sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Os Leguleios do Impeachment

                               
        A facilidade com que a liga dos defensores da ex-presidente logrou modificar uma disposição constitucional contou com a ajuda determinante do Presidente Ricardo Lewandowski, que resolveu encerrar com fecho de cobre a sua anterior impecável direção dos trabalhos. Sem serem de Hércules, constituíram tarefa digna de elogios, elogios esses que foram manchados por sua decisão de acolher o irresponsável fatiamento de determinação constitucional, o qual não trepidaria em submeter a voto, pondo em risco o antigo equilíbrio instituído pela Constituição Cidadã, de 5 de outubro de l988.
        Tratando da questão com a aisance[1] de quem decide coisa de somenos,  Lewandowski na prática acolheu a emenda do PT, que tratava de salvar no dílmico  barco o que imaginara fosse possível. Norma constitucional não pode ser ignorada ou emendada, como se fora portaria ou decreto. Tanto a Constituição de 1988, quanto outras que a precederam, trataram de evitar que a autoridade objeto da cassação fosse munida de compensações que, na prática, desvirtuam e prejudicam a sanção. Se fosse questão de somenos, não se exigiria toda a formalística legal e constitucional que cerca o instituto do impeachment.  Tampouco se pode permitir que se dê a ex-autoridade cassada os instrumentos para ainda no calor do debate político, se empenhe em criar condições de acosso e de oposição, como será o caso se Dilma Rousseff tiver essa espécie de prêmio de consolação, com o que poderá infernizar o trabalho de quem veio sucedê-la. Não faz sentido colocar todas as exigências constantes na letra constitucional, e depois abrir a cancela - por estranha deferência do Presidente do Supremo e também do Senado reunido para examinar, discutir e votar com o alto quorum de aprovação exigido. Todo esse imponente edifício, é sustentado por altos percentuais de aprovação, o que mostra a gravidade e a relevância da matéria constitucional.
         Tudo isso se choca com a desfaçatez dos leguleios de plantão, que decerto não se pejam de propor o inconstitucional. Na própria ousadia, o advogado recorre a todos os meios que acredita legais, fundado na velha segurança de quem pleiteia causas de que não deve ignorar a própria inadmissibilidade. Para eles, nessa hora do desespero, tudo será admissível, eis que o leguleio substitui o fundamento jurídico da pretensão pela própria ousadia.
          Como é possível admitir que se disponha  e se adultere disposição constitucional, como se fora concebível fatiar a determinação constitucional, dando a assembleia legislativa - no caso o Senado - a competência que não possui? Com que estranha facilidade e presteza, se dispõe da norma constitucional, que se adultera, como se o Senado Federal pudesse ignorar as leis constitucionais, ou modificá-las a seu bel prazer?
            A ousadia do juiz, que ignora adrede a letra constitucional, representa perigo ainda maior, por introduzir tal incrível facilitário em nossas leis constitucionais.  
             Que segurança jurídica existe em terra onde todo conchavo e manobra podem se abrigar em manto supostamente constitucional, mas na verdade costurado por leguleios que se norteiam pela bússola das composições de última hora, que não conhece outro limite do que a eventual bizarra concordância  do magistrado que a presidiu.
              A propósito, bem se expressou o decano do Supremo, Ministro Celso de Mello, quanto ao fato de que o impeachment "não pode ser dissociado" do veto a futuras candidaturas, assim como o Ministro Gilmar Mendes, que definiu o procedimento como "no mínimo, bizarro".  
              Não devemos mexer com velhos e provados edifícios jurídicos, que não foram levantados por acaso.  Ou porventura desejamos que disso se prevaleçam outros aventureiros, cujo nome bem conhecemos ? 


( Fonte:  O Globo )



[1] facilidade

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