As férias,
infelizmente, elas estão sob o domínio do efêmero. Assim, como vêm, também se vão.
Ainda me recordo de outras temporadas
que passamos na rua Turquia, 26. Ficando um pouco mais taludo, podia juntar-me
ao grupo familiar, no programa semanal da ida ao cinema.
Naquele tempo, os adultos ainda íam
enfarpelados aos filmes. E não raro o
programa terminava em restaurante. Era a
atmosfera do sábado. Se excluirmos o lado burguês da diversão, havia ali muito
do espírito que Vinicius retrata no seu poema porque hoje é sábado.
Também Chico gostava de dançar com a
esposa, minha madrinha. Salvo as crianças, os homens de terno e gravata, e as
senhoras, com vestidos curtos de soirée.
Era também bastante comum que os restaurantes tivessem
pista para dansar. Alguns até com conjunto musical, outros com música de
fonógrafo. O sábado era o dia talhado para tais programas. Em geral, depois do
cinema.
Já na manhã de domingo, íamos a missa.
Havia igreja do outro lado da avenida, a que se podia ir caminhando. Todos, por
assim dizer, endomingados.
Lá pelo meio-dia, voltávamos para
casa. Era hora do almoço. Como a nossa família não tinha outros parentes na
Paulicéia, as empregadas preparavam a refeição e deixavam o ajantarado pronto,
que se servia quando baixasse a noite.
Como naquele tempo os programas da
tevê não tinham a nitidez, não digo do melhor analógico, eles não despertavam o
mesmo interesse que atualmente. Só com o passar do tempo as transmissões foram
melhorando em qualidade. Antes eram granulosas e pouco nítidas. Entende-se,
portanto, que só em circunstâncias muito especiais, elas atraíssem o público.
Por uns tempos, não sei por ideia de
quem, nessas um tanto tediosas noites dominicais, se introduziu o carteado. Os
adultos jogavam por mera diversão, mas as cartas podem ter às vezes o condão de
indispor as pessoas.
Chico, como me dei conta, por
temperamento encarava tal exercício como algo sério, que obrigasse a certa
atenção. Por isso - e ainda me pergunto de quem terá partido tal ideia - o que
devia ser diversão virava fonte de tensão e, por conseguinte, de aborrecimento.
Ao contrário da mulher e da cunhada,
que encaravam o exercício pelo que ele representava - simples diversão -, Chico
não sei por que cargas d' água queria mais atenção e seriedade no jogo.
Dadas tais características conflitantes,
elas considerando a prática pelo que deveria ser, simples jogo e, portanto,
brincadeira, ele atento aos detalhes, e às cartas que se jogava fora, e àquelas
que se guardava, eis que a prática do suposto passatempo se transformava
em ocasião algo tensionada.
Se a tudo isso minha tia e minha
mãe davam importância pro-forma, e o padrinho se comportava como se algo de
importante estivesse em jogo, se há de intuir que a coisa não acabaria bem, com
reclamações de Chico e respostas desabridas da esposa.
Indo a prática de mal a pior,
depois de enésima discussão, se decidiu dar merecido descanso à prática.
Parece que o deslize terminal foi
dado por uma das parceiras que, diante das vistas irritadas do padrinho, terá
feito alguma besteira.
Chico então disse o que não
deveria ter dito, segundo sentenciou a madrinha.
"Damn it!"
Só agora, passado tanto tempo e
longe da cerceante atmosfera dos anos cinquenta, o que se poderia traduzir com
a expressão "com os diabos!" me parece algo mais para o light, ao invés da imprecação de que o preconceito
dos anos cinquenta vedava o emprego em
ambiente familiar... Além disso, o
padrinho tomava o cuidado de vestir os respectivos impropérios com interjeição
inglesa, língua que uma das irmãs
ignorava, e de que a outra tinha apenas vaga idéia...
Depois de tal entrevero, a paz
voltou à rua Turquia 26.
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