terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA

A Moça da Janela (3)

Nesses termos, que tipo de relação se pode ter com moça que vive enfurnada nesse meio, e de quem você rigorosamente nada sabe ?
Faz pouco, ele se referira a dois, três minutos... mas, a dizer verdade, o que enxergara neste espaço imaginário de tempo ? Apenas imagens confusas, mais fantasiadas do que vistas... de uma pessoa da qual acaso poderia afirmar que se dera conta da sua longínqua presença ?
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Enquanto repassava a matéria da prova no cursinho da manhã seguinte, pairou à sua frente o que seriam feições de um rosto de jovem mulher.
Ali, sentado à escrivaninha, se compraz em refazer a contemplação de meia hora atrás. Se ela se demorara um pouco mais, nenhuma indicação colhera de que a moça o tivesse notado. Queria acreditar que sim, mas não se animaria a afirmá-lo.
Ruminava aqueles instantes fugazes à maneira de personagem de filme de Antonioni, que assistira na sessão do cineclube. Infelizmente, não dispunha de película para ampliá-la e tentar ver além, mais além do que lhe fora possível distinguir.
Mais uma vez desenrolou a fita. Tinha de reconhecer que a tomada fora bastante sofrível. Imagem de madeixa de cabelos negros, caindo sobre a testa e a face. Das sombras, recortaria a tez que lhe pareceu demasiado branca... Mas que certeza poderia ter, com uma exposição assim tão breve ?
O quê de concreto lhe ficara do exercício de reconstruir a fantasia da moça na janela ?
Tinha de confessar que uma sensação desagradável, de qualquer coisa de insatisfeito, de incompleto... um autêntico suplício de Tântalo...
Não era mais um rapazinho, presa fácil de meninas dengosas e ariscas, a quem não restasse outra saída que a do solitário prazer.
E, no entanto, mais refletisse, e meditasse, e conjuminasse sobre o assunto, mais se convencia de que, por motivações insondáveis, se estava deixando envolver em uma espécie de jogo, que já deveria ser prática vencida, superada, restos de passado distante, que dormem no sono profundo dos antepassados.
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