O quê fazer de Cesare Battisti ?

                                            

        Após quase um mês foragido da polícia brasileira - Leandro Colon, na Folha, o considera um vexame total. Para o articulista, "Caso Battisti é um vexame total".  Assim, para Colon  "a novela Cesare Battisti (...) caminha para um desfecho de saldo vexaminoso para a imagem do Brasil."

          E continua:  "Condenado na Itália à prisão perpétua por quatro homicídios nos anos 70, o terrorista (sic) italiano viveu na última década por aqui graças à benevolência dos governos petistas."

          Como se sabe, vivemos hoje sob o guante das imagens. Essas podem ser passageiras, mas em geral costumam dar boa cópia para a imprensa, que vive, ao que parece, sob o império do au jour le jour. Chi se ne frega?   (quem se importa com isso?) pode ser, portanto, a imagem da vez.

          Se alguém se der ao trabalho de compulsar os jornais, tendo até a coragem de mergulhar nesta volúvel imprensa do cotidiano poderá ter surpresas que podem construir, dependendo das pessoas, tratados de cinismo, editoriais revanchistas, além de outros exemplos da relatividade dos tempos e dos juízos. De todo modo,quase sem exceção, ela nos faz viver sob o reino da inconsequência. 

           Se buscarmos um mural da relatividade humana, Cesare Battisti terá caído presa da própria ingenuidade - e o seu último erro terá sido talvez confiar na governança de Evo Morales... Nesse filmeco da passagem de Cesare Battisti pelo Brasil, vi a gente brasileira e os seus governantes passarem por momentos de luzes e de sombras.

           Para falar em noite e trevas,  em breve teremos imagens do "terrorista" Cesare Battisti caindo nas garras do atual gabinete italiano, que é presidido pelo apolítico Giuseppe Conte, e integrado pelo ultra-direitista (um vero fascista para muitos) Matteo Salvini, o capo da chamada Liga do Norte (que hoje ocupa a Pasta da Justiça, e nesta condição serve de espantalho para os pobres imigrantes que encontram no Mediterrâneo a única saída para o inferno onde vivem). Ainda no gabinete italiano - saído das últimas eleições - no país de Silvio Berlusconi, atualmente fora do governo - o esquerdista Movimento Cinque Stelle, de Beppe Grillo e, hoje, Luigi di Maio, os quais, como se não tivessem já bastantes problemas, agora inventam de atacar ao Presidente francês Macron e seu governo, que talvez acreditem nas cordas, enquanto apoiam os coletes amarelos, como se tal movimento diversionista (acaso não ousaram macular o Arco do Triunfo ?) fosse ajudá-los a pôr a Itália em melhor caminho...  

              Mas voltemos ao "terrorista" Cesare Battisti.  Aqui ingresso no Brasil, Battisti foi acolhido pelo Presidente Lula, cujo mandato chegava então ao término. Apadrinhado pelo Senador Eduardo Suplicy (PT), este último conseguiria eleger-se como o mais votado Vereador da história de São Paulo. Lula partia então - ingressava Dilma Rousseff no Palácio do Governo, e  naquele momento nem sequer Nostradamus teria a coragem de revelar a reviravolta que breve se assistiria. Mas Lula, no último dia de seu mandato - mal sabia ele que era o último mesmo - bateu pé e defendeu a condição de refugiado para aquele Cesare Battisti que viera ao Brasil pedir guarida.

                   A princípio, encontrou no STF dentes descobertos que não eram imagem de sorriso, mas a firmeza de Lula dissuadiu os ministros que resolveram esquecer a cantilena que ouviam e o pobre Battisti se tornou 'refugiado', acolhido não só pelo amigo Suplicy, mas por outros brasileiros, com o Presidente Lula à frente, ainda que no seu último dia de mandato, teve força política suficiente para "convencer" aos perseguidores do italiano Battisti,  com o Ministro do STF à frente Luiz Fuchs,  que era a hora de reconhecer a generosidade do Brasil e a condição de Battisti como refugiado.

                  Como se sabe, Cesare Battisti adentrara muito jovem nas Brigate Rosse, e a ele tinham sido imputados quatro crimes capitais.Ele sempre protestara inocência. Tangido pelas circunstâncias, ele fugiu para a vizinha França, aonde ficou sob a proteção do Presidente francês François Mitterrand. Sem embargo, com o término do seu segundo mandato presidencial, em 1995, e de sua vida, em 1996,  cessaria a proteção do francês, e a fuga (cavale) de Battisti tenderia a reiniciar-se.  Enquanto ele esteve sob a asa do presidente francês, nunca foi levantada por seus perseguidores a tal condição de brigatista assassino - de que antes Battisti sempre se defendera, protestando inocência - o seu discurso de atribuir a própria culpa nos assassínios à velha estória de que "les absents ont toujours tort" (os ausentes sempre têm culpa), e que fora, por conseguinte, conveniente aos seus companheiros mais antigos atribuir-lhe a culpa pelas mortes, só reapareceria uma vez morto Mitterrand.

                  

                    De qualquer forma, é estranho esse silêncio que o envolveu, enquanto vivo - e no poder - esteve François Mitterrand.  A culpa de Battisti só voltaria a reacender-se e a jogar as polícias nacionais no próprio encalço, quando não mais existia o seu respectivo e grande protetor.  Esse foi um dos principais instrumentos suasórios do pobre Battisti. A sua defesa sempre bateu em duas teclas: de que ele era muito jovem na época dos quatro assassinatos e, por isso, presa fácil para que os mais velhos delle brigate rosse tentassem inculpá-lo. E tampouco surpreende, que esse sinistro jogo recomeçasse, quando o grande protetor Mitterrand desaparece de cena, e de novo estava o pobre Cesare Battisti indefeso...

( Fontes:  Folha de S. Paulo, Biography (The Pocket Oxford Dictionary), Zingarelli, e meus anos na Itália,nas embaixadas junto ao Quirinal e Santa Sede ).