Dentre os muitos organismos informais de relações diplomáticas, o chamado G 2 começou a ser referido com frequência após a assunção de Barack Obama a presidência dos Estados Unidos.
Ainda na campanha presidencial, Obama manifestara a sua abertura para o diálogo, inclusive com regimes como o Irã dos ayatollahs, que desde os seus primórdios, com o imã Khomeini, transformara o seu ódio ao dito grã Satan num dos instrumentos galvanizadores de sua política.
Dada a aparentemente irresistível ascensão da China – atualmente a terceira potência econômica mundial – e os prognósticos de que talvez este ano ultrapasse o Japão – ainda a segunda potência econômica - a formação do G 2 passou a ser considerada uma evolução natural. Dessarte, a superpotência e a China, revestida da capa de desafiante e possível sucessora, articulariam essa associação informal, que funcionaria como uma espécie de câmara no intercâmbio de relações políticas e econômicas, entre outras.
Malgrado a reconhecida conveniência de que Estados Unidos e República Popular da China desenvolvam o respectivo diálogo, e explorem possíveis avenidas de eventual convergência, as relações entre Washington e Beijing já sob a Administração Obama não tem evoluído conforme as expectativas iniciais, especialmente as nutridas pelo novo Presidente.
Dada a sua experiência política interna, Barack Obama adentrou a cena internacional disposto a mutatis mutandis aplicar a abertura para o diálogo como o instrumento preferido para a eventual entente. Ainda no primeiro ano de governo, se terá dado conta de que essa abertura não conduz necessariamente a novos patamares de entendimento.
A Realpolitik está aí para desfazer tais ilusões, ou pelo menos qualificá-las dramaticamente. O presente regime comunista chinês resulta da inflexão econômica, introduzida sob os auspícios de Deng Xiaoping e formulada sobretudo por Zhao Ziyang e da opção política decorrente do massacre de Tiananmen, igualmente de iniciativa de Deng (posto que insuflado pelo grupo conservador de Li Peng) e do consequente afastamento da alternativa democrática, propugnada por Zhao,então sumariamente deposto da Secretaria-Geral do PCC e mantido em prisão domiciliar até sua morte em janeiro de 2005.
Até o presente, o regime chinês tem logrado manter o seu hibridismo – relativa liberdade econômica e controle político do partido. Seu poder é exercido por um Presidente, Hu Jintao(que acumula a Secretaria Geral do PC) e o Vice-Presidente Xi Jinping (que seria o virtual herdeiro político de Hu).
Com a característica de regime burocrático-autoritário, o Presidente dispõe em geral de dois mandatos de cinco anos, e é sucedido pelo seu Vice. À flexibilidade econômica se contrapõe a rigidez política, com as consequências antevistas por Zhao (notadamente a corrupção e a tendência ao autoritarismo como solução erga omnes).
Dentro dessa moldura do regime, era previsível que a visita de boa vontade de Obama à China fosse de certo modo dirigida (stage-managed). Exemplos disso foram a seleção do auditório estudantil da palestra do Presidente e a drástica limitação da audiência pela tevê de sua mensagem.
Ao contrário da cooperação preconizada por Obama, quiçá mal-entendida pelos dirigentes chineses, a resposta da China tem sido dialeticamente agressiva no seu negativismo: recusa de cooperação tanto em acordo climático em Copenhague, quanto em resolução no Conselho de Segurança para sanções mais duras contra o regime de Teerã. A par disso, autoridades chinesas tem criticado o comportamento de instâncias americanas na crise financeira global.
A mais recente manifestação dessa postura digamos diretorial se refere a uma advertência de autoridade chinesa de terceiro escalão. Como se estivessem tratando com alguma potência secundária, o estamento dominante chinês faz saber que o Presidente não deve receber o Dalai Lama (com visita próxima marcada aos Estados Unidos). É conhecida a nervosa reação de Beijing à figura do Dalai Lama, a despeito da renúncia deste a pleitear a independência para o Tibete. O seu carisma e a defesa de autonomia para a região já são bastantes para provocar o anátema dos burocratas partidários.
Evidenciando a mudança relativa de posição do Presidente Obama, se anuncia um pacote de venda de equipamentos militares para Taiwan no montante de seis bilhões de dólares. Esta transação atinge o ponto mais sensível nas relações entre China e Estados Unidos e complementa um acordo anterior, feito na Administração Bush, com Taipei.
A sensibilidade chinesa a essa questão – que fora objeto da famosa viagem de Nixon e Kissinger à China de Mao Zedong em 1972 – denota a um tempo um objetivo nacional e um ponto frágil do regime de Beijing. É esta fragilidade que Washington coloca na berlinda, malgrado todos os acordos preexistentes de uma política de ‘uma China’.
É uma máxima das relações políticas que não se deve subestimar o adversário. Beijing terá ouvido a advertência da Secretária de Estado Hillary Clinton quanto à censura na internet e a possível envolvimento em ataques cibernéticos. Agora, igualmente com aval da Casa Branca, se sucede a transação bilionária de armas com Taiwan.
São sinalizações fortes para Hu Jintao de que o entendimento pode ser a melhor avenida para relacionamento satisfatório para os dois países. Vias de mão única não representam a melhor solução, dados os múltiplos interesses em jogo, e que concernem tanto a Washington, quanto a Beijing.
(Fonte: International Herald Tribune)
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
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