sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A Trapalhada dos Caças

Ontem, reportagem da Folha de S.Paulo noticiava que a França baixara o preço na venda do caça Rafale para US$ 6,2 bilhões, com uma redução, portanto, de US$ 2,0 bilhões. Tal corte teria sido negociado, a 29 de dezembro, em viagem do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, a Paris. Esta mega-transação – ‘pacote’ de 36 aviões para a Força Aérea Brasileira – já disporia da anuência do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a informação da colunista Eliane Cantanhede, a concorrência estaria ultimada, com a decisão em favor da França.
Hoje, se noticia a inevitável sequela de mais este vazamento a respeito do longo e conturbado processo de licitação para a indispensável atualização da frota de caças da FAB. Agora, nas palavras da mesma Folha, “surpresos pela negociação direta do Brasil com a Dassault, suecos e americanos, rivais da França na disputa para fornecer os novos caças da FAB, reclamam o direito de oferecer novos preços.”
Forçoso será reconhecer que muitos, senão, todos os problemas atinentes à concorrência internacional dos caças são decorrentes do desrespeito aos procedimentos próprios das licitações.Se no futuro se elaborar análise técnica quanto aos aspectos jurídicos desobedecidos no processo, o compêndio constituirá leitura obrigatória para autoridades governamentais interessadas em conduzirem licitações que estejam isentas de vícios de forma e/ou de conteúdo.
Essa preocupação da autoridade tanto mais se recomenda para que se evitem as delongas de contestações jurídicas nos foros competentes, o que é do óbvio interesse de todas as Partes. Não parece necessário sublinhar a importância dessa exação, por assegurar ao adquirente a pronta implementação do fornecimento de equipamento de que necessita, assim como à parte vencedora as condições para o cumprimento de suas obrigações, e aos demais partícipes a certeza de terem acorrido a processo conduzido com equidade e o indispensável respeito aos respectivos direitos.
Em meu blog de seis de janeiro de 2010, O Antimodelo de Negócio de Estado, me ocupei dos vícios de tal processo de licitação, já patentes a despeito de que formalmente não estivesse ainda determinada a parte ganhadora. A informalidade dos procedimentos adotados, os inúmeros vazamentos de informações, então capeados pela divulgação na imprensa do teor do parecer técnico da Aeronáutica – que deveria, como todo o restante ater-se ao indispensável sigilo – não pressagiavam de modo auspicioso um término satisfatório para todas as Partes na concorrência.
Consoante a sabedoria popular, tudo o que mal começa, bem não pode acabar. A informalidade que presidiu ao processo – e que pode contribuir a que velhas assertivas acerca de nosso país, expressas também por fonte francesa[1], voltem a ter curso – não se afigura decerto como a melhor maneira de organizar uma licitação internacional. Com tantas quebras da confidencialidade e agora com outras ações que são suscetíveis de serem inquinadas de favorecimento a uma das partes, em detrimento das demais, semelham colocadas todas as condições para que de um processo transparente e ordenado, passemos para a atmosfera nebulosa das altercações, reclamos e possíveis ações junto ao juízo competente, com os consequentes atrasos e demais tribulações das quizílias.
Tudo isso poderia ter sido evitado se a Autoridade Nacional que realizou a concorrência internacional houvesse operado de forma a manter o controle do processo. A par do Presidente Lula, que é a máxima autoridade, a atenção nesse particular tende a dirigir-se ao Ministro da Defesa, Nelson Jobim, a quem coube ex officio a responsabilidade da direção do processo. E a pergunta que há de surgir será a do por que alguém com a experiência jurídica do Dr. Nelson Jobim, que o levou à presidência do Supremo Tribunal Federal, não se tenha dela valido para manter o imprescindível controle da licitação internacional em tela.

[1] Como referi anteriormente, o presidente de Gaulle, por ocasião da chamada Guerra da Lagosta (entre França e Brasil), disse reportando-se a nosso país: C’est pas un pays sérieux (não é um país sério).

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