Na espécie dos ditadores, existem alguns que, embora almejando o poder incontrastado, desejam aparecer com os trajes dos genuínos democratas. Desde muito, a história nos ensina que devemos desconfiar das chamadas democracias adjetivadas, como, v.g., as defuntas democracias populares da Europa oriental.
O caudilho Hugo Chávez Frias se encontra nesta grei. Se para uns tantos o coronel Chávez seria autêntico democrata – valendo-se de aparências e desdenhando a realidade -, constituía motivo de preocupação e certo confrangimento o silêncio da Organização dos Estados Americanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), entidade vinculada à OEA, ora divulga relatório de mais de trezentas páginas em que acusa o governo do presidente Hugo Chávez de adotar práticas de países totalitários (limitações à liberdade de expressão e da mídia, criminalização de protestos contra o governo, ainda que pacíficos, manipulação do sistema judiciário e constrangimentos ao funcionamento de qualquer dissidência civil).
A despeito de o que precede, a CIDH ainda rotula a Venezuela, como se democracia fosse 'pela realização de eleições livres e por esforços nas áreas econômicas, social e cultural’.
Apesar dessa identificação do regime chavista com a democracia, é tamanha a série de exceções arroladas à prática democrática, que há de causar estranhável assombro ao observador a manutenção do rótulo democrático.
Se ‘democracia’ não é concessão de última hora para salvar as aparências, vejamos o que segue.
A democracia bolivariana começa por negar a entrada à comissão. Por isso, os sete comissários – entre os quais o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro – tiveram de recorrer, em segunda mão, a diversas fontes de informação, v.g., Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e ONGs de defesa de direitos humanos internacionais e regionais[1].
Em função de suas pesquisas, a comissão se deparou com o uso frequente de expedientes que sufocam a oposição e os direitos humanos básicos da classe política, organizações civis e mesmo cidadãos comuns.
Apesar das amiudadas eleições, há muitos obstáculos para a oposição, que não tem iguais possibilidades de ser eleita (e quando eleita, os cargos conquistados podem ser esvaziados de suas atribuições, por atos discricionários do caudilho).
Outrossim, na democracia chavista há “retaliação, intimidação, desqualificação, exclusão, discriminação no trabalho e até mesmo ataques legais e privação de liberdade” contra cidadãos e organizações contrárias ao governo. O acosso totalitário é uma das caracteristícas do regime chavista, utilizado à mancheias contra os seus eventuais opositores.
Consoante o comissário brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, o principal problema venezuelano é a falta de independência do Judiciário, a par de leis que permitem interpretações demasiado subjetivas.
“ Há dez anos a Venezuela não faz concurso público para juiz e dos 1900 em atividade, 900 são provisórios. A (consequência é) falta de independência e parcialidade dos tribunais em favor do governo.”
Diante da falta de independência dos demais poderes – o legislativo é atualmente um braço do Executivo – e outras características de tiranias (ataques contra jornalistas e defensores de direitos humanos; repressão de protestos; violência no sistema penitenciário e altos níveis de impunidade), a interminável relação de traços totalitários nos leva a perguntar qual o real significado de continuar a chamar-se a Venezuela de democracia.
Será apenas vazia concessão da burocrática OEA à suposta democracia venezuelana, cujos sinais vitais já se afiguram demasiado débeis ?
( Fonte: O Globo )
[1] No ano passado, comissário da ONG Human Rights Watch fora sumariamente expulso pelos esbirros do regime chavista, posto no primeiro avião disponível (destinado a São Paulo).
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário