quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A Guerra na Síria (II)

                    

               Barack Obama tem visão muito peculiar da atividade guerreira. A sua oposição à ruinosa aventura de George W. Bush, com o seu discurso no Senado opondo-se àquela guerra - que tanto prejuízo causaria para a economia e o povo dos Estados Unidos  - foi muito proveitoso para a sua carreira política. Com base naquele quase solitário pronunciamento contra a guerra no Iraque, ele consolidaria a posteriori a própria imagem de político com visão prospectiva e equilibrada. Enquanto choviam apoios para o conflito contra Sadam Hussein - que segundo muitos traria a democracia para o Iraque - a alocução do Senador júnior por Illinois advertindo contra os perigos da aventura militar  se tornou um propulsor da carreira política de Obama.
               Essa prudência e  visão não tardariam a dar posição invejável no cenário político ao jovem Senador democrata, à medida que a campanha no Iraque involuía para o desastre político e financeiro que acarretou - malgrado as expectativas dos neoconservadores - prejuízos de centenas de bilhões de dólares para a economia americana. Assim, ao invés de trazer a democracia para Bagdá, desvendar o esconderijo das armas de destruição em massa (que só existiam na cabeça de Dick Cheney), a intervenção desejada pelos neo-conservadores logo pesaria sobre todos aqueles - inclusive Hillary Clinton - que a tinham entusiasticamente apoiado, tornando-se a desastrosa situação acima referida.
               Como a campanha deveria ser breve, o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld determinara que a blindagem dos veículos militares fosse mais leve, para assim aumentar-lhes a velocidade (e a consequente ruína de Saddam Hussein). Tal  blindagem mais fina não protegeria os soldados americanos dos ied's (explosivos artesanais lançados sobre os carros militares), e as baixas, junto com as mutilações, passaram a crescer.
               Assim, o breve fim da conflagração - anunciado na cerimônia no porta-aviões Abraham Lincoln - representaria na verdade apenas a inflexão nos combates, que por uma série de erros, resultariam no fim da guerra convencional, passando para a fase das guerrilhas. Seria a conjunção dessas falhas garrafais no planejamento bélico que resultaram em prejuízos bilionários para a economia americana. Aquela velha ilusão que acompanha o entusiasmo inicial dos exércitos conquistadores - como o do Reich alemão de Guilherme II - com o povo aplaudindo os soldados teutônicos, e pensando que muito breve voltariam, antes mesmo que as folhas caíssem das árvores [1]  - se repetiria com os Estados Unidos, trazendo ao cabo o chamado período de declínio para a economia americana...
                Como se verifica, tal primeira experiência de Obama teria relevância formadora para o presidente Barack H. Obama. Assim deveria acontecer, exceção feita do Afeganistão, em que já encontrara força militar americana empenhada em campanha contra esse multissecular desafio aos exércitos das grandes potências (a começar pela Inglaterra, no século XIX).
               Entende-se, por conseguinte, que o Presidente Obama tenha visto com desconfiança a proposta que a então Secretária do Departamento de Estado Hillary Clinton lhe apresentou, ao findar-se o seu primeiro mandato, em seu nome e no dos demais Secretários e Chefes de Departamento, com responsabilidade no conflito da Síria.
               Naquele momento, tudo indicava que o  ditador Bashar al-Assad estivesse beirando a própria queda. No blog anterior já referira tal situação.
               Terá sido surpreendente para Hillary e os demais chefes com responsabilidades na área externa que Obama se haja negado a endossar esse plano, que não abrangia o envio de militares americanos para a Síria, mas sim a prestação de apoio em termos de material militar, de alocação de fundos, assim como coordenação dos serviços correspondentes aos rebeldes da aliança apoiada pela Liga Árabe. O que inquietava os chefes diplomáticos e militares americanos era a circunstância de que o Kremlin e também - ainda que indiretamente -Teerã dessem apoio militar e financeiro à Síria de al Assad.
               Sem embargo, a surpresa seria muito menor para aqueles que tivessem presente a iniciativa do Senador Obama de condenar o projeto neoconservador da guerra no Iraque, e o que o sucesso desta sua intervenção - comparado com a derrocada da expedição de Bush e dos neoconservadores, que, ao ver deles, traria a democracia para o Oriente Médio...
             A fala pressaga do jovem Senador Barack Obama no Senado seria para o futuro presidente não só um marco na sua progressão política, mas também formaria a sua visão no que concerne às intervenções militares.
             A sensação de que ao iniciar ou apoiar militarmente uma nova ação guerreira, de certo modo ele estaria fazendo com que as forças americanas entrassem por um caminho do qual desconhecia como iria terminar.
              A sua reação à qualquer participação militar ficou subordinada a condições bastante estritas, as quais visavam não se repetisse o descalabro anterior do conflito iraquiano. A postura de Obama não era pacifista e sim cautelosa (como a encontrou estabelecida, até hoje não interrompeu a campanha no Afeganistão).
               É claro que o plano de Hillary e dos demais chefes de Departamento interessados em dar algum apoio militar aos militantes sírios que a Liga Árabe secundava,  tinha presente a falta de regularidade e mesmo as eventuais cessações de ajuda recebida por esses rebeldes sírios, com danosas consequências na sua luta contra o ditador Bashar al-Assad.
                Infelizmente, a situação mudara e Barack Obama, ao negar conceder o apoio militar recomendado por seus chefes diplomático e militares,  com interesse na situação da guerra civil síria, iria cometer, no meu modesto entender,  o maior erro de política externa de sua presidência.
                Se levássemos Obama para um tour da situação síria, a própria condição no terreno, assim como a desenvoltura notadamente da Federação Russa e de seu presidente, Vladimir Putin (se cotejarmos o momento em que Hillary e seus companheiros ministeriais apresentaram a respectiva proposta a Obama, ainda durante o seu primeiro mandato), se colocaria situação bastante constrangedora para o Presidente americano.
               Do último ano de seu primeiro mandato, a situação da Liga dos rebeldes sírios ainda tinha possibilidades de progressão. Se passarmos o nosso binóculo para a atualidade, o que se depara?
               Um recuo na posição dos rebeldes, tanto em Aleppo, onde a população civil constituíu um dos grandes - e irônicos - celeiros da grande Wanderung (movimento popular) para a Europa ocidental da população síria, não mais em condições de agüentar os seguidos bombardeios pela aviação de Bashar (que conta com o apoio e a manutenção russa) contra as povoações nortistas, notadamente Aleppo. A posição rebelde no norte da Síria, em Aleppo, está no limite de sua resistência, pela sucessão incontrastada de bombardeios (de que participam, além dos caças de Bashar, os aviões russos). Por falar de recuo e retirada, não mais dispondo de fornecimentos americanos, e dependendo do irregular suporte dos países do Golfo, a situação do povo sírio se agrava sempre mais. Não é por acaso - e a ação criminosa de Bashar, criando condições para a irrupção de doenças como a poliomielite e toda a coorte das enfermidades criadas por essa junção infernal da guerra, da decadência de qualquer assepsia e de algo a que se assemelhe a higiene, constitui fator relevante nesse outro tipo de guerra - que a desgraçada população civil da Síria causou o maior movimento de população que a Europa veio a conhecer desde 1945, com o término da Segunda Guerra Mundial. Os líderes europeus - com a grandiosa exceção da Chanceler Angela Merkel - mostraram ao mundo uma atitude de profundo egoismo e de falta de sentido humanitário, com  vistas a organizar válida resposta a esse desafio de humanidade, que por certo é ininteligível para muitos, como Viktor Orbán.
                A crise na Síria já passou por muitos se. Alguns, como o presidente russo, estão lucrando com ela. Como referi acima, o enfraquecido Bashar, que na prática é um dependente do Kremlin, negocia a sua sobrevivência política (às custas de seus desgraçados súditos) com bases e portos. A própria terra também serve de conduto para o movimento de guerrilha do Hezbollah, que serve aos interesses do Irã, de Ali Khamenei.  
                 O enfraquecimento da Síria abriu as portas para o Exército Islâmico. A curva de prosperidade do 'Califa' al-Baghdaadi, e as suas riquezas (petróleo iraquiano e venda de material artístico saqueado nessa região) agora está decrescendo, por força dos contínuos bombardeios da aviação americana e dos países do Golfo, entre outros.
                 Já a aviação russa, se pode coordenar-se com a americana, nos bombardeios a objetivos do E.I., também aparece no norte da Síria, em ações contra os rebeldes.
                 Para salvar-se, como se vê, Bashar al-Assad depende da ajuda de gospodin Putin. A ajuda da frota aérea russa e de outras eventuais gentilezas do presidente de todas as  Rússias não sai decerto barato ao ditador  Bashar. O tirano sírio, além de porto em águas quentes, no Mediterrâneo oriental e, portanto, livres do gelo do Mar Negro, também cedeu base aero-militar para as forças de seu maior aliado.        

( Fonte: The New York Times )



[1] Wenn der Laub fällt (quando as folhas caírem) com os populares lançando flores aos soldados que partiam para o front no tardo verão boreal de l914.

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