É deprimente que
os Estados Unidos veja a sua recente tentativa de estabelecer em Aleppo área de
não-agressão desprezada pelo ditador Bashar al-Assad.
O acordo que foi assinado pelos
Ministros Sergei Lavrov e John Kerry, que visara suspender as hostilidades na Síria, na prática
já surgiu natimorto.
Nesse sentido, ignorando as
vítimas civis, Bashar, sua aviação e tropas retomam o controle do bairro de
Farafra, na área central da cidade, após semana de intensos bombardeios.
Lixando-se para as consideráveis
baixas na população civil - que é tratada como se militar fora -, as forças
sírias legalistas, com óbvio apoio da Rússia, investem contra os bairros de
Sa'ar e Mashhad, na área leste de Aleppo.
Segundo a ONG londrina Observatório Sírio de Direitos Humanos, onze pessoas
morreram nesta ofensiva, a maior desde o fim do cessar-fogo na semana passada.
Cerca de 400 pessoas foram mortas
com o recrudescimento dos ataques nos últimos cinco dias. A intensidade dos
ataques e dos bombardeios por forças de Bashar continua a crescer, enquanto 250
mil pessoas estão sitiadas em bairros de Aleppo dominados pelos rebeldes.
Na confusão dos ataques, o regime
sírio quer aparentar firmeza, e declara que a ofensiva continua até que os
rebeldes tenham sido "varridos da cidade". Nessa grande confusão, em
que a verdade desponta como a primeira vítima, a força insurgente afirma haver
repelido a ofensiva síria.
A lenta recuperação territorial
do regime de al-Assad sempre contara com o apoio do Irã e da falange xiita do
Hezbollah, chefiada por Hassan Nasrallah. Recentemente, foi morto em
bombardeio alto dirigente desse grupo
xiita, Samir Kantar, cuja presença no Líbano representa um desestabilizador
para aquele país, em que há forte comunidade cristã maronita.
A que se deve o lento renascer
da ditadura de Bashar? Depois de
atravessar o nadir de sua trajetória política - em que foi abandonado até por
parte da família, e a sua perspectiva política parecia próxima do fim, enquanto
crescia a probabilidade de mais um julgamento de cruento ditador pelo Tribunal
Penal Internacional da Haia - salvaram Bashar - para desgraça da gente síria -
a coalizão dos xiitas do Irã (a que o crédo alauita sincretista da família
al-Assad a torna aliada de Teerã), e gospodin
Vladimir Putin - que já investira demasiado na Síria, onde dispõe de porto
marítimo e base aérea - para que corresse o risco de perder tais aquisições
estratégicas, tão importante para as suas grandes ambições de recuperar o lugar
de Moscou no grande jogo com o
Ocidente..
Por isso, Bashar, na sua vigésima-quinta
hora, ressurgiria da grei infame dos
mortos políticos. Mas a fortuna do ditador sírio contou igualmente com a
deterioração da Liga Rebelde, a despeito do apoio das monarquias do Golfo. Nesse sentido, as hesitações de Barack Obama
terminaram por enveredar na determinante negativa de armar as forças
insurgentes que lutavam contra o regime sírio.
Obama, para tanto, mostrou
grande firmeza em negar o plano de apoio aos rebeldes costurado por Hillary
Clinton, então Secretária de Estado, e que contava com a adesão de mais três
comandantes militares americanos, inclusive o do Pentágono e da própria CIA.
Obama deu preferência à presença americana no Afeganistão, esse grande
cemitério de expedições do Ocidente, a partir da malograda tentativa das forças
de Sua Majestade Britânica, no século XIX.
Dessarte, com tal negativa
de apoio, o Ocidente permitiu a ressurgência do tirano Bashar e condenou o povo
sírio à continuação da luta intestina empreendida por Damasco para recuperar as
bases e os centros populacionais antes dominados pela Liga Rebelde. Daí não espantará a progressão do ditador
sírio recuperando o controle da costa mediterrânea, e das principais metrópoles
sírias. Para quem já via a Liga Rebelde nos subúrbios de Damasco, a recuperação de Bashar é um falso enigma, pois
a grande negativa de Obama levou a três resultados adversos para Tio Sam: a
ressurreição de al-Assad, um ganho político apreciável para o adversário Putin,
e de cambulhada, mais fatores negativos para os EUA, com o aparecimento do
Exército Islâmico, entre outras.
Se a Liga Rebelde
houvesse recebido o apoio de que carecia, parece pouco provável que surgissem
tantos inimigos do Ocidente como apareceram de repente no horizonte. Não fosse
esse abandono da Liga Rebelde, que já via no próprio visor a perspectiva da
queda do tirano sírio, é difícil visualizar que tantos adversários dos Estados
Unidos tivessem obtido tantos ganhos
determinantes, como a própria Federação Russa, a quem foi muito proveitosa sua
operação de salvar o seu aliado Bashar.
Tampouco teria havido
a grande e custosa confusão aprontada pelo EI, tanto no Iraque, quanto na
própria Síria, aonde ainda se encontra.
Não menciono sequer os americanos que foram sacrificados pelo regime do
Califa al-Baghdaadi.
Decerto o
meio-oriente nessa área não seria ainda a terra da fartura, mas diante da
negativa de Barack Obama aos seus quatro chefes de departamentos militares e de
missões com interesses convergentes, a que a atual candidata a Presidente dos
Estados Unidos liderava, constitui uma hipótese tentadora que a presente confusão
nessa área do Oriente Médio poderia ter evitado se surgisse no lugar de Bashar
um regime próximo ao Ocidente e em condições muito diversas do inferno
médio-oriental que aí surgiu, se
tivermos presente todo o imenso sofrimento da população civil na área.
Quanto mais se
reflita sobre esse gran rifiuto[1],
e as pesadas consequências que teve para as povoações envolvidas, fica ainda
mais árduo entender porque o Presidente americano se recusou a estender
a mão para a união dos combatentes, que via próxima a hora última do
sanguinário regime dos al-Assad. A própria situação hodierna dos Estados Unidos
nessa área não pode ser comparada com a de uma Síria pacificada, sob regime
simpático aos Estados Unidos, a quem deveria, senão o estabelecimento de Pax americana, um estado de coisas
incomparavelmente superior em termos de qualidade existencial, do que o atual
inferno aí prevalente.
(
Fontes: O Globo; Economist )
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