Não terão durado muito os passeios
matinais até a Praça da Matriz, a cargo de meu avô Romualdo. Dois
anos depois do desastre aereo que vitimara meu pai, vô Romualdo iria falecer em
fins de 1946. Teria 69 anos quando foi reencontrar-se com o filho José Raphael.
Com sua partida, minha mãe e eu nos sentimos mais
sozinhos. Assim, a vinda de minhas tias Lucy e Marina a Porto Alegre ajudaria a
convencê-la a decidir-se
em viajar de mala e cuia para o Rio, onde estava a maior parte da
família Mendes.
Na falta de vovô Romualdo, mamãe
acederia ao convite das irmãs para ir morar na então capital da república.
Talvez a gota d'água para essa mudança
foi dada por motivo aparentemente desimportante.
Era costume que visitássemos a
Fernandes Vieira 93, agora residência apenas de vó Lucinda e da tia Ruth, nas
tardes de sábado. Depois do almoço, lá pelas três, aparecíamos no solar da Independência.
Foi para nós, portanto, surpresa
desagradável que num desses sábados déssemos com a cara na porta. Batemos
várias vezes, incrédulos diante da possibilidade de que a minha avó não
estivesse a esperar-nos, como era a prática de todas as semanas.
Não houve nenhuma explicação
posterior. Sequer a filha Ruth, ou minha
avó se deram ao trabalho de avisar-nos que, por alguma razão, não estariam em
casa.
Ainda pequeno, achei estranho e minha
mãe, mais ainda. Como não viria explicação e teria sido fácil para minha avó,
ou Ruth, nos ter avisado, era difícil não interpretar aquela porta fechada como
descortesia, ou até mesmo quase uma grosseria.
Se éramos demais ali, minha mãe se
lembrou dos repetidos convites de que nos mudássemos para o Rio de Janeiro,
onde a família Mendes reclamava a nossa presença.
Tomada a decisão, ficaríamos ainda um
ano e tanto em Porto Alegre - em 1946, cursei o Roque González e em 1947, o
Anchieta. Seguiríamos por volta de julho, para o Rio, em navio da Costeira.
Íamos de mala e cuia, dispostos a alugar ou comprar apartamento. Ao sair do edifício Jaguarão, deixávamos um
teto que era nosso para viver arranchados com os tios Laporta e Marina, que
viviam no Castelo, na Avenida Antônio Carlos.
O projeto de mamãe era comprar um
apartamento a prazo. Daria a entrada, e depois trataria das chamadas módicas
prestações mensais. Problemas e preocupações essas de que, por enquanto, não
participava diretamente, por ser ainda criança.
É, no entanto, doce ilusão pensar que,
em tais situações, os desconfortos e inquietudes pertençam apenas aos adultos.
Morar de favor é, na verdade, condição bastante democrática, aberta a todas as
idades.
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