Voltamos já em 1945 para Porto Alegre.
Vovô Romualdo nos levaria do aeroporto para o edifício Jaguarão, que ele
mandara arrumar e limpar de forma que o apartamento 3-B já nos fosse habitável.
Todo o Jaguarão - assim chamado em
homenagem à cidadezinha da fronteira que era o núcleo das famílias Matos e
Azeredo - havia sido planejado e calculado por papai, que era engenheiro civil.
Tinha oito andares, e ficava na esquina da avenida Borges de Medeiros e da
Jerônimo Coelho.
O viaduto da Borges estava em frente ao prédio projetado por papai,
que o fez em estilo art déco (encarregou-se também da arquitetura).
O prédio tinha elevador instalado em poço interno, gradeado e
ladeado pelas escadas, em estilo francês. No andar de cima, na verdade o ático,
havia um espaço mais largo, com lajotas, e na parte central, cada apartamento
dispunha de um aposento, planejado para guardar móveis menores, bicicletas e
outros objetos. Eram, na verdade, mini-depósitos, conforme o projeto de papai.
Havia sacadas em todos os apartamentos.
Nos que davam para a Borges, mais amplas do que as dos apartamentos B, voltados
esses para a Jerônimo Coelho.
O 3-B, como os outros desse tipo,
tinha dois quartos, pequeno hall e sala de visitas, além de sala de jantar, copa e cozinha. A área de serviço incluía tanque e espaço para quarar roupa.
Antes de nos mudarmos para a residência
da Santa Terezinha - estivemos também em outra casa, fronteira à
residência do avô Romualdo, em rua
transversal que ía da Fernandes Vieira a Ramiro Barcelos.
Papai e mamãe já tinham móveis,
geladeira e fogão. Com isso não foi difícil para meu avô mobiliar o 3-B, a que
deve ter mandado pintar, pois o encontramos em boas condições.
Nos primeiros meses de 1945, vovô
vinha amiúde ao apartamento. Apesar de que tratasse as crianças à antiga, sem
os carinhos a que o meu pai me acostumara, ele logo nos pôs à vontade, porque
sentira muito a estúpida morte de seu filho José, e por isso me tratava menos
como neto do que filho temporão.
O desastre da Pedra Redonda tinha
deixado funda no físico e no porte sua
marca em meu avô. Naquele tempo, as pessoas envelheciam mais depressa, mas vô
Romualdo, por alquebrado que estivesse, fazia questão de vir pelo menos duas vezes por semana para me levar até a
praça da Matriz.
Depois de conversar com
mamãe - que guardava luto fechado - ele me pegava pela mão, para me conduzir
até essa praça central de Porto Alegre.
Era uma boa caminhada, que
lhe devia pesar um tanto. Saímos do Jaguarão, subíamos o viaduto da Borges de Medeiros,até a Duque de Caxias e
seguíamos para a Praça da Matriz, que é um dos centros de Porto Alegre.
Meu avô, sempre me
levando pela mão, atravessava para a referida praça, onde eu poderia brincar.
Como era criança obediente e não muito travesso, vô Romualdo se sentava em um
banco e dali tratava de me cuidar à distância.
Não demorou muito que eu
aguardasse com ansiedade as visitas - em geral três por semana - de meu
avô, que às vezes me trazia um presentinho, e que sempre me falava com
muito carinho. Na época, eu não sabia, mas o meu pai era o filho preferido de
meu avô. Tal se devia sobretudo à responsabilidade com que meu genitor se
ocupava dos assuntos de meu avô. Naquela época, estaria no meio dos sessenta,
mas aparentava mais. Para caminhar, carecia de bengala.
Era voz comum na família que o brutal
desaparecimento de meu pai - que tinha relação muito estreita com o seu
progenitor - fora enorme baque para meu avô. O primogênito José lhe fazia muita
falta, e a tristeza de vô Romualdo tornava isso um livro aberto. Daquele golpe, de certa maneira, ele não se
recuperaria, física e psicologicamente. Daí o empenho que fazia em me levar à Praça
da Matriz, apesar de que, com a locomoção mais díficil, esse encargo
livremente assumido se tornava sempre mais penoso de ser realizado.
Meu avô Romualdo me
dispensava naquele esforço que fazia, um grande carinho e também, porque não
dizer, silente homenagem ao filho querido, que tão cedo partira, embora dessa vida
não estivesse descontente.
( Fontes: infância e Camões )
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