terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA

A Moça da Janela (8)

José entrou devagar, olhando para o chão. O assoalho mostrava nas fendas rasgadas junto às velhas tábuas corridas os anos de abandono. No entanto, se faltara cera e massa, a primeira impressão foi também de um quarto limpo, sem marcas de sujeira e desleixo.
Seu João, com naturalidade, apontou-lhe uma das cadeiras.
“ Tome assento, José.”
Calado, ele obedeceu. Ainda cabisbaixo, sentia algum embaraço. As suas vistas pareciam hesitar em assenhorear-se do espaço à volta, à medida que se davam conta do relativo confinamento. Pensara que em antigos casarões as dimensões seriam mais largas. Esquecia, por certo, a necessidade de dividir, para abrir lugar para maior número de moradores.
Seu João o encarava, do lado oposto da franzina mesinha. Vestia camisa de meia, bermudas e chinelos de dedo. Pigarreou então, como quem sublinha a própria expectativa.
O verão carioca, com as altas temperaturas que o cair da noite não afugentava, trazia desconforto ao visitante. A convite do dono da casa, ele dera as costas para a janela. Não entendia porque o janelão das venezianas tão suas conhecidas estivesse cerrado.
Por isso, crescia no seu corpo indizível, abafada sensação de calor. Não tardou muito para que a transpiração lhe colasse a camisa nas costas.
“Você aceita um cafezinho ? Garanto que ainda está bem quentinho.”
A princípio, José, por causa do mal-estar, não atinou com que o outro dizia. Depois, já temendo a náusea, passou o dorso da mão na testa. Gotículas de suor frio lhe escorriam pelo rosto, o que lhe aumentou o nervosismo.
Seu João logo se capacitou de o que estava acontecendo. De pronto se pôs de pé e ajudou o jovem a levantar-se. Em seguida, quase que o arrastou até a janela, a qual abriu de par em par.
“ Respire fundo, rapaz, que o enjoo passa.”
José inspirou com força o ar mais fresco da noite. Instado por João, repetiu o exercício diversas vezes, até que lograsse dominar o temor do vômito.
Aos poucos, assim, ele se foi recobrando. Debruçado à sua esquerda, sem as cerimônias reservadas aos estranhos, João lhe dava tapinhas nas costas.
“Tou vendo que você já tá melhor...”
Naquele instante, José respirou fundo mais uma vez, como quem completa um tratamento bem-sucedido. Estava livre das garras do enjoo, graças à intervenção de seu João.
O alívio que experimentava, se não o faria esquecer o momento de angústia, dele o afastava, tal qual um perigo sofrido mas vencido.
Nesse minuto, antes que voltasse para dentro do aposento, lançou olhar na direção do apartamento em que vivia.
E não é que lhe pareceu mais próximo ?
“ O senhor vive sozinho aqui, seu João ?”, perguntou-lhe, de chofre, ao sentar-se de novo na mesinha.
Ao ouvir a indagação do jovem, a expressão do homem por um átimo se ensombreceu.
“Você aceita aquele cafezinho agora ?”
O distúrbio era coisa do passado. Por isso não pensou duas vezes.
“Sim ! com prazer.”
João apanhou a garrafa térmica e serviu nas xicrinhas o café.
“Quantas colheres de açúcar ?”
“Pra mim, sem açúcar, por favor.”
“Sempre admirei quem toma o café como você, rapaz, mas nunca consegui me habituar.”
Interveio uma breve pausa.
José achou esquisito o silêncio, porém optou por não insistir.
“Olha...”, disse João, com ar pensativo, depois de um tempo. “Toda vez que me perguntam isso, não me é fácil responder. Sim, eu vivo aqui sozinho. Anos atrás, viviam aqui comigo mulher e filha. Parece que foi ontem, mas no mês passado, fez dois anos que elas se foram. Deus levou.”
“Que coisa horrível !... Como é que foi ?”
“Desculpe, mas não dá. Talvez um dia eu conte .”
x x x

Nenhum comentário: