sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

O abuso nas cotas raciais

                              
         
       O famigerado 'jeitinho' brasileiro, vale dizer a tendência a servir-se de pontos obscuros na lei, forçando interpretação, ainda que contrária à intenção da norma legal,  mas logrando por má-fé  contorná-la,  é por muitos apontado como uma falha no caráter do brasileiro, que não trepida em prevalecer-se  de interpretações no mínimo discutíveis para vencer eventuais obstáculos.
       Nesse sentido, está o recurso à fraude na chamada 'cota racial'  nas universidades federais. Assim, segundo apurou o Estado de S. Paulo uma em cada três  universidades federais do Brasil já investigou a matrícula de estudantes por suspeita de terem fraudado o sistema de cotas raciais, como mostra levantamento realizado pelo jornal, tomando por base os processos administrativos instaurados pelas instituições.
        Para reduzir as fraudes, o governo Temer quer formar uma comissão  para análise visual dos alunos, consoante informa o repórter Luiz Fernando Toledo.
         Quanto ao quadro de abusos existente, das 63 universidades federais  no Brasil, 53 responderam aos questionamentos.  No total, há 595 estudantes investigados em 21 instituições de ensino.  Desses, a maioria já teve a matrícula indeferida, mas parte logrou  retomar os estudos por decisão judicial.  Nos documentos analisados, foram encontrados estudantes que se declararam quilombolas, mesmo sem nunca ter vivido em uma comunidade. Há também alunos acusados por movimentos negros de serem brancos.   O caso mais comum, em que há mais polêmica,  é o dos pardos. Eles muitas vezes são identificados - e denunciados - como "socialmente vistos como brancos". Nesse contexto, eles não deveriam utilizar o sistema, segundo os movimentos sociais. Como seria previsível, os cursos mais concorridos são o principal alvo de denúncias. Dentre esses, medicina e direito, com casos em todas as instituições em que jáa houve sindicância. As denúncias, em geral provêm do movimento negro e dos próprios colegas. Com a frequência das denúncias aumentando, parte das instituições criou comissões de aferição da autodeclaração de raça feita pelo aluno.
           Como a falta de padrão tende a criar distorção, o Governo Temer  decidiu reativar um grupo de trabalho, encabeçado  pelo Ministério dos Direitos Humanos, e incluindo secretarias do Ministério da Educação e da Fundação Nacional do Índio, que deve finalizar um documento para dar base a comissões de aferição de autodeclaração da etnia dos estudantes em todas as universidades federais do Brasil (hoje, só parte das instituições realiza esse procedimento).
              Segundo o Estado apurou o modelo em tela prevê bancas de cinco pessoas, formadas de modo diversificado, tanto em gênero, quanto em etnia dos servidores. Só novos alunos seriam  avaliados, antes da matrícula, e o primeiro aspecto a ser considerado deve ser o fenótipo (aparência) .  Segundo afirma outrossim Juvenal Araújo, secretário nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, "a questão do racismo no Brasil é de marca e não de origem. As pessoas são reconhecidas socialmente enquanto negras pelos traços fenotípicos."
              Por fim, entre os especialistas, não há consenso sobre as comissões. "Pode criar uma espécie de tribunal racial, no qual a população negra estaria, mais uma vez, alijada das decisões sobre a própria identidade e pertença.  Quem comporia essas comissões? Quais seriam os critérios para a escolha dos homens e mulheres que decidiriam quem é ou não negro no Brasil ?", pergunta a professora Inaé Santos, da Fundação Getúlio Vargas-Rio e do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil  (CPDOC-FGV),
                Já o especialista em ações afirmativas  Frei David Santos diz que é essencial combater fraudes: "Essas práticas criminosas precisam ser atacadas exemplarmente, para garantir que os reais destinatários da medida sejam contemplados."


( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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