sábado, 27 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA ( II )

Doris (6)

Sonia acabou dando a notícia para a moça na tarde seguinte. Não buscou ocultar que a coisa lhe estava atravessada. Doris deu de ombros aos maus humores da patroa. Em vez de preocupar-se com o que fosse sobrar pra ela, preferiu pensar no mais importante. Seu Almir não faltara com a palavra. E, por isso, ela já não se sentia tão sozinha naquela casa.
Seria o caso de agradecer ao patrão ? Podia ser bastante jovem e impulsiva, mas sentia que nesse terreno devia andar com cuidado. Havia muitas formas de manifestar gratidão. Em especial, carecia de ser cautelosa... De todas maneiras, não queria afrontar a outra.
Melhor esperar a ocasião certa, quando dissesse a Almir o seu muito obrigada. Tivesse calma, e a hora viria, sem que a dona estivesse por perto para entornar o caldo.
*
“ Você já passou a roupa de cama ?”
“ Sim, senhora.”
“ Então, tire esse avental, que vamos dar uma saída.”
Doris foi ao banheiro, penteou o cabelo, e procurou se ajeitar.
A patroa voltou logo. Levava uma bolsa.
Ao entrarem no elevador, toparam com senhora, acompanhada por jovem morena.
“ Oi, Sonia, há quanto tempo...”
“ É mesmo, Amélia... tudo bem com você?”
“ Tudo bem...”
Enquanto isso, as duas empregadas se espiavam. Essa, deve regular comigo, pensou Doris.
Chegadas ao térreo, as donas se despediram.
Caminhando na rua, ela tinha uma sensação meio esquerda. Parecia que as pessoas na calçada reparassem nela. Por isso, abaixava o olhar, encabulada. E assim, qual bicho do mato se comportava, inda que uma voz lhe repetisse: bobagem, Doris, fica na tua que ninguém está ligando pra ti...
Não vão muito longe, antes que Sonia a pegue pelo braço.
“ É aqui.Vamos entrar.”
Vê loja pequena, mal iluminada, cercada de armários até o teto. Com passo de conhecida, uma vendedora amatronada delas se acerca.
“ Boa tarde, dona Sonia. Uniforme pra moça ?”
“ Sim. Duas mudas. Azul marinho e cinza grafite.”
O corpo delgado e esguio de Doris tende a encurtar a visita. A atendente começa a fazer o embrulho.
“ Dona Sonia, eu também preciso de dois pares de sapato...”
“ Pra quê dois ? Um basta,” retruca, irritada.
“ De que cor ?”, pergunta impassível a caixeira.
“ Azul marinho”, murmura a empregada.
“ Melhor, preto”, disse a patroa.
Ao cabo, ela ainda consegue levar toucado e avental branco com bordado inglês. Os pedidos extra de Doris incomodam a Sonia, menos pelo acréscimo de preço, do que por descabidos ares de vaidade.
*

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