior adiamento - já por
ele rejeitado - ou renunciar, e forçar a realização de novas eleições, o que
também foi prima facie por ele descartado.
Ontem, quarta-feira, quatro
de setembro, os 21 dissidentes conservadores
confirmaram terem sido expulsos da bancada, por ordem expressa de Boris Johnson. Entre eles, Nicholas Soames, neto de
Winston Churchill, o ex-chanceler Philip
Hammond e o ex-secretário de Justiça,
David Gauke.
Para quem deseja superar
a crise, o Primeiro Ministro só faz
agravá-la e com a própria bancada. Finda o atual prazo para a saída do Reino Unido em 31 de
outubro; sem embargo, os deputados só deveriam voltar às atividades parlamentares
no dia catorze, estreitando ainda mais a janela para um Brexit sem acordo.
Como são pessoas de bom
senso, os deputados de toda a gama política temem as consequências desta
radical saída radical do bloco. Tal situação de fato criaria outros negativos
para o Reino Unido, v.g. escassez de
alimentos, medicamentos e outros produtos importados, a par da desagradável
consequência paralela de fazer com que a economia britânica venha a perder
bilhões de libras em exportações.
Conforme estimativas
de agências governamentais, do Banco da
Inglaterra, do FMI e de empresas de
consultoria, o Produto Interno Bruto do
Reino Unido será 3,9% menor, em 2034, em relação ao que seria se o Brexit
não ocorresse. Ainda no mesmo contexto, neste janeiro último relatório da
consultoria Ernst & Young revelou que bancos e firmas de investimento
moveram US$ 1 trilhão do Reino
Unido para a União Europeia.Pode ser até que R.H. David Cameron, o
Primeiro Ministro que pensara estar apenas contentando uma facção de
saudosistas do Império Britânico, quando Britannia
ruled the waves, ao permitir mais outro referendo, que segundo ele não
daria em nada, agora lamente, além do naufrágio de sua carreira política, toda
essa malfadada situação, para que os ingleses, sempre imaginosos, inventaram a
expressão Brexit, que confere pomposa aparência ao que dá a impressão de
uma desgraça nacional. Por haver estultamente repetido tal processo sem
sentido, movidos por fantasias passadistas,
fecham alacremente as portas à juventude, depois da faina insana de
gerações com maior consciência da realidade, que pensaram haver enfim superado o grande rochedo de Gaulle,
e a sua decenal negativa de acesso ao Mercado Comum Europeu.
(
Fontes: O Estado de S. Paulo, The Economist , The Independent)
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