quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA

A Moça da Janela (5)

“Aonde ‘cê pensa que vai ?”
Na penumbra do saguão, lá estava o moleque sentado em tosco tamborete. Por um momento, José o encarou. Talvez o jeito dele meio indeciso o animara a bancar o leão-de-chácara.
Depois de uns instantes, olhando em torno, viu o abandono da sala. Dependurada em um cordão, pendia no centro solitária lâmpada.
“Vou pro terceiro andar.”
“ Sabe o nome da pessoa ?”
“ Não... É uma moça. Ela mora no apartamento da frente, à esquerda de quem sobe.”
O moleque, que continua escarrapachado no banco, o fitou, desconfiado.
“ Moça ?... Num sei de moça nesse andar...”
Com ar enfarado, pôs a mão no queixo, e fez muxoxo, à maneira de quem reflete acerca de algo que não lhe agrada.
“ E ó meu, fica ligado, tá? Aqui num tem apartamento, aqui tem é muito quarto.”
A pose do outro até que divertia José. Se não o demonstrava, chegou a achar graça da atitude do moleque. Ela o recordava da importância que podem ter as situações para o exercício do poder, por mais insignificantes que sejam.
“Bem, isso você deixa por minha conta. Podia me dizer como é que se chama o morador desse quarto da frente ?”
Sem mudar de postura, o porteiro improvisado deixou passar um tempo.
“Olha, ó meu, ‘tou achando tudo isso bastante esquisito... mas, vá lá... sabe duma coisa, fui com a tua cara... O nome dele é Silva, João Silva.”
“Obrigado, amigo. E como é que faço pra subir até lá ?”
“ Pela escada, é lógico! ou tu pensa que nesse cortiço tem elevador?
Ora, essa...”, completou ele, cheio de si, e espiando para o lado, à maneira de quem tem público para impressionar.
Com a boca fechada, José exibia sorriso irônico. Sem dúvida, o molecote fazia render as informações.
“Será então que você me poderia dizer por onde eu subo?”, disse, com as mãos encostadas e os dedos cerrados, com jeito de quem acompanha uma prece. A postura era velho cacoete seu, e pela seriedade da fisionomia não costumava ser confundida com uma súplica.
“ Mais essa !... ó meu... tanta informação assim, tem que valer alguma coisa, ‘cê num acha ? será que tu num pode me arranjar uns cigarros aí?...”
“ Lamento, mas não fumo.”
Por primeira vez a expressão do jovem lhe pareceu natural, no desaponto que não escondia.
“Está bem... eu te dou uns trocados. Será que agora me podias dizer como é que eu chego lá ?”
Em um átimo, o outro salta do tamborete.
“Tá legal !” exclama, sorridente. “Cê tá vendo aquela porta ali ? Entra pelo corredor, à direita tem uma escada, é só subir toda vida até o último andar. Lá, é dobrar à esquerda, seguir por outro corredor até a última porta à esquerda. Aí, é só bater na porta. O seu Silva já chegou.”
*
(a continuar)

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