Salta aos olhos que o objetivo principal de Vladimir
V. Putin é promover a ascensão da Federação Russa no concerto dos
poderes. Se em tese ninguém pode objetar contra tal meta, o problema está nos
meios empregados para tentar alcançá-la.
Até princípios da última década do
século XX, existiam no mundo duas superpotências: Estados Unidos e União
Soviética. Decerto, não escapava aos cognoscenti
que essa paridade era falsa. Já no final do governo de Mikhail Gorbachev, por força de sua política, e da aplicação dos
respectivos princípios básicos (perestroika
e glasnost), a grande ameaça à coesão
da URSS, i.e., as nacionalidades,
assim como a discussão ampla dos dois princípios acima, já havia redesperto
esses temíveis agentes no contexto soviético, com as ruinosas consequências de
ruptura do tecido comum pela ação de diversas etnias, com escopos contrastantes.
Da relevância das nacionalidades no quadro da antiga União Soviética, parece
interessante e apropriado ter presente que o grande chefe revolucionário Vladimir I. Lenin encarregara o Camarada Jozef Stalin para ocupar-se,
como Comissário das Nacionalidades, deste setor capital para o futuro da União
Soviética.
Com efeito, não escapou a alguém com a
visão política e a filosofia de Vladimir Iljitch da relevância de que a etnia
dominante, sem embargo de ser a mais numerosa, carecia de estar cercada pelas
demais em ambiente de concórdia. Para tanto, a designação de Stalin como
Comissário das Nacionalidades sublinhava as características indispensáveis do
gestor dessas inúmeras etnias que compunham o mosaico demográfico do antigo
Império russo.
O Kremlin carecia do Comissário
Stalin neste setor chave por seus atributos pessoais: devoção ao partido,
energia, caráter implacável, frieza despojada de qualquer sentimentalismo,
precedência sempre à metrópole, o enfraquecimento das etnias eventualmente
contrastantes, e aplicação da máxima do império romano 'divide et impera', dentro da norma de impedir que surgissem núcleos demográficos fortes, que
pudessem eventualmente criar problemas para a autoridade central. Nesse
contexto, a maneira com que o Camarada Stalin tratou da confrontação entre
azeris (do Azerbajão islâmico) e
armênios (cristãos, cuja nacionalidade já tinha sido vítima de genocídio,
aplicado pela Turquia durante a Primeira Guerra Mundial). Através do território
de Nagorno-Karaback, Stalin criaria as condições para que os atritos das duas etnias (azeris e armênios), não só
perdurassem, mas crescessem no ódio interracial, aplicando-se a máxima romana divide et impera.
Como ao camarada Gorbachev, além
do intúito de salvar a União Soviética dentre os princípios da glasnost (transparência) e perestroika (reestruturação), e acreditar possível, através do respeito
às nacionalidades reconstruir a base da trôpega segunda Superpotência, deveras
não há de surpreender que a URSS desaparecesse pacificamente em 1991/2, em
um final político de que não há exemplo similar na História.
Cabe, portanto, agora a gospodin Vladimir Vladimirovich Putin
tentar a restauração, senão da antiga União Soviética, pelo menos de parte
relevante do antigo Império Russo.
É sempre um fator de
desestabilização que existam potências insatisfeitas com a presente conformação
política e mesmo geopolítica.
Não é segredo que Putin tenha
decidido como casus belli (no que
tange à Ucrânia) a queda de Viktor
Yanukovich, o corrupto (mas pró-Moscou) presidente ucraniano. Pouco depois,
Putin decidiria a invasão da Criméia - que anexou em seguida. Embora a
Assembléia Geral das Nações Unidas tenha aprovado Resolução contra essa
anexação ilegal ( e com base neste flagrante desrespeito do Direito
Internacional Público) foram aplicadas sanções (até hoje vigentes), e que
incomodam deveras ao Kremlin. Por ordem de Dilma Rousseff, o Brasil - para
vergonha de sua diplomacia não votou contra esse ataque à integridade da
Ucrânia, apesar de constar da nossa Constituição o repúdio a esse tipo de conflagração.
Daí surgiria o conflito de baixa intensidade - critério de que discordam, por óbvias razões, as
povoações da Ucrânia oriental - entre os assim-chamados rebeldes pró-Russia e
os ucranianos, que buscam manter a integridade territorial desse país, cujo
principal infortúnio é estar na área do
estrangeiro-próximo (segundo a
terminologia russa).
Toda a dita rebelião contra
Kiev e a Ucrânia não passa de 'castigo' aplicado por gospodin Putin, para
impedir que a Ucrânia se associe à União Europeia. Putin havia acenado com a
união aduaneira o que Yanukovitch aceitara. O presidente caíu em consequência,
pela recusa da maioria da população ucraniana em associar-se à Rússia.
E esta suposta revolução dos
rebeldes ucranianos não passa de uma invasão disfarçada, implementada por
Moscou.
No entanto, Putin se tem
empenhado em âmbito regional para aumentar a presença russa no Oriente Médio.
Já dispõe de duas bases (aéreas e portuárias) na Síria, que obteve apoiando a repressão contra os
revolucionários sírios, nessa interminável Guerra Civil, que adquire crescentes
e preocupantes características da antiga Guerra Civil Espanhola.
Por outro lado, Vladimir Putin
faz grandes investimentos na sua frota de navios de guerra e de submarinos, e
por isso as forças da NATO têm trabalho acrescido nos amiudados encontros de
naves e submarinos entre a ressurgente Federação Russa e o Ocidente. Embora não
passem às vias de fato, esse 'treinamento' constitui um verdadeiro ordálio para
as tripulações nele empenhadas.
Em outro recente desenvolvimento, o tirano
turco Recep Erdogan se pôs de acordo com o autocrata Vladimir Putin. Essa suposta aliança entre duas grandes
nações que sempre costumaram estar em lados opostos, surpreendeu o Ocidente, e
até o momento não há indicações seguras de que a composição seja para valer.
Putin se tem esforçado para caminhar nas
pegadas da antiga União Soviética, mas por enquanto elas são demasiado largas
para que gospodin Vladimir possa
acercar-se desta meta.
A principal limitação que se
coloca para o Presidente de todas as Rússias são as presentes dimensões da
economia russa, e a sua base principal no ouro negro, que por conta da política
das principais potências petroleiras, com a Arábia Saudita em primeiro lugar, que
busca baixar a cotação do barril de petróleo.
Isto para Putin é anátema, eis que reduz bastante o valor agregado das
exportações da Federação Russa de sua principal fautora de riqueza.
Por último, importa
sublinhar uma circunstância que pode ser inclusive aplicada em nível individual:
para quem não nada em muitos recursos, é compreensível que recorra a outros meios para tentar reforçar o
respectivo poder.
Nesse contexto, segundo
relata reportagem do New York Times, o Kremlin vem dispensando muita
atenção a meios e modos de difundir falsas estórias nos países limítrofes (o
chamado estrangeiro próximo a que
governo e povo russo dão bastante importância, inclusive chegando a legislar a
respeito). O escopo de tais estórias pode ser apresentar visões falsas e
deformadas da realidade americana, com
vistas a criar animosidade ou suspicácias entre esses países e a Superpotência.
Nesses termos, são difundidas estórias de que a NATO pretenda armazenar armas
atômicas na Europa Oriental, de onde pretenderia atacar a Rússia.
No contexto da guerra
civil da Ucrânia, a derrubada do vôo da Malaysian
Airlines 17 sobre a Ucrânia constitui um tópico relevante. Ao invés das acusações difundidas pelo atual
serviço secreto russo contra a CIA e até
contra aviadores de caça ucranianos, que teriam confundido a aeronave com o
avião presidencial de Putin, o que houve foi o disparo acidental de insurgentes
pró-Rússia na Ucrânia, que derrubou o voo comercial da Malásia, com as trágicas
e conhecidas consequências.
Nessa tática, que tem
claras ligações com a nazista, a desinformação é a regra. É instrumento decerto
rudimentar e costuma ter as pernas tão curtas quanto a mentira. A sua norma deve ser a da persistência, na
convicção de que sempre ficará algo.
Pelo menos, é o que
acreditam ao repetir, na trilha dos defuntos nazismo e fascismo, essas estórias
que são confeccionadas para o consumo de classes sociais menos habilitadas a
ter uma visão crítica dessas copiosas remessas de desinformação.
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