segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Lembranças do Padrinho Chico (XIV)

                             

         As férias, infelizmente, elas estão sob o domínio do efêmero. Assim, como vêm, também se vão.
         Ainda me recordo de outras temporadas que passamos na rua Turquia, 26. Ficando um pouco mais taludo, podia juntar-me ao grupo familiar, no programa semanal da ida ao cinema.
        Naquele tempo, os adultos ainda íam enfarpelados aos filmes. E não  raro o programa terminava em  restaurante. Era a atmosfera do sábado. Se excluirmos o lado burguês da diversão, havia ali muito do espírito que Vinicius retrata no seu poema porque hoje é sábado.
        Também Chico gostava de dançar com a esposa, minha madrinha. Salvo as crianças, os homens de terno e gravata, e as senhoras, com vestidos curtos de soirée.
        Era também  bastante comum que os restaurantes tivessem pista para dansar. Alguns até com conjunto musical, outros com música de fonógrafo. O sábado era o dia talhado para tais programas. Em geral, depois do cinema.
        Já na manhã de domingo, íamos a missa. Havia igreja do outro lado da avenida, a que se podia ir caminhando. Todos, por assim dizer, endomingados.
         Lá pelo meio-dia, voltávamos para casa. Era hora do almoço. Como a nossa família não tinha outros parentes na Paulicéia, as empregadas preparavam a refeição e deixavam o ajantarado pronto, que se servia quando baixasse a noite.
         Como naquele tempo os programas da tevê não tinham a nitidez, não digo do melhor analógico, eles não despertavam o mesmo interesse que atualmente. Só com o passar do tempo as transmissões foram melhorando em qualidade. Antes eram granulosas e pouco nítidas. Entende-se, portanto, que só em circunstâncias muito especiais, elas atraíssem o público.
          Por uns tempos, não sei por ideia de quem, nessas um tanto tediosas noites dominicais, se introduziu o carteado. Os adultos jogavam por mera diversão, mas as cartas podem ter às vezes o condão de indispor as pessoas.
           Chico, como me dei conta, por temperamento encarava tal exercício como algo sério, que obrigasse a certa atenção. Por isso - e ainda me pergunto de quem terá partido tal ideia - o que devia ser diversão virava fonte de tensão e, por  conseguinte, de aborrecimento.
           Ao contrário da mulher e da cunhada, que encaravam o exercício pelo que ele representava - simples diversão -, Chico não sei por que cargas d' água queria mais atenção e seriedade no jogo.
           Dadas tais características conflitantes, elas considerando a prática pelo que deveria ser, simples jogo e, portanto, brincadeira, ele atento aos detalhes, e às cartas que se jogava fora, e àquelas que se guardava, eis que a prática do suposto passatempo se transformava em  ocasião algo tensionada.
            Se a tudo isso minha tia e minha mãe davam importância pro-forma, e o padrinho se comportava como se algo de importante estivesse em jogo, se há de intuir que a coisa não acabaria bem, com reclamações de Chico e respostas desabridas da esposa.
             Indo a prática de mal a pior, depois de enésima discussão, se decidiu dar merecido descanso à prática.
             Parece que o deslize terminal foi dado por uma das parceiras que, diante das vistas irritadas do padrinho, terá feito alguma besteira.
             Chico então disse o que não deveria ter dito, segundo sentenciou a madrinha.
             "Damn it!"
              Só agora, passado tanto tempo e longe da cerceante atmosfera dos anos cinquenta, o que se poderia traduzir com a expressão "com os diabos!" me parece algo mais para o light, ao invés da imprecação de que o preconceito dos anos cinquenta vedava o emprego  em ambiente familiar... Além disso, o padrinho tomava o cuidado de vestir os respectivos impropérios com interjeição inglesa, língua que uma das  irmãs ignorava, e de que a outra tinha apenas vaga idéia...

              Depois de tal entrevero, a paz voltou à rua Turquia 26.          

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