Lendo sobre a
recentíssima operação policial no complexo de favelas do Alemão - deixando seis
mortos e um PM ferido - como não recordar-se da operação conjunta das Forças
Armadas, o cerco de mais de trezentos bandidos, o içamento de bandeiras e o
escambau, com a presença do então governador Sergio Cabral e do prefeito do Rio
de Janeiro, e a efusiva atmosfera de 'recuperação' da favela do Alemão para o
controle da Lei e da Ordem.
A população do Rio então
acreditava no êxito de um programa de recuperação das favelas do Rio de
Janeiro. Infelizmente, assim como tantas outras esperanças em nosso país, o que na época constituíra uma firme convicção de
que por fim com o Favela-bairro e outros programas que se sucederam crescera no
povo carioca uma certeza quanto à possibilidade de integrar as favelas na
cidade do Rio - em uma palavra unindo morro e asfalto em convivência regrada pelo respeito e
a ordem.
Talvez a aventura do Alemão
tenha sido o cimo de o que poucos anos mais tarde se comprovaria uma ilusão
coletiva. Contudo, mesmo naquele domingo de festejos sobre a
"conquista" do Alemão, e sua integração, o público televisivo
acompanhou uma primeira mostra que toda aquela manifestação apresentava falhas
inquietantes. A pior delas foi permitirem que a mala vita escapasse da rede policial - que, de resto, nada fez para
prender os cerca de trezentos meliantes que a P.M. deixou que escapassem,sob as
câmeras da tevê, em tudo que se possa imaginar como veículo ou semovente. Diante do olhar atônito dos tele-espectadores,
a Lei e a Ordem deixou escapar - em carroças, e toda espécie de veículo a bandidagem
que se refugiara na comunidade do Alemão. Nenhum esforço foi feito para
prendê-los, e, assim, aos assistentes da "tomada do Alemão" ficou
como imagem derradeira a fuga às carreiras de cerca de trezentos, ou até
quatrocentos, bandidos e assemelhados, correndo desabaladamente para a cidade
grande que os esperava lá abaixo das ruas e vielas do Alemão. Depois do oba-oba
da conquista e reintegração da favela do Alemão, chegara a hora de contemplar a fuga desordenada de toda a gente do mal que
ía mergulhar na cidade grande a esperá-los, a jusante... Como não pensar,
portanto, que aquele foguetório nos apresentara dois lados: o Alemão
"recuperado" e toda aquela gente - que tinha cada um motivo para
fugir da polícia e da Lei - de volta à cidade, com as óbvias ameaças da mala vita.
Nunca o post-scriptum de um oba-oba como aquele que toda a governança da Guanabara então
proporcionara à população civil e bem-comportada do Rio de Janeiro iria
ironicamente de certo modo trazer-nos a amarga verdade da ilusão coletiva que
uma operação policial então prometia à gente ordeira do Rio de Janeiro, ao
acenar-lhe com a integração do morro e do asfalto, num porvir de respeito e de
paz, sem tiroteios e com profusas, bondosas até, imagens de um futuro de
respeito mútuo e de segurança para todos.
O sonho foi decerto coletivo, mas o amargo, abrupto fim lembraria a
muitos que os bons tempos costumam estar nas estantes das bibliotecas e nas
muitas estórias da Carochinha que ela ainda proporciona para quem queira
acreditar em sonhos, por fugazes que sejam.
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