A facilidade com que a liga dos defensores da
ex-presidente logrou modificar uma disposição constitucional contou com a ajuda
determinante do Presidente Ricardo Lewandowski, que resolveu encerrar com fecho
de cobre a sua anterior impecável direção dos trabalhos. Sem serem de Hércules,
constituíram tarefa digna de elogios, elogios esses que foram manchados por sua
decisão de acolher o irresponsável fatiamento de determinação constitucional, o
qual não trepidaria em submeter a voto, pondo em risco o antigo equilíbrio
instituído pela Constituição Cidadã, de 5 de outubro de l988.
Tratando da questão com a aisance[1]
de quem decide coisa de somenos, Lewandowski
na prática acolheu a emenda do PT, que tratava de salvar no dílmico barco o que imaginara fosse possível. Norma
constitucional não pode ser ignorada ou emendada, como se fora portaria ou
decreto. Tanto a Constituição de 1988, quanto outras que a precederam, trataram
de evitar que a autoridade objeto da cassação fosse munida de compensações que,
na prática, desvirtuam e prejudicam a sanção. Se fosse questão de somenos, não
se exigiria toda a formalística legal e constitucional que cerca o instituto do
impeachment. Tampouco se pode permitir que se dê a
ex-autoridade cassada os instrumentos para ainda no calor do debate político,
se empenhe em criar condições de acosso e de oposição, como será o caso se
Dilma Rousseff tiver essa espécie de prêmio de consolação, com o que poderá
infernizar o trabalho de quem veio sucedê-la. Não faz sentido colocar todas as
exigências constantes na letra constitucional, e depois abrir a cancela - por
estranha deferência do Presidente do Supremo e também do Senado reunido para examinar,
discutir e votar com o alto quorum de aprovação exigido. Todo esse imponente
edifício, é sustentado por altos percentuais de aprovação, o que mostra a
gravidade e a relevância da matéria constitucional.
Tudo isso se choca com a desfaçatez
dos leguleios de plantão, que decerto não se pejam de propor o
inconstitucional. Na própria ousadia, o advogado recorre a todos os meios que
acredita legais, fundado na velha segurança de quem pleiteia causas de que não
deve ignorar a própria inadmissibilidade. Para eles, nessa hora do desespero,
tudo será admissível, eis que o leguleio substitui o fundamento jurídico da
pretensão pela própria ousadia.
Como é possível admitir que se
disponha e se adultere disposição
constitucional, como se fora concebível fatiar a determinação constitucional, dando
a assembleia legislativa - no caso o Senado - a competência que não possui? Com
que estranha facilidade e presteza, se dispõe da norma constitucional, que se
adultera, como se o Senado Federal pudesse ignorar as leis constitucionais, ou
modificá-las a seu bel prazer?
A ousadia do juiz, que ignora
adrede a letra constitucional, representa perigo ainda maior, por introduzir tal
incrível facilitário em nossas leis constitucionais.
Que segurança jurídica existe em
terra onde todo conchavo e manobra podem se abrigar em manto supostamente
constitucional, mas na verdade costurado por leguleios que se norteiam pela
bússola das composições de última hora, que não conhece outro limite do que a eventual
bizarra concordância do magistrado que a
presidiu.
A propósito, bem se expressou o decano do
Supremo, Ministro Celso de Mello, quanto ao fato de que o impeachment "não pode ser dissociado" do veto a futuras
candidaturas, assim como o Ministro Gilmar Mendes, que definiu o
procedimento como "no mínimo, bizarro".
Não devemos mexer com velhos e
provados edifícios jurídicos, que não foram levantados por acaso. Ou porventura desejamos que disso se prevaleçam
outros aventureiros, cujo nome bem conhecemos ?
( Fonte: O
Globo )
Nenhum comentário:
Postar um comentário