segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA (II)

Doris ( 1 )

Sonia parecia nervosa. Não parava quieta. Por duas vezes, falou pelo interfone com o porteiro.
“Pode-se saber o que está acontecendo ?”, perguntou Almir.
“Nada de importante !”, respondeu, com o jeito ríspido habitual.
Lentamente, passam os minutos.
De novo, ela se levanta do poltrona e vai para a cozinha. Em seguida, ele ouve a mulher abrir a porta de serviço para, instantes depois, fechá-la com força. Não demora muito e está no interfone outra vez. Tenta entender o que diz, mas não consegue.
Volta de lá com o semblante carregado de costume. Almir hesita, mas afinal resolve insistir.
“Você podia me dizer quem ‘cê tá esperando ?”
Por um átimo, ela o encarou. Temeu que gritasse, como era seu vezo, quando algo a incomodava. Para seu alívio, no entanto, a cena não ocorreu.
Sentada na poltrona, baixou a fronte, enquanto de leve a massageava com dedos da mão direita.
“ Me deixa em paz !”
Dito como se fora ordem, ele prefere não contrariar.
Folheia o jornal. As páginas não trazem nada de interesse. Com um bocejo, espia o relógio. Ainda não é hora de sair para o turno da tarde.
*
Acordou com o barulho da chamada.
Olha em torno, mas não encontra a mulher. Ao dar-se conta da hora, tratou de pegar logo o casaco.
Sai meio afobado para o trabalho. Da porta da frente, dá um tchau para Sonia. Embora não tenha resposta, fica com a impressão de haver escutado a sua voz.
*
“ Dona Sonia ? Aquelas duas pessoas chegaram... Podem subir?”
“ Tá bem.”
Ansiosa, teve ganas de fumar um cigarro. Já ia pegar da carteira, quando mudou de ideia. Melhor resolver o assunto primeiro. Depois, teria todo o tempo.
*
“ Você é a Genoveva ?”
Mulata atarracada, com ares de cinquentona, pensou. A seu lado, jovem magricela, mais alta. Sobraçava uma trouxa.
“ Sim... e a senhora, dona Sonia ?”
“ Exatamente.”
Por um instante as duas se entreolharam.
“ Que acha da menina esperar no quartinho, enquanto a gente acerta?”
Genoveva assentiu, e com leve meneio fez a acompanhante obedecer.
“ Aceita um cafezinho ?”
As duas foram para a copa. Havia um sorriso nos lábios da patroa, mas a outra continuou séria.
Em silêncio, deixou a dona servir.
“ Açúcar ou adoçante ?”
“ Açúcar, duas colheres.”
Sem dizer palavra, devagar, elas tomaram.
“Sabe de uma coisa, Genoveva... Não quis falar no telefone, mas achei um pouco caro.”
“ Não seja por isso dona Sonia... A gente dá o dito por não dito, e é isso aí.”
“ Então pra você não tem discussão ? É pegar ou largar.”
Sobreveio uma pausa. Sonia parecia inquieta.
Ao contrário da mulata, que permanecia impassível.
“ Como é que ficamos ?”
Por segunda vez, a mulher a encarou.
“ Pelo visto, dona, não ficamos.”
“ ‘Pera um minuto !”, disse Sonia, alçando a voz. “ Será que afinal não dá pra conversar ?!”
A face de Genoveva se contraíu, à maneira de quem busca controlar a irritação.
“ Tou vendo, dona, que a gente tá perdendo tempo... Vejo também que a senhora não tá querendo pagar o combinado...”
“ Calma aí... não vamo brigar por bobagem...”
As vistas apertadas da outra a esquadrinharam, por um momento.
“ A senhora paga ou não paga o combinado ? Será que não dá pra entender que eu não tou aqui pra regatear preço ?”
Sonia respirou fundo. Não gostava de ser contrariada. A mulata, porém, não estava a fim de ceder, e ela temia entornar o caldo, se insistisse demasiado.
“Tá bem! tá bem ! Você ganhou: vou buscar os cobres.”
Foi irritada, mas voltaria com um sorrisinho.
Recebendo o envelope, Genoveva contou o dinheiro, nota por nota.
Conferida a paga, estendeu-lhe a mão.
“Negócio fechado.”
E sem sequer um olhar para a moça saíu pela porta afora.
*

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