À parte as
dificuldades causadas pelo traslado para o Rio de Janeiro, a entrada nossa no
edifício Satélite, no nono andar, em apartamento de frente, nos ajudaria a enfrentar, com ânimo renovado,
as eventuais novas dificuldades.
Passei a cursar o primeiro ano do
ginasial no Anglo-Americano. Nos fins de semana ía à praia no Posto Seis. Minha
mãe, da sacada podia me cuidar à distância, pois naquele tempo, no quarteirão
frontal ao nosso, havia apenas dois prédios construídos do outro lado da
avenida Nossa Senhora de Copacabana, o que não lhe barrava a vista do filho na
praia.
Nos sábados à tarde, a minha diversão
estava em acompanhar o campeonato de futebol de areia de Copacabana. Cada posto
tinha em geral um time - o do Posto Seis era o Lá-vai-bola. Se não me
engano, no certâmen de 1949 acompanhei, junto a 'torcida' da equipe, todos os
jogos, que se realizavam nos outros postos, ao longo do passeio da Praia de Copacabana,
até o Leme.
Por isso, tais partidas se disputavam
às vezes bem longe na orla da Princezinha do Mar, mas mamãe não negava ao
gurizote a oportunidade. Ía sozinho, embora já conhecesse vários torcedores do
time do Posto Seis. Nunca tive qualquer incômodo.
De resto, estávamos motivados.
Fosse perto ou longe, os jogos terminavam sempre bem para o Lá-vai-bola. Que eu me lembre daquele
distante ano da graça de quarenta e nove, recordo-me do campeonato invicto do
Vasco da Gama - esse sempre foi o meu time carioca preferido, desde quando vi,
ainda em Porto Alegre, na contracapa da Noite
Ilustrada a foto do time campeão invicto do certame de 1947, em fila
indiana... Naquela época, os times de Rio e São Paulo eram os mais fortes. A
diferença a seu favor contra as equipes dos outros estados (inclusive os do Rio
Grande) era enorme.
Sem embargo, viver no Rio de
Janeiro nos proporcionava outra vantagem. Rio e São Paulo são cidades
relativamente próximas, e isto terá motivado o convite dos padrinhos a que nós
viéssemos passar as férias do verão na rua Turquia, 26, que como o leitor não
terá esquecido, era o endereço da casa dos Tios Chico e Bi, em São Paulo.
Não me recordo como fomos para
São Paulo naquele ano de 1949. Minha mãe preferia a viagem de trem, que naquela
época as cidades de São Paulo e o Rio de Janeiro, então a capital da República,
tinham de forma regular. Saía da Central do Brasil e ía até a estação da Luz,
na Paulicéia.
E para lá viajamos. Era estada
com datas por nós fixadas. Muito diferente das condições anteriores, em que a
fatalidade nos tinha deixado, na prática, sem um pouso certo para voltar.
Desta feita, já era muito
diverso. Embora nos sentíssemos bem na morada dos Lanzetta, tínhamos apartamento
a esperar-nos. E isso nos punha mais à vontade.
À noitinha, depois do jantar, o
padrinho fumava o seu charuto, enquanto lía ou o Time, ou algum jornal de São Paulo. Naquele tempo, havia matutinos
e vespertinos.
O casal tinha razoável
biblioteca, e por vezes lia algum livro que estivesse ao meu alcance.
Não sei se foi em janeiro ou
fevereiro que houve partida importante
no Pacaembu. Era de tarde, não sei se no domingo ou no sábado. Fiquei,
portanto, animado quando o padrinho me convidou para acompanhá-lo para a
tribuna do Pacaembu (minha tia não ligava muito para futebol). Perguntei então
ao meu tio:
"Que times vão
jogar?"
" É o Corinthians e o
Vasco da Gama".
Como o leitor não ignora, eu já era vascaíno e
desde 1947.
Na tarde do jogo, que terá
sido num domingo, lá fomos de carro para o Pacaembu. Na época, era o maior
estádio em São Paulo. No Rio, São Januário ainda seria o maior estádio (o
Maracanã estava sendo construído para a Copa do Mundo do ano seguinte).
Nesse domingo, um dia
agradável do verão paulistano, o Pacaembu não me pareceu muito cheio. O jogo
estava um a um e nos aproximávamos do
final.
Se do restante da partida
nada me ficou na memória - seja a entrada das equipes, seja até os dois gols -
a atenção aumentou quando já se acercava o final.
A expectativa era crescente
no público e isto, pode-se dizer, pairava no ar. Estávamos na tribuna, que
ficava próxima a um dos gols, e com visão afastada do arco que ficava no lado
oposto.
Então, não sei quem mandou
um centro que caíu em cima da área vascaina. De longe entrevi um vulto negro
com a camisa do Corinthians erguer-se no ar e acertar com a cabeça o passe
recebido.
O Pacaembu explode de
alegria com o goal de Baltasar, o cabecinha de ouro. Descubro-me atônito,
diante da derrota do meu time.
E eis que vejo, para
minha surpresa, o padrinho subir também nas cadeiras, e participar do geral
regozijo...
Torcedor que era, e com a seriedade que as
crianças podem ter, olhava atônito para o tio Chico.
Torcedor que era, fiquei
com raiva. Os meus olhos não pareceriam por certo de bons amigos.
Por sua vez, Tio Chico
estava noutra. Surgira um novo corinthiano. Como podia ele dar-se conta de que,
nesse momento, de geral e compartilhada euforia, que o
time perdedor era justamente o meu ?
Sozinho na tribuna de honra,
assistindo à geral confraternização pela vitória contra o time que era a base
da Seleção, iria guardar, dentro de mim, o amargo sabor da derrota do time do
coração. Sem o saber, o meu padrinho iria aprender, e de um gurizote como
aquele, que vingança é prato que se come frio...
Um comentário:
Caro Pai, estou apreciando muito a série. Principalmente agora que as coisas estão indo melhor para a dupla de protagonistas. Este episódio eu conhecia, mas não com esse contexto e detalhes. Que diferença com o Vasco de hoje em dia...
Abs,
Mauro
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