quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Descendo, com passo lento, a escada que leva ao Passado


                             
                       
         Após a Suprema Corte britânica considerar a 24 de setembro ilegal a suspensão do Parlamento articulada pelo Primeiro Ministro Boris Johnson, os deputados retomam hoje suas atividades. Cresce igualmente a pressão pela renúncia do Primeiro Ministro, de parte de seus inúmeros opositores.
           Por que foi ilegal a decisão do Primeiro Ministro?  Pela simples razão de que teve o efeito de frustrar  ou impedir a capacidade do Parlamento de desempenhar suas funções constitucionais, "sem justificativa razoável", segundo explicou a presidente da Suprema Corte, a baronesa Brenda Hale.

             Imediatamente, o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, expediu instruções para  que as sessões do Parlamento sejam retomadas hoje, 25 de setembro, com o início das atividades previsto para as llh30, mas sem a sessão semanal de perguntas ao primeiro ministro - que encurtou sua agenda nos Estados Unidos e voltará mais cedo para casa.
                O deputado nacionalista escocês Ian Blackford tuitou: 'Precisamos responsabilizar o governo por sua ações. Boris Johnson deveria renunciar depois de violar a lei". Do congresso anual do Partido Trabalhista, em Brighton, o líder da oposição, Jeremy Corbyn também exigiu a renúncia do primeiro ministro. Dificilmente, porém,a Oposição conseguiria os votos necessários para derrubar o gabinete Johnson.

                Assinale-se que já havia uma surda insatisfação com o decreto ilegal que o Primeiro Ministro convencera a idosa Rainha a subscrever. Essa indignação foi representada pela Baronesa Brenda Hale, de 74 anos, presidente da Suprema Corte do Reino Unido.  A decisão unânime, contrária à suspensão  do Parlamento, que critica a decisão do prime minister, e "afronta à Constituição britânica".  Dentre os casos de maior realce de Lady Hale, já estava a decisão de o governo ter o poder de invocar o art. 50 do Tratado de Lisboa da União Europeia, que constituiu o início formal do Brexit. 
                   A Inglaterra atravessa um momento difícil. O atual Primeiro Ministro tem logrado acumular uma série de erros em curto espaço de tempo, mas é protegido pela deusa Fortuna, pela circunstância de que o líder da Oposição,  Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista, ostenta uma pouco invejável impopularidade.
                      Por infortúnio, a sorte - e uma série de idiossincrasias do chefe do Labour Party - atribuíu a Corbyn um frágil suporte político, o que tem favorecido Johnson, mas prejudicado a velha Inglaterra ao não dar ao Povo inglês - pelo menos até o momento - uma real opção entre o líder da Minoria e o  Primeiro Ministro - que até o presente só tem de chuchilleano um ego indomável, ainda que não acompanhado do firme discernimento do líder britânico na luta sem quartel contra  o Fuhrer.
  
                      Há, portanto, na velha Inglaterra uma espécie de maldição, que começara com o incrível erro do patrício  David Cameron, cedendo à enésima petição de um ulterior referendo, ele que circulava pelos salões da UE em Bruxelas, com o óbvio desagrado de um aristocrata em meio à plebe da MittelEuropa. Terá pensado o infeliz que tantos referenda tinham sido tentados, que não faria mal submeter a Inglaterra a mais um, e que vencesse como Tony Blair, um ulterior inútil desafio. Que se tenha ido com tal erro, a sua carreira política, seria golpe menor, se tal não ocasionasse igualmente que o sonho da aristocracia inglesa - que aguardara paciente o desaparecimento do rochedo de Gaulle - não fosse igualmente para o ralo das causas perdidas, como se o sonho da intelligentsia britânica tivesse que morrer refém de uma estúpida conspiração - que fecha o sonho do Continente para a sua juventude, que não mais é bem-vinda nas universidades europeias - e abre doravante para as sólidas mediocridades que pensam reviver espectros o estranho retrocesso de uma exitosa necromancia...

                              O que de bom pode trazer esse tão falado brexit ?  O que de grandioso  tem essa melancólica saída da União Europeia, sonho perseguido com tanto afinco por uma plêiade de homens que hoje não mais existem, afortunados eles, que não tiveram de presenciar o referendo estival, que se traduziu em triste slogan de termos latinos, uma língua hoje morta, mas que se destinara no passado a investir de antigas sílabas palavras que careciam de perdida nobreza, muita vez um velho disfarce para ideias que não são mais ideais, despojadas que estão das suas sonoras promessas de uma grandeza que os jovens - esses juízes implacáveis - não mais logram distinguir.
 

( Fontes: O Estado de S. Paulo, The Economist, The New York Times )                        

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