sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Angela Merkel

                                        

        Existe uma palavra em alemão que pode exprimir a atual situação política na Alemanha e a posição de Ângela Merkel, como Chanceler.
        Segundo se depreende das notícias vindas da Alemanha, de repente se coloca um agravamento da crise política naquele país.
        Há um mal-estar com o decurso dos prazos para a formação do governo. Por uma série de circunstâncias, há muita gente - a mor parte por motivos inconfessáveis - que deseja a sua saída do governo.
        Antes de entrar nessas matérias em que repontam invejas pequenas  e  grandes ambições, gostaria de pedir a atenção do leitor para uma palavra em alemão, a que sempre li com um interesse mesclado à admiração da língua de Goethe, e de sua originalidade verbal.
         Dizem que o idioma germânico prende o leitor em cada frase, pela circunstância de que os verbos se dividem entre  meio e fim de frase, e por isso mais do que cativam, eis lhe agarram o interesse no respectivo desfecho até o fim da oração,  por meio de um singelo prefixo, que tudo ao cabo muda.
         Há um escritor que discorrendo sobre esse ponto, fala do suspense, que ele provoca, eis que o leitor, ao embrenhar-se na construção de uma única frase, pode só saber do respectivo desfecho já nos finalmente daquela construção linguística.  Na célebre descrição, seria como se o leitor, ao seguir avidamente a frase, na ansiosa busca por sua mensagem,  espera até o último momento para captar-lhe o seu sentido final, em que ela, após o consueto mergulho nas águas incertas e prenhes da sintaxe, de repente se ergue,  ao cabo e no próprio final da sentença, como se fora mergulhador levando na sua boca a ansiada resposta quanto às dúvidas que só então serão aclaradas pelo prefixo que soubera guardar entredentes...
         A  excelência da língua germânica tem no próprio luzente baú uma infinidade de pedras preciosas que podem luzir tão forte a ponto de turbar um leitor mais afoito e  descuidado.
          Tenhamos, por exemplo, presente a liberdade que o idioma germânico tem com a construção de novos conceitos, formados por palavras já existentes, e que através da própria união perdem, em parte, o seu sentido primitivo. Nesse aspecto,  a originalidade do alemão está não em  juntar palavras,  mas na verdade por seu intermédio atingir um sentido surpreendente, paradoxal mesmo. 
           É como se, na própria desenvoltura verbal, o idioma de Goethe nos surpreendesse doutro modo, diverso daquele da imagem famosa do mergu- lhador que aparece afinal com a prometida resposta entre os lábios presa.
         Nessa momento difícil da Merkel se reflete também a riqueza da língua germânica.  Vê-se não só na atmosfera renana, e também nos lábios de comentaristas e políticos, aquela velha Schadenfreude  - alegria com a desgraça (alheia).  Na realidade, duas palavras modestas, que integram o cotidiano de qualquer nação.  Schaden  é o prejuízo material, mas também a perda; por sua vez, Freude é a alegria sem adjetivo.  Pode ser, assim, a alegria de uma criança com seu brinquedo, e também o júbilo de um adulto.
          Sem embargo, Schadenfreude é muito diverso, porque traz dentro dela a alegria com a desgraça de outrem.
           É o que vemos hoje,  na velha terra teutônica. Os inimigos da Merkel não podem confessar o próprio ressentimento com os seus treze anos de Chanceler.  São tantas as suas realizações, e tantos os anos,  de sua presença na Chancelaria alemã, que se pode até entender que gente menor, com vôo menor,  e, por muito tempo, dela psicologicamente dependente, como alguém, por exemplo, tem de levar na mente a sua exitosa presença como Chanceler.
          A Schadenfreude é uma criatura mesquinha pela própria natureza, e por isso em geral espera longos anos se são grandes as árvores e a sombra que projetam, para poder agitar-se, sob o domínio da inveja, que tende a crescer diante da antojada e aparentemente próxima desgraça  desses grandes personagens que parecem pairar acima das mesquinharias do cotidiano reservado à gente menor e àqueles que pensam ser grandes, mas são também pessoas mesquinhas e mofinas.  Lembram-se acaso de como Donald Trump a recebeu na Casa Branca?  Torcia-se de inveja diante da aparição da Merkel.  Na verdade, sequer o seu mal-estar  lograva disfarçar, por ser ela tão grande e ele tão pequeno.
            Pois na verdade, não tardaria em dar outra indicação do próprio desconforto, que fê-lo ser até quase grosseiro com  a personalidade  de Frau Angela Merkel.  Não é que Trump se sentiu híper-realizado no encontro com Theresa May, a Primeiro Ministra britânica, a quem deu romanticamente a mão, encantado sem dúvida em voltar à planície em que vive !  
           Grande como é a Merkel como dirigente e como personalidade, estar presente já é um incômodo para os falsos grandes da cena mundial...
            Não sei como isso há de terminar.  Será que a SDU - partido bávaro que teme a incursão na Baviera  dos neo-nazistas da Alternativa para a Alemanha, e que é a irmã siamesa da CDU - se preocupa com o que acontecerá com a Merkel? 
              Será que à liderança do SPD incomoda a presença da Merkel, em uma nova Grande-Coalizão?   Ou quem sabe, a sua ausência lhe cairia mais a gosto?  Como dirá o mesmo, ou parecido, o velho FDP, o sócio fiel de tantas coalizões, que agora pensa e repensa se não seria melhor que a Merkel, com tão grande passado, se afastasse afinal com todos os seus louros?
              Gente pequena,  que se sente cercada por problemas grandes, a que não se acham em condições de lidar...
              O quê fazer?
              Não sei o que Frau Angela Merkel ainda medita. Mas tudo aquilo que  pensar, com as suas grandes asas é bem maio do que o entorno...
             Será que a Merkel ficou demasiado grande e por isso, incomoda, e por isso deva ser afastada ?
              A lógica é besta, sem pé nem cabeça, mas o que é a vida, com o seu chorrilho de surpresas?

               Talvez a impenetrável, imponderável  Angela Merkel  tenha no próprio seio a resposta a tantas baixarias e mesquinharias...  Talvez apronte uma das suas, em meio aos pequenos líderes que a cercam. Quem sabe, a imagem do verbo-mergulhador continue a valer...

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