domingo, 4 de março de 2018

Leopoldo López e o Futuro da Venezuela


  

        De todos os líderes democráticos na Venezuela, Leopoldo López é o que tem mais carisma, e o que mais sofreu nas enxovias do regime. Por isso, padeceu a tortura, o isolamento, e as brutais variantes aplicadas pelos cruéis regimes carcerários hoje ministrados nos porões da ditadura chavista. Na penitenciária de Ramo Verde, um dos mais duros calabouços do sistema prisional da Venezuela, passou por horas muito difíceis, sendo submetido a todo tipo de tratamento, inclusive tortura.
          Hoje, após negociação com o governo ditatorial, ele se acha em prisão domiciliar na companhia da esposa e dos filhos menores. Está na própria residência, em bairro elegante de Caracas. Por ordens da ditadura, não pode receber ninguém, e a casa é cercada pelo serviço secreto. Hoje, nesse cárcere residencial, em que ao conforto do lar acompanha a perene ameaça da própria perda, caso sejam desobedecidas as condições impostas pelo Poder chavista, haverá sempre nessa atmosfera doméstica a tensão que a esposa Lilian  sente, mas não as alegres crianças que correm pela residência. Se as condições do carcereiro-mor forem desobedecidas, o inferno do ergástulo de Ramo Verde pode voltar e fazê-lo desaparecer uma vez mais, com todas as implicações de padecimento físico e psíquico que tal costuma exigir.
             Nessa estranha prisão, em que a tortura se aninha em condicional ameaça, será dificil ao ser humano ignorá-la de todo, mas a pressão psicológica tenderá a crescer se o indivíduo já a sofreu em passado recente, e terá verificado dos próprios limites da respectiva capacidade de suportá-la, sem a quebra da própria consciência e das consequentes potencialidades de resistência psíquica, vale dizer até que ponto a sua razão irá suportar o desafio da tortura, na sua ampla gama de sádicos, miseráveis recursos. Em outras palavras, diante do torcionário([1]) do regime chavista, quais serão as próprias potencialidades de superar o "desafio" de arrancar-lhe segredos.
             Como refere o artigo de Willian S Hylton, Leopoldo López suportou quatro anos de cativeiro e nove meses de confinamento solitário. Assim, as lições de Martin Luther King Jr. podem não parecer as mais óbvias para a leitura de López, mas se lermos a mensagem de King da cadeia de Birmingham, entendemos porque López as sublinhe com tinta verde: "Nós que nos engajamos em ação direta não-violenta não somos os criadores da tensão. Nós trazemos apenas para a superfície a tensão oculta que já existe". E o pastor King escreve uma frase conclusiva, que López sublinha "A injustiça tem de ser exposta, a despeito de toda a tensão que a sua exposição possa criar." 
             Leopoldo López foi preso  em fevereiro de 2014, após liderar marcha de protesto público em Caracas. Embora, ele não haja participado da violência, ele teria dado margem, segundo acusaram os promotores chavistas, de incitar outros a ódio e violência.  Antes da sua prisão, ele estava entre os mais proeminentes e populares líderes da Oposição. Os promotores chavistas no processo organizado pelo governo Maduro, reconheceram que técnicamente ele foi pacífico, mas teria incitado outros ao ódio e à violência. De toda maneira,  tal acusação não poderia justificar, pela sua falta de provas, que ele fosse sentenciado a treze anos e nove meses de prisão. Ditadura e a absoluta falta de equidade são evidenciadas por sentenças como esta, fundadas menos em provas, do que no cínico interesse do poder dominante, que, se a razão não existe, ele trata de criá-la.
             Desde então, ele se tornou o mais proeminente prisioneiro político na América Latina, e mesmo talvez no mundo. O seu caso tem sido objeto do empenho das principais organizações de direitos humanos no mundo. Ele é representado pelo advogado Jared Genser - que é conhecido como o "extrator" pelo seu trabalho com prisioneiros políticos como o finado Liu Xiaobo, Mohamed Nasheed e Aung San Suy Kyi, hoje líder política em Mianmar, a notória ditadura militar.
             Dentre os líderes políticos mundiais que pediram ao Governo Maduro que liberasse López estão Angela Merkel, Emmanuel Macron, Justin Trudeau (Canadá) e até Theresa May (Reino Unido).  Como assinala William Hylton, é um dos raros exemplos em que Barack Obama e Donald Trump estão de acordo.
              Na Venezuela, López é uma espécie de símbolo. O seu nome e rosto aparecem em cartazes, T-shirts e bandeiras - mas segundo assinala Hylton há amplo desacordo sobre o quê ele significa.  O Governo chavista o menospreza de forma rotineira, como um reacionário de direita da classe dirigente que deseja reverter o progresso social do chavismo e restaurar no poder a aristocracia mega-proprietária de terras; por sua vez, a direita venezuelana considera López um neo-Marxista, cuja proposta de distribuir a riqueza petrolífera do país entre o povo só aprofundaria a agenda chavista.
                Durante três anos e meio de prisão, López não permitiu que alguém falasse em   seu nome. Ainda que estivesse proibido de conceder entrevistas ou dar declarações públicas, e até denegado acesso  a livros, papel, esfereográficas e lápis, ele conseguia escrever mensagens em pedaços de papel para que sua família (notadamente a esposa Lilian Tintori) repassasse ao público. Chegou mesmo a gravar  um punhado de clandestinas mensagens de áudio e video, denunciando o governo Maduro.
                 López foi libertado e transferido para prisão domiciliar em julho passado, sob a condição de manter silêncio. Prontamente, ele galgou a cerca por trás de sua casa, para discursar a um público crescente. Em seguida, transmitiu uma mensagem em video pedindo aos seus seguidores que resistissem ao Governo. Três semanas depois, ele estava de volta na cadeia. Depois, de quatro dias foi libertado novamente.
                 E, no entanto, para a grande perplexidade de seus apoiadores, López desapareceu das vistas do público.   Quando  seu país afunda em uma crise sem precedente - com o mais alto nível mundial de inflação,  falta extrema de alimentos e remédios,  repetidos, constantes mesmo apagões de luz e energia, milhares de crianças morrendo de desnutrição, crime em alta em todas as províncias, saques, assaltos e motins nas ruas - e López não diz nada.
                 Hoje os seus críticos incluem não só a linha dura da esquerda e da direita, mas também a grande maioria que antes o via como um futuro presidente. Eles não entendem o que López  está fazendo dentro de casa, metido naquela rua sombreada de árvores  nos bairros ricos de Caracas, mas eles suspeitam que ora se sente confortável na sua casa, reunido com a sua mulher, Lilian, e os filhos; que a sua riqueza familiar o protege da crise econômica; que a polícia secreta que cerca a sua residência o protege do crime em alta; e eles não conseguem não pensar se por acaso Leopoldo López acabou desistindo.
                 No entanto, eles sabem, tanto quanto ele sabe,  que se ele fizesse uma declaração pública ou divulgasse outra mensagem por video, se ele subisse na cerca atrás da casa para discursar para os seus partidários, a polícia secreta logo trataria de levá-lo de volta para a prisão.  Mas o problema está em que López nunca permitira no passado que o risco  de prisão o impedisse de agir. Ele teria ao menos uma chance de falar em público, e eles se perguntam por que ele não faz nada.
                     O reporter do Times contactou Leopoldo através de um intermediário, e para tornar menos inseguras as comunicações, ambos utilizaram um obscuro serviço de vídeo, muito menos conhecido do que o Skype ou FaceTime, além de outros macetes para garantir maiores garantias nas comunicações. Mas as intervenções da Polícia nas suas diversas encarnações eram amiudadas, e as atrapalhavam bastante.  O remédio era ter paciência e aguardar o tempo necessário para realizá-las.
                  Fala-se muito das diferenças entre o fundador da dinastia chavista, Hugo Chávez, e o seu herdeiro, Nicolás Maduro.  Na verdade, se Hugo tinha carisma, atributo que Maduro não tem, as diferenças entre um e outro são mais de grau do que de natureza. Depois de sua primeira eleição democrática - após o golpe fracassado de 1992 -  Chávez, uma vez eleito, em 1998,  prometeu combater a corrupção,  diminuíu pela metade o desemprego, dobrou o PNB,  baixou a mortalidade infantil por um terço, e  reduziu o nível de pobreza quase pela metade.
                   Por trás disso tudo, estava o aumento do barril de petróleo (multiplicado por dez). A desigualdade na Venezuelal caíu para um dos níveis mais baixos no Hemisfério Ocidental. Era popularíssimo entre os pobres e punha as suas propostas para serem votadas em referenduns a cada ano. Nesse sentido, ele introduziu os referenda por pressão de polegar e um recibo impresso, num sistema eleitoral que Jimmy Carter definiria "o melhor no mundo".
                    Sem embargo, Chávez também possuía um impulso  autocrático que era, desde o início, inquietante.  Durante os seus catorze anos no poder, ele desmantelaria as instituições democráticas uma atrás da outra.
                     O articulista do Times se pergunta como chamar um líder que destrói a democracia com apoio democrático. É possível assim ver a Chávez como um totalitário  ou tirano, pela supressão de seus opositores, mas ao mesmo tempo rejeitar o termo "ditador" para descrever esse presidente popular. 
                      Chávez não fazia segredo do seu menosprezo pelo então sistema político da Venezuela.  Não podia sequer conter-se no seu primeiro juramento constitucional na sua posse, sem improvisar uma promessa de reescrever a Constituição.  Promessa feita e logo cumprida, consolidando o poder chavista em detrimento do Legislativo e das Cortes Judiciais.
                       Qualquer limite que Chávez estivesse disposto a aceitar sobre o seu poder, de repente sumiu no ar, em abril de 2002, quando uma Junta militar e um grupo de líderes de direita tentaram derrubá-lo em um golpe.  Por cerca de 36 horas instalaram no poder como presidente alguém chamado de Pedro Carmona, que era o principal líder empresarial do país.
                        Mas a velocidade impressa à subversão das instituições foi tal que faria ruborizar o próprio  Hugo Chávez.   Nessa única jornada, ele dissolveu o Congresso e a Suprema Corte, rasgou a Constituição, e começou a expurgar os militares daqueles leais a Chávez. 
                        Era demais, mesmo para os críticos do chavismo. As ruas de Caracas explodiram em protestos, e a multidão baixou sobre o Palácio Presidencial.
                        Dessarte, logo Chávez estava de volta ao poder, um pouco abalado é verdade pelo susto que passara, mas logo cuidando de consolidar-se o mais rápido possível. Mas na sua reação, arremedou Cármona, perseguindo os rivais, pondo a Justiça em cima de seus rivais, e impondo tantas restrições na indústria que o setor privado tenderia a desaparecer.
                        No entender de William Hylton pode-se ver a década entre o golpe de Carmona e a sua morte em 2013, como um processo gradual de sangrar os recursos públicos para o consumo do Povo. No entender de Hylton,  Chávez não era muito bom na direção da economia.  O seu orçamento gastou a renda das cotações do petróleo, então nas alturas, bem como o seu controle do organismo estatal do petróleo venezuelano se mostraria desastroso.  Para Chávez as reservas de petróleo eram um recurso finito, e por isso fazia sentido restringir a produção e fazer subir a cotação de cada barril. Essa maneira de pensar é muito debatida, e, na verdade, desmentida.   Os produtores estão constantemente desenvolvendo novos meios de encontrar e acessar o petróleo. Entre a revolução americana no xisto e a concorrência crescente da energia alternativa, a maior parte das companhias petroleiras na atualidade desejam extrair o petróleo  na maior quantidade e tão rápido quanto possível.
                          No entanto, Chávez não era um bom administrador. Quando assumiu o poder na Venezuela, a companhia estatal produzia cerca de  3,4 milhões de barris diários. Era seu plano dobrar tal produção.  No entanto, através de uma combinação de suas confusas teorias e a omissão de investir na companhia, além de confiá-la a seus capangas e não a gente do métier, a produção de petróleo da Venezuela cairia pela metade!  Para completar o cenário desfavorável, as cotações do petróleo também caíram de forma considerável nos últimos anos, por uma sucessão de fatores - superprodução, luta pela hegemonia entre outros gigantes do petróleo, como Arábia saudita, etc.
                             Como pelas razões acima expostas, a Venezuela não dispõe de produtos de igual monta para vender (segundo as estatísticas, o petróleo corresponde a cerca de 95% das rendas de exportação da Venezuela). Dessarte, muito desse petróleo é exportado para a Rússia e a China, em troca de pagamentos para a dívida nacional da Venezuela. Compreende-se que esses dois países detenham o direito a receber parcelas crescentes da produção venezuelana... de petróleo. Por mais desesperado que fique o regime de Maduro, tanto melhor para Moscou e Beijing.
                               Então, como explica William S. Hylton, temos uma cascata de dominós: cada vez menos petróleo, em cotações cada vez mais baixas, com nada mais para vender, e uma dependência das divisas estrangeiras sob o compromisso de rendas futuras prometidas.  A última ficha nessa cascata é a divisa nacional da Venezuela. Como a renda nacional mergulhou, deixando um vazio no orçamento anual, Chávez e Maduro recorreram ao Banco Central para imprimir mais dinheiro. Por isso a quantidade de bolívares venezuelanos cresceu exponencialmente nos últimos  anos.
                               Quando Maduro assumiu o poder em 2013, a base monetária da Venezuela era de cerca 250 bilhões de bolívares.  Hoje, é superior a 60 trilhões.
                                Se é norma não-escrita, mas geralmente respeitada, a maior parte dos países publica relatórios oficiais da inflação.  O Governo da Venezuela cessou na prática qualquer comunicação a respeito. O professor Steve Hanke, da Universidade John Hopkins, tem assessorado governos sobre a inflação fora de controle, como o fez com a Venezuela em 1995. Hanke tem acompanhado de perto a economia venezuelana pelos últimos cinco anos, publicando uma estimativa diária da inflação anual do país. Na data do escrito  de Hylton, a sua estimativa mais recente é de  5,220 porcento. O IMF prevê que a inflação na Venezuela alcançará 13,000 % neste ano.
                                Segundo descreve o New York Times, é isto que o observador vê nas fisionomias das pessoas na ponte deixando a Venezuela. Vê-se gente tentando escapar de um país em que  os produtos básicos são quase impossiveis de encontrar e caríssimos (o que V. pagaria por um carro há poucos anos atrás, não compraria um pedaço de pão hoje). Há famílias com bagagem de porão e sem planos para regressar, e crianças que estão cruzando a ponte por um dia, sem nada mais que um cacho de bananas. Elas venderão as bananas por uma miséria em pesos colombianos, e voltarão para casa para converter aquele dinheiro em uma pequena fortuna em notas venezuelanas - pelos menos, por alguns dias, até que o seu dinheiro perca qualquer valor de novo.
 Biografia de  Leopoldo López 
Ele nasceu nos ricos enclaves a nordeste de Caracas.Seu pai, Leopoldo Lopez Gil era chefe de um programa de bolsas, que era um dos membros da junta editorial de um jornal de centro-esquerda. Sua mãe, Antonieta Mendoza, era parente distante do primeiro presidente da Venezuela, Cristóbal Mendoza e de Simon Bolívar.  Cada ramo da família tinha longas tradições de ativismo político e de oposição. López cresceu ouvindo histórias dos dezessete anos de  seu bisavô na prisão e do papel de seu avô na resistência clandestina. "Sempre ouvimos essas estórias", a sua irmã Diana me disse. "Penso que estavam sempre na memória de Leo." López disse que gostava  da história em parte porque parecia tão estranha, fotos de um país que ele não podia imaginar. "Eu a via como de um passado longínquo em fotos em preto e branco". me disse Leopoldo. "Nunca pensei que no 21º século, minha própria realidade poderia ser parecida".
             A Venezuela que López habitava era o país mais rico na  América Latina. Recebia dezenas de milhares de imigrantes a cada ano e era uma democracia desde 1958. Praticando o skateboarding, nadando, louco por garotas, López com treze anos estava muito afastado das desigualdades sistêmicas do país. Ele estava em uma viagem do colégio para o estado rural de Zulia, atravessando os campos de petróleo da região, quando se descobriu de repente movido pela pobreza ao seu redor. "Fiquei chocado com o nível de pobreza," ele recordou, "e o fato que debaixo daqueles barrios muito humildes e a dramática pobreza, nós tinhamos um enorme potencial."  Diana me contou que López começou a fazer viagens para a Caracas ocidental "para tentar entender as dinâmicas da cidade."  Na escola, ele mergulhou na liderança estudantil, tornando-se vice-presidente do governo estudantil e capitão do time de natação.
                Depois da universidade, López entrou por breve tempo na Harvard Divinity School mas a deixou depois de um semestre para alistar-se na Escola Kennedy de Governo, em Harvard. Ele terminou uma tese de mestrado sobre a estrutura legal e econômica da produção de petróleo na Venezuela, e viajou pela Nicarágua e Bolívia para estudar o impacto dos micro-empréstimos. Em 1996, voltou para casa por uma colocação no escritório de planejamento estratégico da companhia estatal de petróleo.
                 Observando a ascensão de Chávez em 1998, López não ficou impressionado. "Desde o estabelecimento da república venezuelana em 1830,  tivemos na maior parte militares no governo,"  ele me disse. "E isto criou uma maneira militarista de governar." Perguntei a López se houve algum ponto em que ele reconsiderasse a sua opinião sobre Chávez. "Por um dia", me disse ele com um riso. "Quando ele falou sobre microcréditos para os pobres."
                  Quando Chávez assumiu o poder e começou a fazer planos para reescrever a Constituição, López fez campanha por uma cadeira na Convenção constitucional. Aquela eleição ele perdeu, mas juntou-se com dois outros candidatos não eleitos para criar um novo partido, e então fez a campanha em 2000 para prefeito do burgo mais rico da cidade. Venceu com 51% dos votos.
                        Nos próximos oito anos, López ganhou atenção internacional como prefeito de Chacao. Começou por elevou as taxas dos negócios, enquanto oferecia incentivos para que companhias entrassem no distrito. Com a renda para cima, começou uma série de obras públicas, construindo clínicas de saúde e escolas, um teatro, um mercado público e um centro de recreio. Ainda solteiro, e entrando nos trinta, ele surgia como um trabalhador comicamente engajado, sempre enrolando as mangas da camisas em cerimõnias de inauguração de obras, e aparecendo em cenas de crime de madrugada, em consultas com detetives nas luzes vermelhas piscantes.  Em uma cidade tristemente famosa pelos crimes, ele desenvolveu medidas de policiamento que eram populares nos Estados Unidos - pensem "tolerância zero" e "janelas quebradas" e uma análise com muitas variades comparativas de estatísticas. A sua plataforma, então, uma mistura heterodoxa  de iniciativas, que cobriu o arco político, de medidas esquerdistas como a elevação das taxas corporativas para modelos conservadores de policiamento. Os residentes gostaram muito. Em 2004, ele foi reeleito com 81% dos votos, e durante o seu segundo mandato ele encontrou-se e casou com uma proeminente personalidade televisiva Lilian Tintori. Em 2008, López deixou o encargo com aprovação de 92% e uma colocação pela Fundação Prefeitos Citadinos como o terceiro melhor prefeito no mundo.
                         Deslizando por essa sua ficha, pode-se compreender porque a gente amiúde vê López em uma atraente meia-luz, mas mesmo quando ele crescia como prefeito de Chacao, ele se estava tornando uma figura polarizante.  No fim de seu segundo mandato, ele já era um dos mais prometedores jovens políticos na Venezuela, e um dos menos capazes de dar-se bem com os outros.  No movimento de oposição, López representou a ala radical.  A palavra "radical" é muita vez empregada acerca de López de um modo enganoso.  Ele favorece um modelo econômico misto de amplos serviços sociais em assistência à saúde,  educação e habitação, que é contrabalançado por um grande setor privado de manufatura e indústria. Na faixa da política americana, ele provavelmente iria para a ala progressista do Partido Democrata.         
                          Onde se pode descrever López como um radical é a maneira pela qual ele  encara a atividade política.  Ele acredita em uma campanha incessante de demonstrações de rua e de desobediência civil como método essencial para desafiar um governo autoritário. Em qualquer dia de 2002, alguém que caminhasse através de Caracas dispunha de uma boa chance de localizar o prefeito de Chacao de pé em um banco de parque público, gritando para  uma multidão por meio de um megafone. Da utilidade desse método  para o projeto de construir um partido político sólido e com potencial de governança é uma questão de opinião, mas López acreditava que o movimento não iria progredir se se baseasse em respeitos mecânicas partidárias.
                           Um modo de medir o sucesso de uma estratégia é estudar a sua resposta. López tornou-se alvo de frequentes ataques físicos e administrativos. De 2002 a 2006  houve três importantes ataques contra a sua vida, um dos quais o deixou segurando um guarda-costa de um tiro que visava a ele López.  Durante o seu mandato de prefeito, ele foi acusado pelo tribunal de contas de pagar as despesas municipais  com a parte errada de seu orçamento e proibido de pleitear cargos públicos até 2014. López apelou da decisão e se preparou para concorrer a prefeito de Caracas. Ele liderava a apuração com 65% dos votos, quando o Tribunal Supremo ratificou a decisão do controlador de contas. A Corte Inter-americana de Direitos Humanos julgou como ilegal a proibição e ordenou ao Governo da Venezuela que permitisse que López concorresse, mas o Governo Maduro ignorou a ordem  e López está proibido de ocupar cargo público desde então.
                     Em 2008, ele teve choque com outros líderes oposicionistas. Deixou o partido que ajudara a fundar,  associou-se a outro e em breve tinha questões também com a sua liderança. Em agosto, esse partido o expulsou, e ele começou a fazer planos para criar outro. Os diplomatas americanos em Caracas tinham dificuldade em avaliar López.  Um telegrama confidencial para Washington descrevia sua "muito falada rebeldia", observando que López "não hesitará em romper com seus colegas de oposição para conseguir o que quer." Outro referiu a ele como "uma figura divisiva" que era "muita vez descrito como arrogante, vingativo e ambicioso."
                      Em 2012, ainda proibido de concorrer a cargo público, López apoiou um candidato de oposição na eleição presidencial. Chávez venceu aquele candidato por uma margem de dez pontos percentuais, mas morreu logo depois, abrindo a porta para uma nova campanha contra Maduro.  Quando a junta eleitoral anunciou que Maduro vencera por um único ponto percentual, López suspeitou de fraude. Ele se empenhou para que a Oposição realizasse uma demonstração pública. A maior parte dos líderes opositores foi contrária, mas em janeiro de 2014 López convocou os seus partidários que fossem para a rua.
                       Em fevereiro, protestos começaram a repontar em todas as províncias. A doze de fevereiro, López juntou-se a milhares de estudantes nas bordas de um parque em Caracas. Depois de seu discurso, eles se dirigiram para o escritório do Procurador-Geral, a um km e meio do local.  Alguns dos manifestantes começaram a jogar pedras contra o edifício. Agentes de segurança apareceram, e dois manifestantes foram atingidos. Mesmo que López já tivesse partido antes que a violência começasse, funcionários o acusaram de ser  o "autor intelectual" da escaramuça, e o Procurador-Geral não perdeu a ocasião de expedir o mandato  de sua prisão.
                          López e Tintori buscaram refúgio em apartamento de um amigo. Eles gravaram então uma mensagem de vídeo  para o público. "Quero dizer para todos os venezuelanos que não me arrependo", disse López.  Passou alguns dias escondido, e então gravou outro vídeo pedindo a seus partidários que se juntassem em uma praça do centro da cidade a dezoito de fevereiro, vestido de branco em um sinal de paz, mas prestar testemunho no momento em que ele se entregava.
                             Naquela manhã, ele montou numa motocicleta e andou pela cidade. Grande multidão já estava se formando, e a polícia tinha colocado pontos de controle para o interceptar.  López buscava achar um caminho em volta dos pontos de controle, mas não conseguia. Por fim, ele  se dirigiu para um grupo de oficiais de polícia do distrito de Chacao e removeu o capacete. Os oficiais o reconheceram, o saudaram e lhe deixaram passar. López viu a multidão se espalhando em todas as direções. Milhares e milhares de pessoas se tinham vestido de branco. Ele passou através deles até uma estátua do herói da independência cubana José Marti e subiu no pedestal para olhar através do mar de rostos. Alguém lhe passou um megafone e ele o levantou: "Se a minha prisão ajudar a despertar o Povo", ele exclamou, "então valerá a pena da infame prisão que me é imposta."
                                Depois de um breve discurso, ele desceu do pedestal, onde soldados o esperavam para prendê-lo. Eles o puseram dentro de um veículo blindado, mas a multidão avançou, e começou a sacudi-lo. Passaram minutos, depois meia-hora.  O caminhão estava preso no meio da multidão. Alguém deu a Lopez um microfone conectado com os alto-falantes do veículo. Ele então falou para a multidão que estava seguro e que eles deviam dar passagem para o caminhão ir em frente. Lentamente, quase contra a vontade, eles se afastaram para que López fosse para a prisão.
                                 Os funcionários colocaram López numa torre de concreto numa base militar fora da cidade, o acusaram de terrorismo,  tentativa de incêndio e homicídio.  Amnesty International condenou a promotoria  como "uma afronta à Justiça", e uma tentativa politicamente motivada para silenciar o dissenso". Para a audiência inicial de acusação, ele foi retirado da sua célula no meio da noite e forçado a encarar um juiz em um ônibus. O restante da "audiência" realizou-se no Palácio da Justiça em Caracas, um edifício de 5 andares que se estende por uma enorme distância (um milhão e meio de pés quadrados) no centro da cidade. Nos dezenove meses seguintes, ele foi transportado a esse lugar cerca de cem vezes, em cortejo de S;U.Vs  blindadas, vestido um colete a prova de balas, com as suas mãos manietadas juntas com grilhões, apertado entre dois guardas armados de metralhadoras e mais dois outros atras deles. Cada vez que López entrasse na corte, o Palácio de Justiça era fechado ao público.
                               O processo contra ele se articulou com a palavra. Ninguém acusou López de ser ele próprio violento. Promotores diminuirão o diapasão das acusações, arguindo que ele inspirava violência em outros. Eles trouxeram um experto linguista para examinar transcrições de seus discursos e pretextaram que a sua mensagem de protesto pacífico disfarçava uma chamada "subliminal" à violência. Eles introduziram mais de cem testemunhas, algumas que testemunharam que tinham recebido mensagens "subliminais". López tentou introduzir as suas próprias testemunhas, mas o juiz não permitiu.
                                 Algumas palavras sobre a juiza que assinou o certificado de prisão, o promotor principal e a  Procuradora-Geral: Todos eles se arrependem.    A juiza que assinou o documento determinando a prisão, mais tarde admitiu que ela tinha sido forçada a fazê-lo. O Promotor Principal, depois de fugir do país, denunciou o caso contra López como "uma farsa", dizendo que "cem por cento da investigação foi inventada". A Procuradora-Geral, Luisa Ortega, fugiu para a Colômbia no verão passado  e disse que o vice-presidente  do partido de Maduro a instruiu (sic) para acusar judicialmente López.  Logrei achar a Procuradora Ortega  há poucas semanas atrás, e nos encontramos para um café em Bogotá. Quando lhe perguntei sobre as acusações penais  contra López, ela sacudiu a cabeça consternada. "Sem qualquer dúvida", ela disse, "Leopoldo López é um prisioneiro político."
                           A (Procuradora) Ortega disse ao autor William S. Hylton que tinha sido ilegal manter um civil como López em uma prisão militar. Ao longo de três anos, as suas condições foram ficando progressivamente mais graves.  Na primeira fase inicial, lhe foi permitido ler e escrever, e uma universidade local preparou-lhe um programa de estudos. Ele leu poetas venezuelanos, Ralph Waldo Emerson, o diário de Ho Chi Minh e  uma biografia de Nguyen Van Thuan.  Ele estava consumindo vários volumes por semana, até que os funcionários começaram a restringir o que ele podia ler. No fim, eles proibiram tudo, com exceção da Bíblia. López a leu do Gênesis até a Revelação. Então, eles também, tiraram a Bíblia de circulação.
                             Começou então a sua movimentação nas celas.  Passou meses em confinamento solitário em um espaço de lm.80 por dois metros e meio. Ele se sentaria em silêncio rezar ou meditar e buscando encontrar algo para agradecer: que ele podia ouvi-lo respirar, que a sua esposa e filhos estavam seguros, que através da janela ele podia ouvir a movimentação do mundo exterior - um caminhão passando, o vento, algum pássaro mais enfático.
                               Sem seus livros, ele refletia naqueles que tinha lido. Recordou as biografias de líderes adeptos da não-violência, e da carta de Martin Luther King de Birmingham, e começou a refletir se o que eles tinham em comum não era um empenho para a resistência mas alguma observação mais profunda sobre o caráter da História. Isto de resto se manifestava muito claramente em King. O seu objetivo não era nunca provocar ou confrontar. Era sim localizar o elusivo fulcro entre o conflito e a mediação - produzir um avanço da pressão que forçasse os funcionários a reagir, enquanto preservasse uma fé quase irracional na sua capacidade para a boa vontade. 

Fonte: The New York Times. A transcrição foi feita, com a necessária tradução, dada a relevância do texto,e a sua importância para mostrar o que é o Governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, notadamente no que concerne à perseguição de Leopoldo López, e a cruel prisão que lhe foi imposta por um processo que é fraudulento em todas as suas partes. Sem falar da covardia dos magistrados que a ele presidiram, como documentada pelas próprias confissões da juíza, do promotor-chefe e da procuradora-geral. Se Leopoldo López é um herói (assim como sua esposa, Lilian Tintori), que dizer desses altos funcionários da Justiça?   


[1] com perdão do galicismo  "tortionnaire", alguém que tortura para obter de uma pessoa confissões ou dados secretos. 

Nenhum comentário: