quinta-feira, 19 de setembro de 2019

A presente realidade no Complexo do Alemão



          Lendo sobre a recentíssima operação policial no complexo de favelas do Alemão - deixando seis mortos e um PM ferido - como não recordar-se da operação conjunta das Forças Armadas, o cerco de mais de trezentos bandidos, o içamento de bandeiras e o escambau, com a presença do então governador Sergio Cabral e do prefeito do Rio de Janeiro, e a efusiva atmosfera de 'recuperação' da favela do Alemão para o controle da Lei e da Ordem.
             A população do Rio então acreditava no êxito de um programa de recuperação das favelas do Rio de Janeiro. Infelizmente, assim como tantas outras esperanças em nosso país, o que  na época constituíra uma firme convicção de que por fim com o Favela-bairro e outros programas que se sucederam crescera no povo carioca uma certeza quanto à possibilidade de integrar as favelas na cidade do Rio - em uma palavra unindo morro e  asfalto em convivência regrada pelo respeito e a ordem.
               Talvez a aventura do Alemão tenha sido o cimo de o que poucos anos mais tarde se comprovaria uma ilusão coletiva. Contudo, mesmo naquele domingo de festejos sobre a "conquista" do Alemão, e sua integração, o público televisivo acompanhou uma primeira mostra que toda aquela manifestação apresentava falhas inquietantes. A pior delas foi permitirem que a mala vita escapasse da rede policial - que, de resto, nada fez para prender os cerca de trezentos meliantes que a P.M. deixou que escapassem,sob as câmeras da tevê, em tudo que se possa imaginar como veículo ou semovente.  Diante do olhar atônito dos tele-espectadores, a Lei e a Ordem deixou escapar - em carroças, e toda espécie de veículo a bandidagem que se refugiara na comunidade do Alemão. Nenhum esforço foi feito para prendê-los, e, assim, aos assistentes da "tomada do Alemão" ficou como imagem derradeira a fuga às carreiras de cerca de trezentos, ou até quatrocentos, bandidos e assemelhados, correndo desabaladamente para a cidade grande que os esperava lá abaixo das ruas e vielas do Alemão. Depois do oba-oba da conquista e reintegração da favela do Alemão, chegara a hora de contemplar  a fuga desordenada de toda a gente do mal que ía mergulhar na cidade grande a esperá-los, a jusante... Como não pensar, portanto, que aquele foguetório nos apresentara dois lados: o Alemão "recuperado" e toda aquela gente - que tinha cada um motivo para fugir da polícia e da Lei - de volta à cidade, com as óbvias ameaças da mala vita.
                    Nunca o post-scriptum de um oba-oba como aquele que toda a governança da Guanabara então proporcionara à população civil e bem-comportada do Rio de Janeiro iria ironicamente de certo modo trazer-nos a amarga verdade da ilusão coletiva que uma operação policial então prometia à gente ordeira do Rio de Janeiro, ao acenar-lhe com a integração do morro e do asfalto, num porvir de respeito e de paz, sem tiroteios e com profusas, bondosas até, imagens de um futuro de respeito mútuo e de segurança para todos.  O sonho foi decerto coletivo, mas o amargo, abrupto fim lembraria a muitos que os bons tempos costumam estar nas estantes das bibliotecas e nas muitas estórias da Carochinha que ela ainda proporciona para quem queira acreditar em sonhos, por fugazes que sejam.   

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