quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Trump e o Procurador Mueller

                            

       O presidente Donald Trump tem um problema pendente.  Todos sabem disso, até a loquaz mídia, que se diverte em passar recados.
        Enquanto, lentamente, o inverno atravessa o território dos Estados Unidos, e as pessoas cogitam de como vencê-lo, e em escapar das gélidas nevadas e das ocasionais tempestades, lá dentro da Casa Branca Trump pensa em como avançar e também resistir ao lento degelo que a ronda das estações há de trazer.
        Na Antiguidade, as populações contemplavam com temor a passagem dos cometas. Diziam que aqueles brilhantes intrusos na esfera celeste seriam mensageiros de desgraças, de secas terríveis, de bárbaras  invasões, de pestilência e da sorte madrasta.
         Superstição, diziam os sábios de antanho,  mas o zé povinho olhava para o firmamento, balançava cabeça e nada dele ficava, ao desaparecer no infinito.  Aqueles correios tardavam em aparecer, mas quando repontam no silêncio do céu azul profundo, boa coisa diziam os mais velhos eles não prenunciavam naquela passagem tão luminosa quanto solitária,  em meio às imóveis, cintilantes estrelas, que adentrava o cerúleo e profundo silêncio, em uma travessia vinda de destino ignorado rumo ao silente abismo celeste, onde reina a noite das abóbadas sem nuvens, como um real arauto, a anunciar indecifráveis,  e, no entanto, próximas calamidades.

           O presidente Donald Trump tem problemas pendentes.  Ora, vejam só. Em junho último, ele se defendera por haver demitido o diretor do FBI, James B. Comey, denegando que o ato estivesse conexo  à maneira com que ele tratara da investigação da Rússia. Acrescentou Trump, a  par disso, que ele estaria "cem por cento" desejoso  disposto a prestar declaração sob juramento para Mr Mueller.
            Perguntado agora sobre depoimento sob juramento para o Conselheiro especial Robert S. Mueller III, que investiga se a sua campanha conspirou com a Rússia para  alterar o sentido da eleição de 2016, o Presidente Trump declinou, nesta quarta-feira, de comprometer-se nesse sentido com Mueller, voltando atrás de seu compromisso no ano passado  de que falaria para  o Promotor Mueller sob juramento.
               Agora na conferência de imprensa com a Primeira Ministra Erna Solberg, da Noruega, perguntado de novo sobre a questão,  Trump disse que "falarei com advogados".  "Veremos o que acontece." Como o público terá presente, a resposta atual é muito diversa daquela de junho, em que disse que estaria "cem por cento" concorde em prestar depoimento juramentado para Mr Mueller.

               Sem embargo, Trump voltou a repetir a crítica do inquérito de Mr Mueller  como "uma caça às feiticeiras",  e que as investigações realizadas pelos comitês congressuais era "um embuste Democrata."  Através do Tuíter, ele se referiu à Senadora Dianne Feinstein, da Califórnia, a democrata  mais antiga no Comitê do Senado que conduz  investigação sobre a interferência russa como "sneaky"  (descuidista, ardilosa), um adjetivo pejorativo que se emprega para furtos que passem desapercebido, etc. Trump ficou enfurecido com a sra. Feinstein, em especial, por transcrever testemunho ao Senado  por um dos fundadores da firma que produziu um dossier picante e, em grande parte, não comprovado, que esboça o esforço da Rússia em favorecer  a campanha de Trump. Nesse sentido, o presidente exigiu que os republicanos "tomassem afinal controle" das investigações.
               Ainda na quarta-feira, os Democratas do Senado divulgaram extenso relatório  que conclui em que a interferência russa na eleição presidencial de 2016 se amolda à perfeição em prática de duas décadas  de interferência russa com governos em toda a terra, e acusa o próprio Trump de obstaculizar a resposta dos Estados Unidos à séria ameaça à segurança nacional.
               "Nunca antes na história americana uma ameaça tão clara para a segurança nacional tem sido de forma tão evidente ignorada por um Presidente estadunidense", assevera o Relatório.
                Mr Trump, nas suas observações, repetiu a afirmação feita amiúde, que ele, na verdade,  foi inocentado (cleared)  de conspirar com a Rússia."Foi determinado que não houve qualquer  colusão - e por virtualmente todos", disse o Presidente. "Quando eles não tem qualquer colusão para mostrar, e ninguém encontra alguma colusão em qualquer nível, parece improvável que se realize até mesmo uma entrevista."
                  Sem embargo, o Comitê do Senado sobre Inteligência e as contrapartes  da Câmara não chegaram a conclusão nessa questão, que também se crê Mr Mueller esteja explorando, juntamente com a possibilidade de que o presidente esteja examinando se o Presidente ou sua equipe obstruíram justiça ao demitir Mr Comey.
                      Por sua vez, o relatório democrata sobre a interferência russa examinou os esforços do governo Putin em dezenove países, descreve campanhas de desinformação assim como o financiamento de causas de extrema direita e a manipulação das fontes de energia que antecedem de muito a campanha de 2016, de forma a dar elementos aos agentes americanos como reagir a esforços similares dentro dos Estados Unidos.
                     O documento em tela oferece mais de trinta recomendações para salvaguardar o processo político eleitoral dos Estados Unidos,  trabalhar com os seus aliados, máxime na Europa,  para estabelecer novos moldes para enfrentar esse tipo de ameaça. Para tanto, incluem sanções novas contra essas ameaças: propõem, dessarte, novas sanções contra estados que realizem ataques cibernéticos nas eleições, ou contra infraestrutura de crítica importância,  assim como reuniões internacionais de cúpula, v.g., obrigar as companhias da mídia social a revelar as fontes de custeio para anúncios políticos.
                      Em consequência, o documento do Congresso conclama mr Trump "a afirmar a liderança presidencial" para estabelcer uma resposta de todo o governo aos esforços da Federação Russa, inclusive criando um centro interagencial  segundo o modelo do Centro Nacional de Contra-terrorismo, com vistas a coordenar a consequente reação estadunidense.
                        É relevante, outrossim, a atenção especial dispensada à ascensão e à manutenção do poder na Rússia, que se deveu notadamente ao emprego da força e à sabotagem de instituições  dentro da Rússia (as inquinando de suspicácia como se fossem agentes estrangeiros, e por conseguinte desleais). Nesse sentido, o relatório dá informações relevantes para as ações coordenadas tomadas por nações Européias, inclusive Alemanha e países nórdicos, como modelos para contra-arrestar os  instrumentos russos, e.g. desinformação e hacking.
                          Nesse contexto, é de sumo interesse a observação do Senador Benjamin Cardin. Na sua qualidade de representante da minoria democrata no Senado, disse o Senador por Maryland: "não são as investigações da intromissão russa, mas a própria inação do Presidente diante do atrevido ataque de Moscou que está prejudicando o país. Enquanto o Presidente Trump nada faz, mr Putin continua a refinar o seu arsenal assimétrico  e explorando futuras oportunidades para desgovernar a governança e solapar o apoio para as instituições internacionais e democráticas, " disse o Senador Cardin.
                    Ainda na entrevista de quarta-feira, com a Primeira Ministra Solberg, da Noruega,  Trump valeu-se do Tuíter e da conferência de imprensa para taxar as investigações sobre a Rússia como uma farsa de motivação política.   Por outro lado, pressionado pela entrevista sob juramento com Mr Mueller,  Trump voltou a valer-se de seu batido recurso de uma vez mais desviar a atenção pública das próprias faltas e culpar Hillary no caso do uso de seu servidor de e-mails.
                     São ações de alguém que se sente na desconfortável posição de ter de responder  por suas faltas (ou crimes).  Sem dar-se conta do ridículo da ação, pensa ainda ser possível usar Hillary Clinton pelo seu emprego do ramal público do computador como uma conveniente, mas deslavadamente cínica tentativa de procurar desviar a atenção  sobre eventuais crimes por ele cometidos.    


( Fontes: The New York Times; The New Yorker )

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