quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A Rússia é potência em ascensão?

                        

        Salta aos olhos que o objetivo principal de Vladimir V. Putin é promover a ascensão da Federação Russa no concerto dos poderes. Se em tese ninguém pode objetar contra tal meta, o problema está nos meios empregados para tentar alcançá-la.
        Até princípios da última década do século XX, existiam no mundo duas superpotências: Estados Unidos e União Soviética. Decerto, não escapava aos cognoscenti que essa paridade era falsa. Já no final do governo de Mikhail Gorbachev, por força de sua política, e da aplicação dos respectivos princípios básicos (perestroika e glasnost), a grande ameaça à coesão da URSS, i.e., as nacionalidades, assim como a discussão ampla dos dois princípios acima, já havia redesperto esses temíveis agentes no contexto soviético, com as ruinosas consequências de ruptura do tecido comum pela ação de diversas etnias, com escopos contrastantes. Da relevância das nacionalidades no quadro da antiga União Soviética, parece interessante e apropriado ter presente que o grande chefe revolucionário Vladimir I. Lenin encarregara o Camarada Jozef Stalin para ocupar-se, como Comissário das Nacionalidades, deste setor capital para o futuro da União Soviética.
         Com efeito, não escapou a alguém com a visão política e a filosofia de Vladimir Iljitch da relevância de que a etnia dominante, sem embargo de ser a mais numerosa, carecia de estar cercada pelas demais em ambiente de concórdia. Para tanto, a designação de Stalin como Comissário das Nacionalidades sublinhava as características indispensáveis do gestor dessas inúmeras etnias que compunham o mosaico demográfico do antigo Império russo.
          O Kremlin carecia do Comissário Stalin neste setor chave por seus atributos pessoais: devoção ao partido, energia, caráter implacável, frieza despojada de qualquer sentimentalismo, precedência sempre à metrópole, o enfraquecimento das etnias eventualmente contrastantes, e aplicação da máxima do império romano 'divide et impera', dentro da norma de impedir  que surgissem núcleos demográficos fortes, que pudessem eventualmente criar problemas para a autoridade central. Nesse contexto, a maneira com que o Camarada Stalin tratou da confrontação entre azeris (do Azerbajão islâmico)  e armênios (cristãos, cuja nacionalidade já tinha sido vítima de genocídio, aplicado pela Turquia durante a Primeira Guerra Mundial). Através do território de Nagorno-Karaback, Stalin criaria as condições para que os atritos das duas  etnias (azeris e armênios), não só perdurassem, mas crescessem no ódio interracial, aplicando-se a máxima romana divide et impera.
             Como ao camarada Gorbachev, além do intúito de salvar a União Soviética dentre os princípios da glasnost (transparência) e perestroika (reestruturação), e acreditar possível, através do respeito às nacionalidades reconstruir a base da trôpega segunda Superpotência, deveras não há de surpreender que a URSS desaparecesse pacificamente em 1991/2, em um final político de que não há exemplo similar na História.
              Cabe, portanto, agora a gospodin Vladimir Vladimirovich Putin tentar a restauração, senão da antiga União Soviética, pelo menos de parte relevante do antigo Império Russo.    
               É sempre um fator de desestabilização que existam potências insatisfeitas com a presente conformação política e mesmo geopolítica.
                Não é segredo que Putin tenha decidido como casus belli (no que tange à Ucrânia) a queda de Viktor Yanukovich, o corrupto (mas pró-Moscou) presidente ucraniano. Pouco depois, Putin decidiria a invasão da Criméia - que anexou em seguida. Embora a Assembléia Geral das Nações Unidas tenha aprovado Resolução contra essa anexação ilegal ( e com base neste flagrante desrespeito do Direito Internacional Público) foram aplicadas sanções (até hoje vigentes), e que incomodam deveras ao Kremlin. Por ordem de Dilma Rousseff, o Brasil - para vergonha de sua diplomacia não votou contra esse ataque à integridade da Ucrânia, apesar de constar da nossa Constituição o repúdio a esse tipo de conflagração.
                 Daí surgiria o conflito de baixa intensidade - critério de que discordam, por óbvias razões, as povoações da Ucrânia oriental - entre os assim-chamados rebeldes pró-Russia e os ucranianos, que buscam manter a integridade territorial desse país, cujo principal infortúnio é estar na área do estrangeiro-próximo (segundo a terminologia russa).
                 Toda a dita rebelião contra Kiev e a Ucrânia não passa de 'castigo' aplicado por gospodin Putin, para impedir que a Ucrânia se associe à União Europeia. Putin havia acenado com a união aduaneira o que Yanukovitch aceitara. O presidente caíu em consequência, pela recusa da maioria da população ucraniana em associar-se à Rússia.
                  E esta suposta revolução dos rebeldes ucranianos não passa de uma invasão disfarçada, implementada por Moscou.
                  No entanto, Putin se tem empenhado em âmbito regional para aumentar a presença russa no Oriente Médio. Já dispõe de duas bases (aéreas e portuárias) na Síria,  que obteve apoiando a repressão contra os revolucionários sírios, nessa interminável Guerra Civil, que adquire crescentes e preocupantes características da antiga Guerra Civil Espanhola.
                 Por outro lado, Vladimir Putin faz grandes investimentos na sua frota de navios de guerra e de submarinos, e por isso as forças da NATO têm trabalho acrescido nos amiudados encontros de naves e submarinos entre a ressurgente Federação Russa e o Ocidente. Embora não passem às vias de fato, esse 'treinamento' constitui um verdadeiro ordálio para as tripulações  nele empenhadas.
                  Em outro recente desenvolvimento, o tirano turco Recep Erdogan se pôs de acordo com o autocrata Vladimir Putin.  Essa suposta aliança entre duas grandes nações que sempre costumaram estar em lados opostos, surpreendeu o Ocidente, e até o momento não há indicações seguras de que a composição seja para valer.
                   Putin se tem esforçado para caminhar nas pegadas da antiga União Soviética, mas por enquanto elas são demasiado largas para que gospodin Vladimir possa acercar-se desta meta.
                   A principal limitação que se coloca para o Presidente de todas as Rússias são as presentes dimensões da economia russa, e a sua base principal no ouro negro, que por conta da política das principais potências petroleiras, com a Arábia Saudita em primeiro lugar, que busca baixar a cotação do barril de petróleo.  Isto para Putin é anátema, eis que reduz bastante o valor agregado das exportações da Federação Russa de sua principal fautora de riqueza.
                    Por último, importa sublinhar uma circunstância que pode ser inclusive aplicada em nível individual: para quem não nada em muitos recursos, é compreensível que  recorra a outros meios para tentar reforçar o respectivo poder.
                    Nesse contexto, segundo relata reportagem do New York Times, o Kremlin vem dispensando muita atenção a meios e modos de difundir falsas estórias nos países limítrofes (o chamado estrangeiro próximo a que governo e povo russo dão bastante importância, inclusive chegando a legislar a respeito). O escopo de tais estórias pode ser apresentar visões falsas e deformadas da  realidade americana, com vistas a criar animosidade ou suspicácias entre esses países e a Superpotência. Nesses termos, são difundidas estórias de que a NATO pretenda armazenar armas atômicas na Europa Oriental, de onde pretenderia atacar a Rússia.
                       No contexto da guerra civil da Ucrânia, a derrubada do vôo da Malaysian Airlines 17 sobre a Ucrânia constitui um tópico relevante.  Ao invés das acusações difundidas pelo atual serviço secreto russo  contra a CIA e até contra aviadores de caça ucranianos, que teriam confundido a aeronave com o avião presidencial de Putin, o que houve foi o disparo acidental de insurgentes pró-Rússia na Ucrânia, que derrubou o voo comercial da Malásia, com as trágicas e conhecidas consequências.
                        Nessa tática, que tem claras ligações com a nazista, a desinformação é a regra. É instrumento decerto rudimentar e costuma ter as pernas tão curtas quanto a mentira.  A sua norma deve ser a da persistência, na convicção de que sempre ficará algo.
                        Pelo menos, é o que acreditam ao repetir, na trilha dos defuntos nazismo e fascismo, essas estórias que são confeccionadas para o consumo de classes sociais menos habilitadas a ter uma visão crítica dessas copiosas remessas de desinformação.


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