domingo, 28 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA ( II )

Doris (7)

“ Seu Almir...”
Entretido na leitura do jornal, não notara a presença da jovem.
“ Oi, Doris...”
À sua frente, a face risonha da empregada. Por um átimo, quase sem querer, mergulhou fundo nos largos, amendoados olhos castanhos, que se abriam como janelas, de par em par.
“ Eu queria agradecer ao senhor...”
“ Ora, você não tem nada que agradecer...”
Sem se aperceber, ficou por mais uns instantes a fitá-la.
“ O senhor quer mais alguma coisa de mim ?”
Foi então que se deu conta de que a moça não baixara o olhar. Sobre a mesa, como que esquecida, depusera mão de dedos finos, que se desenhavam no alvo pano da toalha.
“ Almir, você já está aí ?”
A voz de Sonia vinha do corredor.
De pronto, a sua postura se alterou.
“ Doris, vai lá na cozinha buscar o café preto pra dona Sonia.”
Ao dar essa instrução, tocou muito de leve no dorso de sua mão ainda estendida. Entrementes, as vistas se postavam para saudar o ingresso iminente da esposa.
*
Passam os dias. No fim da tarde de sábado, na expectativa da ansiada folga, a jovem ouve calada o que a patroa entende por descanso semanal.
“ Não acho certo que você saia cedo, e nós tenhamos que preparar o café. Afinal, você mora conosco... Que lhe custa então de deixar o café pronto e preparar também um prato único para o almoço, tipo pastelão ?”
Doris preferiu não responder. Limitou-se a balbuciar um ‘dá licença?’ e se meter no quartinho. Nos sábados, seu Almir ia pro clube, e só voltava na hora da janta. Não havia modo de recorrer à sua ajuda, com a outra ali presente.
Uma lágrima correu-lhe pelo rosto. Tudo de caso pensado. Deixara pra falar na última hora, pra que ela não pudesse pedir a ajuda do marido.
Sozinha, acabou no entanto por se decidir. Tinha os direitos dela, e se deixasse a patroa montar, estaria bem arranjada... Na manhã seguinte, sairia cedinho de casa, iria pra praia, lá daria um jeito... Não tinha um tostão sequer, pois o fim do mês demorava a chegar.
Não tinha medo, porém. Levaria debaixo da roupa o maiô de duas peças. Sabia que tava fora de moda... Mas que fazer ? Esse era o seu problema menor.
A única coisa que pegaria do apartamento seria a chave dos fundos. Como é que poderia se virar sem ela ? Não havia maneira... mas entendia muito bem porque a patroa nunca falara de dar pra ela uma duplicada das chaves... Tudo o que pudesse atrapalhar a folga semanal prometida, a outra não deixaria de armar.
A raiva que sentia lhe dava forças pra enfrentar a parada. Até pensou em procurar a morena do elevador... mas nem sabia em que andar trabalhava... Pro futuro trataria de se defender, de se relacionar com gente da sua idade...
De noite, serviu o ajantarado sem dizer palavra. Com semblante sisudo, ia e vinha, atendendo ao que dela se esperava. Almir estranhou e, com o olhar, indagou da mulher o que estava acontecendo. Em resposta, Sonia, com rápido aceno, o tranquiliza. Doris só pode estar emburrada pelas tarefas do domingo.
*

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