Esse título, leitor amigo, pode
significar, no mínimo, duas situações antagônicas. Em primeiro lugar, se terá
presente a ansiedade do Povo brasileiro, que deseja ver perspectivas de solução
favorável dos respectivos problemas como firme indicação de que tal desejo venha
a transformar-se em realidade.
Um exemplo dessa predisposição está na
operação - com amplo suporte visual da mídia - da chamada tomada do Complexo do
Alemão, realizada entre 25 e 28 de novembro de 2010.
Esta operação conjunta, de que
participaram as Forças Armadas, inclusive com blindados, assim como a PM em
peso, terá recuperado o controle desse Complexo do Alemão. Para marcar a
efeméride, houve içamento de bandeiras federal e estadual, e a presença tutelar
do governador Sérgio Cabral sublinhava o empenho das forças de segurança, a que
se agregava o próprio Exército.
Para a opinião pública, o espetáculo
midiático refletia o geral entusiasmo pela reconquista de um território por
demasiado tempo entregue às sombras do tráfico e do banditismo. Como sói
acontecer em tais ocasiões, se confunde desejo e virtualidade do controle como
expressão de nova e permanente realidade.
O Complexo do Alemão, por uns tempos, se
transformaria em imagem virtual de uma nova dinâmica - uma presença da PM mais
afirmativa e a consequente derrota da chamada entidade do 'tráfico'.
Nesse contexto, a exuberância da mídia
apresentaria a fuga multitudinária do tráfico - cerca de trezentos bandidos que
acompanhados pelas câmeras da tevê debandavam pela estrada de terra que sai das
alturas do Alemão e que adentra os bairros vizinhos. Outra indeterminada parcela
de fora-da-lei teria igualmente escapado pela mata que contorna partes do
Complexo.
Diante da perplexidade de uma pequena
parte da mídia - que se perguntou por que o Estado não se valeu da oportunidade
para deter todo esse bando fora-da-lei - a resposta dos poderosos de então se
limitou a um olhar cético, como se aquela operação de limpeza do Alemão
constituísse uma realidade que a si própria se bastava. As forças estatais
intervieram com mostra de todo o seu poder de fogo, que foi bastante para pôr
em debandada aqueles que se tinham indevida e traiçoeiramente apoderado de um
grande bairro, habitado na sua maioria por gente respeitadora da lei.
Talvez pensando que os mais de
trezentos meliantes que se escafederam à vista das câmeras, e para tanto se
valendo de todos os veículos que imaginar-se possa, de alguma forma seriam absorvidos
pela cidade grande e deixariam de importunar e, sobretudo, comandar a gente
honesta do bairro do Alemão.
Como que deitados em leito
esplêndido, acreditando que os desatados fios do crime de alguma forma estavam
desfeitos de forma permanente, o Estado começou a cuidar do Alemão como se a
varinha de condão da operação conjunta encetada a 25 de novembro de 2010
deveria ser completada por acesso aéreo de cabinas ao bairro do Alemão, o que
foi providenciado. Outras formas do abraço da urbe se sucederam como em novela
da Rede Globo, igualmente situada no bairro reconquistado do Alemão.
Toda essa fábula - que a muitos
convenceu - sublinha um ponto fraco da nacionalidade. O nosso desejo por uma
volta aos bons tempos em que a mala vita
não era presença usual em Pindorama - ou, pelo menos, seria realidade ainda
insignificante no cômputo estatístico da
vida na cidade, esse desejo continua
forte por demais e a tal ponto que nos faz esquecer pormenores relevantes no
dia-a-dia.
O que terá muita gente esquecido
naquela triunfalística data de vinte e cinco de novembro de 2010, com direito à
cerimônia de alça de bandeiras (federal, estadual e municipal) e a ubíqua
presença da mídia - a que como insetos da luz, acorreram também as autoridades
do tempo ? Temos tanta vontade que tudo volte aos bons velhos tempos que nos
esquecemos de certos pormenores para que esse desejo do eterno personagem de
René Clair - que nos traz o canto das sereias de Ulísses e nos promete a volta
próxima e segura desses bons velhos tempos
- que a boa gente brasileira pode parecer, com o passar impiedoso do
tempo, essa peneira cruel das vãs esperanças e dos tolos propósitos, como uma
simples, meretrícia ilusão...
Hoje há gente que se pergunta,
por que não se prendeu todos aqueles trezentos fora-da-lei que fugiram pelas
estradas de terra que ligavam o radiante bairro do Alemão, de repente
transformada como uma metáfora para a ansiedade realidade de todos?
Não prendeu - e aí se podem
elencar os poderosos de então, muitos dos quais hoje demoram em bairros
longínquos, como proscritos por um Povo pelos ditames severos de esquecimento.
Temos o hábito - tolos que
somos! - de pular e abraçar o desejo hodierno como se fora a concretização da
realidade.
Esquecemos dos pormenores e,
num grande salto, abraçamos o que se pensa seja a realidade.
E, aí minha gente, é que está o problema. Na nossa
ânsia de chegar a Pásargada, onde o poeta é amigo do Rei, olvidamos muitos
detalhes e sobretudo a aborrecida faina que as grandes, vaidosas realizações
costumam exigir.
(
Fontes: Rede Globo, Manuel Bandeira, Homero, René Clair)
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