domingo, 7 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA

A Moça da Janela (7)

Por um longo minuto, fica parado diante da porta do quarto. Não só para descansar do esforço – talvez mais do que os andares, a ânsia de afinal encontrar aquele rosto que se escondia por trás da veneziana também contribuíra para que seu coração bata um pouco apressado. Assim, deixou o relógio correr, enquanto, como antenas direcionadas, os ouvidos intentam captar todo e qualquer ruído, que torne a madeira defronte dele, tão riscada pelo tempo e as gentes, uma espécie de tela.
Julga poder interpretar cada som, seja de fala, seja de objeto, como peça de quebra-cabeças, para ajudá-lo a montar – ou pelo menos colher uma ideia – do que veria quando seu Silva viesse atendê-lo.
Entretanto, o posto de escuta de nada serviu. Além daquela porta não parecia existir nenhum movimento. Ruídos por certo lhe chegavam, alguns bem claros e bem nítidos. Choros de criança, palavras de personagens de novela, um grito mais afastado. Tudo aquilo formava a cacofania já entreouvida na marcha pelos andares de baixo. Com efeito, dada a sua cercania e a atenção que punha, podia afirmar com segurança que nenhum deles provinha daquele quarto.
Com toda probabilidade, a sua espera – qual um boneco imóvel – estava por chegar ao fim. Todavia, o que pretendia fazer naturalmente, o olhar desconfiado de alguém que saía às pressas do quarto ao lado, o obrigou a bater forte, empregando energia que logo sentiu não combinar com a sua situação.
“ Quem é ?”
A voz de homem, de tão próxima, lhe pareceu vir do próprio corredor.
Afobado, e sem saber o que dizer, apesar da obviedade da pergunta, ele respondeu:
“ Meu nome é José Ribeiro.”
“ Não conheço nenhum José Ribeiro.”
“ Eu sei, seu João Silva, mas se o senhor me deixar explicar, vai entender por que estou procurando o senhor.”
Interveio breve pausa, a que se seguiu um tilintar de metal. A porta então se entreabriu. Pela fresta, se via corrente estirada e parte de rosto moreno.
“ Seu João, eu gostaria que o senhor soubesse...”
“ Por favor, não me chame de senhor”, atalhou João.
“ Obrigado. Eu sou vizinho de você, moro do outro lado da rua...”
“ Olha, essa é boa... Não acredito que você veio até cá pra me dizer isso. ‘Cê só pode tá brincando...”
“ A história não é assim tão simples, seu João.”
Com rápido gesto, João retirou a lingueta da corrente, abrindo um vão um pouco maior. O suficiente para que visse o rapaz, mas não o bastante para que José o confundisse com um convite para entrar.
“ Seu moço, me diga por favor qual o motivo de sua vinda. Já perdi a conta dos anos que moro nesse cortiço e nunca ninguém desta rua me cumprimentou ou sequer me deu bom dia. Intão, vamo esquecer essa de visita, e cuspa logo o seu recado.”
O rapaz respirou fundo, vendo que a conversa estava mal encaminhada. Antes que a coisa desandasse, resolveu ser franco.
“Seu João me deixe explicar. Eu não quis ser hipócrita, dizendo que ‘tava querendo visitar o senhor.”
“ Não me chame de senhor...”
“ Tá bem. Quando falei daquele jeito, ‘tava querendo me apresentar. ‘Tava querendo dar a ... você algum dado para que pudesse me localizar, saber quem eu sou...”
“Ah, entendi. Intão, como te disse antes, ache que chegou a hora de me dizer qual é a tua. Afinal, você não atravessou a rua e veio até cá só pra se apresentar, num é ?”
“ O sen... você tem razão, seu João.”
“ Tá bem, intão”, disse o outro, com um discreto sorriso. “Mas antes vamo fazer as coisas nos conformes. Não vou deixar você plantado na porta. Tenho uma cadeira aqui dentro, quero que você entre, tome um cafezinho, e aí a gente conversa.”
*
( a continuar )

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