segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA

A Moça da Janela (2)

No relance, uma dúvida lhe ficara. De imediato, não se deu muita conta. Depois, contudo, a imagem ou o seu imperfeito esboço tornaria.
*
Ao encontro do grupo de amigos, retardou o passo ao dar com o casarão à sua esquerda. Levantou a vista, procurando a janela. Mas foi em vão: as venezianas estavam bem fechadas.
Depois, esqueceu. Ou melhor, pensou que esquecera.
*
Foi em outro final de dia. Daqueles morrinhentos, de chuva persistente, em que a luz mortiça já parece anunciar a noite.
Vadio, o seu olhar se descobriu buscando a moça da janela.
‘Moça da janela...’, resmungou entre dentes. ‘Se nem deu pra enxergar direito.’
À distância, as coisas ficam mais apresentáveis. Até a parede escalavrada do sobrado não se mostrava com toda a feiura do longo abandono.
Então, a vidraça meio que se mexeu. Debruçado no parapeito, como quem que deseja ser notado, ele espera.
Quem sabe se o vão não se abre um pouco mais. Dali, de onde estava, o ângulo não o favorecia.
‘Esquisito’, pensou. ‘Dá a impressão de um movimento furtivo, de alguém que não queira ser visto...’
Imóveis, como que fixados em cobiçada presa, os olhos esquadrinham o entreaberto espaço.
De longe, o seu desperto interesse se empenha em coser os traços e as cores que acredita componham o rosto de uma jovem.
*
‘Quanto tempo durou? Certamente, não mais de uns dois, três minutos...’
Intrigado, perplexo, e também um tanto incomodado, José não entende bem a própria atitude. Dir-se-ía um adolescente, logo ele que nunca tivera qualquer dificuldade nessa área...
Tampouco logra alcançar o que pretende. Seria atração por um fruto proibido ? Porque sequer se conhecia a gente que vivia no casarão, a vizinhança os considerava como verdadeiros estranhos, e a quem, com uma ou outra exceção, nem se dignavam cumprimentar ?
Nesses termos, que tipo de relação se pode ter com moça que vive enfurnada nesse meio, e de quem você rigorosamente nada sabe ?
Faz pouco, ele se referira a dois, três minutos... mas, a dizer verdade, o que enxergara neste espaço imaginário de tempo ? Apenas imagens confusas, mais fantasiadas do que vistas... de uma pessoa da qual acaso poderia afirmar que se dera conta da sua longínqua presença ?

(a continuar)

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