quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Institucionalização do Gerrymander nos EUA

                    


        O artigo de Elizabeth Drew é importante demais no contexto do futuro da democracia americana para que os fatos políticos nele mencionados não sejam sequer  conhecidos, ou, o que é pior, relegados para a visão peneirada pela superficialidade da grande mídia.
         Os grandes fatos podem ser resumidos da seguinte forma. Com a eleição  de Barack Obama em 2008,  o Partido Democrata manteve e aumentou as respectivas maiorias no Senado e na Câmara.
         Em consequência, e valendo-se da inexperiência política do jovem presidente, assim como da hubris decorrente do  avassalador triunfo em 2008, os democratas comemoraram por demasiado tempo no biênio subsequente, enquanto os republicanos, temendo domínio democrata de longo prazo, passaram a pensar nos meios, digamos administrativos, de reverter o quadro.
          Infelizmente, o Partido Republicano teve êxito no seu projeto de gerrymander nacional. O que é o gerrymander (que tem o nome de um governador de Massachsetts que foi quem iniciou esta falcatrua política)? Ele basicamente consiste em redesenhar os limites dos distritos eleitorais, de forma que as maiorias adversárias sejam confinadas em poucos distritos, enquanto se re-traçam no estado os 'novos limites dos distritos'. Essa fraude, que hoje se vale do perfeicionismo do cálculo digital, visa basicamente o seguinte: confinar as áreas democratas em poucos e gordos distritos, enquanto as áreas republicanas, convenientemente redesenhadas, produzem a maioria estadual de representantes republicanos.
             Nos Estados Unidos há um recenseamento a cada dez anos, e por fortuna do GOP, e de seus poucos escrúpulos, essa data legal caíu no segundo ano da Administração Obama, em que reinava a inexperiência presidencial - a par de vitórias emblemáticas na aprovação pelo Congresso democrata da Reformas da Saúde e de Wall Street (a parte financeira). Com a ajuda dos irmãos Koch, que já conhecemos bem, surgiu o movimento 'popular de base' de ultra-direita do Tea Party. A maior representação nas câmaras estaduais do Partido Republicano criou os meios indispensáveis, para implementar os seus propósitos ilícitos de gerrymander da Câmara. O Senado, por sorte dos democratas, está fora disso, porque é escolhido pelo voto universal de cada estado. Assim, excetuados meios mais violentos (como amedrontar os opositores, etc. etc) não há jeito de criar condições estáveis para garantir as vitórias respectivas, salvo o convencimento do corpo eleitoral. E, isso convenhamos, torna qualquer projeto nesse sentido bem mais complicado...
                 Enquanto o Partido Democrata dormia sobre os respectivos louros, os republicanos puseram mãos a obra e lograram por meios legais espantosa vitória na votação para a Câmara de Representantes. Ganharam mais 63 cadeiras nessa Câmara, alcançando a maioria, assim como mais seis cadeiras no Senado, ficando aqui com minoria mais robusta.
                   Com a maioria na Câmara, e as vitórias obtidas nos Estados, o GOP poderia passar para a fase dois do projeto. Com a votação de 2010 em eleição intermediária, em que existe menor afluxo de eleitores e, portanto, a abstenção cresce, os republicanos lograram em grande número de estados redesenhar os novos distritos eleitorais.  Tudo isso foi coordenado por um projeto nacional, o Redmap,  que tinha grandes ambições (ainda que inconfessáveis) e que infelizmente logrou êxito, com o GOP ganhando em muitos estados a maioria necessária para redesenhar os mapas e tornar as eleições meras formalidades no futuro.
                     Para que se tenha idéia do triste êxito republicano em distorcer de modo fraudulento (mas permanente enquanto dure), a eleição feita por distritos redesenhados  pelo GOP teve os seguintes resultados: os Democratas lograram  1 milhão e quinhentos mil  votos a mais  para o Congresso do que os arrebanhados pelos republicanos, e no entanto perderam! A Câmara de Representantes continuou com a sua maioria fajuta do GOP de trinta e três cadeiras a mais do que a bancada democrata!
                       O mais grave de tudo, a meu modesto ver, é que o escândalo do gerrymander em nível nacional é passado em silêncio pela grande mídia. Ele não é sequer mencionado. Artigos como esse de Elizabeth Drew são extremamente raros.  A grande imprensa e os articulistas políticos tratam  esse escândalo silencioso da adulteração do voto popular, e da criação de falsas maiorias - como nos antigos burgos podres da Inglaterra. O que mais perturba nessa democracia americana é que esse fenômeno dos burgos podres terminou nas primeiras décadas do século XIX, no Reino de Sua Majestade Britânica. Enquanto isso o gerrymander americano por ora vai bem, obrigado, enquanto o Partido Republicano logra por seu intermédio controlar na prática o Legislativo. A despeito de que a maioria no Senado seja livremente disputada (atualmente o GOP tem a maioria também na Câmara alta, e tal maioria é autêntica), já na Câmara temos um feudo republicano, que resultou para Obama (e para a Nação americana) na virtual paralisia do Legislativo para os grandes projetos, em que os senhores deputados republicanos os têm brecado com comovente firmeza, embora essa minoria - e põe minoria nisso! - barra reformas necessárias, e mesmo indispensáveis, como a da imigração por exemplo.
           Enquanto a grande imprensa e a mídia continuarem com a sua postura de avestruz diante desta incômoda realidade, não haverá a conscientização necessária para anular esse projeto fraudulento de governo que o GOP tem conseguido manter desde 2012, para a alegria dos Irmãos Koch e de outros gordos gatos pingados.


( Fonte: artigo de Elizabeth Drew em The New York Review of Books, datado de 18 de agosto - 28 de setembro de 2016, sob o título "Traída a Democracia Americana" ).     

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