Barack
Obama tem visão muito peculiar da atividade guerreira. A
sua oposição à ruinosa aventura de George
W. Bush, com o seu discurso no Senado opondo-se àquela guerra - que tanto
prejuízo causaria para a economia e o povo dos Estados Unidos - foi muito proveitoso para a sua carreira
política. Com base naquele quase solitário pronunciamento contra a guerra no
Iraque, ele consolidaria a posteriori
a própria imagem de político com visão prospectiva e equilibrada. Enquanto
choviam apoios para o conflito contra Sadam Hussein - que segundo muitos
traria a democracia para o Iraque - a alocução do Senador júnior por Illinois
advertindo contra os perigos da aventura militar se tornou um propulsor da carreira política
de Obama.
Essa prudência e visão não tardariam a dar posição invejável no
cenário político ao jovem Senador democrata, à medida que a campanha no Iraque
involuía para o desastre político e financeiro que acarretou - malgrado as
expectativas dos neoconservadores - prejuízos de centenas de bilhões de dólares
para a economia americana. Assim, ao invés de trazer a democracia para Bagdá,
desvendar o esconderijo das armas de destruição em massa (que só existiam na
cabeça de Dick Cheney), a intervenção
desejada pelos neo-conservadores logo pesaria sobre todos aqueles - inclusive Hillary Clinton - que a tinham
entusiasticamente apoiado, tornando-se a desastrosa situação acima referida.
Como a campanha deveria ser breve, o
Secretário da Defesa Donald Rumsfeld determinara
que a blindagem dos veículos militares fosse mais leve, para assim
aumentar-lhes a velocidade (e a consequente ruína de Saddam Hussein). Tal blindagem mais fina não protegeria os soldados
americanos dos ied's (explosivos
artesanais lançados sobre os carros militares), e as baixas, junto com as
mutilações, passaram a crescer.
Assim, o breve fim da conflagração -
anunciado na cerimônia no porta-aviões Abraham Lincoln - representaria na
verdade apenas a inflexão nos combates, que por uma série de erros, resultariam
no fim da guerra convencional, passando para a fase das guerrilhas. Seria a
conjunção dessas falhas garrafais no planejamento bélico que resultaram em
prejuízos bilionários para a economia americana. Aquela velha ilusão que
acompanha o entusiasmo inicial dos exércitos conquistadores - como o do Reich alemão de Guilherme II - com o povo aplaudindo os soldados teutônicos, e
pensando que muito breve voltariam, antes mesmo que as folhas caíssem das
árvores [1] - se repetiria com os Estados Unidos,
trazendo ao cabo o chamado período de declínio
para a economia americana...
Como se verifica, tal primeira
experiência de Obama teria relevância formadora para o presidente Barack H. Obama. Assim deveria acontecer,
exceção feita do Afeganistão, em que já encontrara força militar americana
empenhada em campanha contra esse multissecular desafio aos exércitos das
grandes potências (a começar pela Inglaterra, no século XIX).
Entende-se, por conseguinte, que
o Presidente Obama tenha visto com desconfiança a proposta que a então
Secretária do Departamento de Estado Hillary
Clinton lhe apresentou, ao findar-se o seu primeiro mandato, em seu nome e
no dos demais Secretários e Chefes de Departamento, com responsabilidade no
conflito da Síria.
Naquele momento, tudo indicava
que o ditador Bashar al-Assad estivesse
beirando a própria queda. No blog
anterior já referira tal situação.
Terá sido surpreendente para
Hillary e os demais chefes com responsabilidades na área externa que Obama se
haja negado a endossar esse plano, que não abrangia o envio de militares
americanos para a Síria, mas sim a prestação de apoio em termos de material
militar, de alocação de fundos, assim como coordenação dos serviços
correspondentes aos rebeldes da aliança apoiada pela Liga Árabe. O que
inquietava os chefes diplomáticos e militares americanos era a circunstância de
que o Kremlin e também - ainda que indiretamente -Teerã dessem apoio militar e
financeiro à Síria de al Assad.
Sem embargo, a surpresa seria
muito menor para aqueles que tivessem presente a iniciativa do Senador Obama de
condenar o projeto neoconservador da guerra no Iraque, e o que o sucesso desta
sua intervenção - comparado com a derrocada da expedição de Bush e dos
neoconservadores, que, ao ver deles, traria a democracia para o Oriente Médio...
A fala pressaga do jovem Senador Barack
Obama no Senado seria para o futuro presidente não só um marco na sua
progressão política, mas também formaria a sua visão no que concerne às
intervenções militares.
A sensação de que ao iniciar ou
apoiar militarmente uma nova ação guerreira, de certo modo ele estaria fazendo
com que as forças americanas entrassem por um caminho do qual desconhecia como
iria terminar.
A sua reação à qualquer
participação militar ficou subordinada a condições bastante estritas, as quais
visavam não se repetisse o descalabro anterior do conflito iraquiano. A postura
de Obama não era pacifista e sim cautelosa (como a encontrou estabelecida, até
hoje não interrompeu a campanha no Afeganistão).
É claro que o plano de Hillary e
dos demais chefes de Departamento interessados em dar algum apoio militar aos
militantes sírios que a Liga Árabe secundava,
tinha presente a falta de regularidade e mesmo as eventuais cessações de
ajuda recebida por esses rebeldes sírios, com danosas consequências na sua luta
contra o ditador Bashar al-Assad.
Infelizmente, a situação mudara e
Barack Obama, ao negar conceder o apoio militar recomendado por seus chefes
diplomático e militares, com interesse
na situação da guerra civil síria, iria cometer, no meu modesto entender, o maior erro de política externa de sua
presidência.
Se levássemos Obama para um tour da situação síria, a própria
condição no terreno, assim como a desenvoltura notadamente da Federação Russa e
de seu presidente, Vladimir Putin (se cotejarmos o momento em que Hillary e
seus companheiros ministeriais apresentaram a respectiva proposta a Obama,
ainda durante o seu primeiro mandato), se colocaria situação bastante
constrangedora para o Presidente americano.
Do último ano de seu primeiro
mandato, a situação da Liga dos rebeldes sírios ainda tinha possibilidades de
progressão. Se passarmos o nosso binóculo para a atualidade, o que se depara?
Um recuo na posição dos rebeldes,
tanto em Aleppo, onde a população civil constituíu um dos grandes - e irônicos
- celeiros da grande Wanderung (movimento
popular) para a Europa ocidental da população síria, não mais em condições de
agüentar os seguidos bombardeios pela aviação de Bashar (que conta com o apoio
e a manutenção russa) contra as povoações nortistas, notadamente Aleppo. A posição
rebelde no norte da Síria, em Aleppo, está no limite de sua resistência, pela
sucessão incontrastada de bombardeios (de que participam, além dos caças de
Bashar, os aviões russos). Por falar de recuo e retirada, não mais dispondo de
fornecimentos americanos, e dependendo do irregular suporte dos países do
Golfo, a situação do povo sírio se agrava sempre mais. Não é por acaso - e a
ação criminosa de Bashar, criando condições para a irrupção de doenças como a
poliomielite e toda a coorte das enfermidades criadas por essa junção infernal
da guerra, da decadência de qualquer assepsia e de algo a que se assemelhe a
higiene, constitui fator relevante nesse outro tipo de guerra - que a
desgraçada população civil da Síria causou o maior movimento de população que a
Europa veio a conhecer desde 1945, com o término da Segunda Guerra Mundial. Os
líderes europeus - com a grandiosa exceção da Chanceler Angela Merkel - mostraram ao mundo uma atitude de profundo egoismo
e de falta de sentido humanitário, com
vistas a organizar válida resposta a esse desafio de humanidade, que por
certo é ininteligível para muitos, como Viktor
Orbán.
A crise na Síria já passou por
muitos se. Alguns, como o
presidente russo, estão lucrando com ela. Como referi acima, o enfraquecido
Bashar, que na prática é um dependente do Kremlin,
negocia a sua sobrevivência política (às custas de seus desgraçados súditos)
com bases e portos. A própria terra também serve de conduto para o movimento de
guerrilha do Hezbollah, que serve aos
interesses do Irã, de Ali Khamenei.
O
enfraquecimento da Síria abriu as portas para o Exército Islâmico. A curva de
prosperidade do 'Califa' al-Baghdaadi, e as suas riquezas (petróleo iraquiano e
venda de material artístico saqueado nessa região) agora está decrescendo, por
força dos contínuos bombardeios da aviação americana e dos países do Golfo,
entre outros.
Já a aviação russa, se pode
coordenar-se com a americana, nos bombardeios a objetivos do E.I., também
aparece no norte da Síria, em ações contra os rebeldes.
Para salvar-se, como se vê,
Bashar al-Assad depende da ajuda de gospodin
Putin. A ajuda da frota aérea russa e de outras eventuais gentilezas do
presidente de todas as Rússias não sai
decerto barato ao ditador Bashar. O tirano
sírio, além de porto em águas quentes, no Mediterrâneo oriental e, portanto,
livres do gelo do Mar Negro, também cedeu base aero-militar para as forças de
seu maior aliado.
( Fonte: The New York Times
)
[1]
Wenn der Laub fällt (quando as folhas caírem) com os populares lançando flores aos
soldados que partiam para o front no tardo verão boreal de l914.
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