sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Lembranças de Padrinho Chico (XII)

                      

         Que eu me lembre, não creio que o Padrinho tenha comprado  algum carro depois que o casal se mudou para São Paulo, por força de sua promoção na Swift, que o colocara à testa  de todos os serviços ligados à área financeira. Na verdade, Francisco Severino Lanzetta era uma espécie de lugar-tenente dentro da Swift brasileira.
          Havia sempre um americano como chefe geral, mandado se não me engano por Chicago, onde ficava a sede da multinacional. Com o passar dos tempos, a ascendência de Chico na empresa era óbvia, seja por sua experiência, seja pelo conhecimento de todos os serviços.
          Mas a exemplo de outras grandes empresas multinacionais, não se confiava a chefia a nacional da terra, por mais experiente e indispensável que fosse. Recordo-me, por isso, que nas poucas vezes que tomei carona no carro da empresa  que vinha buscar na Turquia, 26 o seu categorizado executivo, lá estava também a figura da vez que viera dos States para chefiar a Swift do Brasil  por um período determinado (dois anos, em geral).
           Via a maneira deferente com que o chefe americano tratava Chico. Discretos que éramos os dois, nem eu, nem ele aprofundávamos comentários sobre a relação funcional.
            Chico, que sempre foi um realista, não demonstrava nenhum animus contra o forasteiro da vez. O padrão não costumava mudar. Afirmativos de início, iam ficando mais calminhos com a progressão de sua chefia. Chico, ali estava, como uma espécie de rochedo,  que não dava para ignorar, ou mesmo contrariar. À medida que o tempo ía transcorrendo, essa relação parecia cada vez mais consolidar-se.
             Não passava na cabeça do americano da vez contrariar ou indispor-se com aquele categorizado brasileiro. Dependendo do temperamento do chefe temporário, o relacionamento seria fácil, ou não tão fácil assim, embora o chefe nominal sempre teria o juízo de não contrariar demasiado o respeitado lugar-tenente.
              Por outro lado, Chico nos visitava sempre quando vinha ao Rio de Janeiro.  As suas viagens costumavam ser curtas e o seu contato no Ministério da Fazenda era Valentim Bouças, uma autoridade categorizada naquele enorme prédio  construido por Artur Souza Costa, que no último governo do Presidente Getúlio Vargas (1951-24 de agosto de 1954) era o contato do Chico.  A esse propósito, en passant, o Chico nos dizia a mim e a mamãe, durante a sua visita (em geral noturna - ceiava conosco) sobre algum ponto, hoje diria macro-econômico, que o Bouças lhe confiara.
                  Recordo-me de outra vez em que não sei por que cargas d'água, o padrinho veio com atitude que eu hoje definiria como reminiscente-queixosa. Minha mãe ouviu tudo em silêncio, e a nossa presunção é que teria havido no feliz casamento de Bi e Chico um eventual desaguisado que tornara Chico no nosso apartamento do edifício Satélite propenso a trazer a lume alguns podres do próprio relacionamento com as Mendes.
                   As Mendes eram as moças rio-grandenses - Déborah, Maria, Lucy e Marina - conhecidas pela beleza, que teriam por vezes um temperamento mais difícil... Naquela noite que passou conosco, Chico me pareceu inusitadamente queixoso da postura das ditas Mendes (aí estavam, na sua mente, minha mãe, Bi, a mulher dele, e a própria Lucy, casada com o dono da Manchete), que seriam, ao ver do padrinho, demasiado orgulhosas e, mesmo, de difícil tratamento. Percebendo que alguma coisa não andara bem para o lado dele, mamãe não o contrariou, nem tampouco o apoiou... No caso, limitou-se a ouvir, sem agregar (nem discordar) muito, mas cuidando de acalmar o cunhado, o que decerto, com o seu jeito sereno, não lhe colocaria maior problema.
                        A atitude do padrinho me surpreendeu, por ser ele, em geral,  reservado, a despeito do efusivo jeitão da própria ascendência italiana.

                         Segundo a sabedoria popular, as criaturas mudam quando estão fora de seu ambiente. E foi o que ocorreu naquela noite com o Padrinho Chico, colhido por um momento de inusitada franqueza.            

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