terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Para que Conselho de Política Externa ?

A matéria de ontem de O Globo – PT planeja criar conselho de política externa – levanta questão importante, merecedora de exame mais aprofundado.
A despeito de considerar que “o MRE tem sido mais aberto à participação dos movimentos sociais, centrais sindicais e ONGs nos eventos internacionais, inclusive muitas vezes como membros da delegação oficial”, a cúpula do Partido dos Trabalhadores não está satisfeita. Cobra a criação de um conselho federal dedicado à política externa brasileira. Nesse sentido, o PT pleiteia a convocação de conferência nacional de relações exteriores, nos moldes dos encontros recentes nas áreas de comunicação e direitos humanos. Nos termos do documento partidário, essa conferência “permitiria debater as diretrizes de política externa entre os movimentos, organizações e partidos que se interessam e atuam na área.”
Até o presente governo, a diplomacia brasileira sempre esteve sobre a responsabilidade exclusiva do Ministério das Relações Exteriores. Mesmo no longo período dos generais-presidentes, estes tiveram o bom senso de deixar a cargo do Itamaraty a formulação e implementação da política externa brasileira.
Foi a partir da República que o Ministério das Relações Exteriores passou a ser conhecido pela metonímia de Itamaraty, eis que, se tendo transferido para o Palácio do Catete, a Presidência da República cedeu o palácio do Itamaraty, na antiga rua Larga, à Secretaria de Estado das Relações Exteriores.
No entanto, o renome e o respeito granjeado por esse Ministério já vem do tempo do Império,pela qualidade de sua diplomacia, acima dos condicionamentos de política interna. Como se verifica pelo seu tratamento ao longo dos anos nas questões relevantes para o Império – entre as quais as de limites – ela sempre se caracterizou pelo seu profissionalismo, conhecimento dos precedentes e coerência apartidária na defesa do interesse nacional.
Em outras palavras, a diplomacia brasileira sempre teve o Estado como seu norte, e por isso firmou-se no Continente e fora dele, como exemplo de seriedade, coerência, patriotismo, respeito aos tratados e às lições de seus antecessores. A política externa do Império teve como precursor, ainda na Colônia, Alexandre de Gusmão (que no Tratado de Madri traçou o perfil geográfico do Brasil) e nos primeiros anos da República teve o aporte de seu grande patrono, o Barão do Rio Branco. Essas duas grandes figuras, que até hoje sobrelevam todas as demais, nos transmitem o legado da diplomacia de Estado.
A diplomacia, como instrumento de política externa, depende da política interna apenas enquanto ela é projeção da realidade objetiva do país representado. Entretanto, carece de ter sempre presente que as suas relações se realizam através de seus contatos com outros Estados igualmente soberanos. Dado o caráter permanente desses laços, se os relacionamentos pessoais devam ser enfatizados, ela não poderá perder de vista a relevância de manter tais relações em nível de Estado, e não sujeitos a condicionamentos de facção ou ideologia, pela própria circunstância de serem necessariamente temporários.
Os partidos de direita, centro ou esquerda podem manter relações com os seus congêneres nos demais países, mas o Estado cometerá grave erro se confundir o ocasional e conjuntural com o permanente. Assim, e até por mandamento constitucional, o Brasil – e por conseguinte o Itamaraty – deve empenhar-se em estreitar relações em especial com os países da América Latina e nunca subordinar o interesse nacional a vezos ideológicos que possam redundar inclusive em detrimento de nossos legítimos direitos.
Não faz, portanto, sentido que valendo-se de sua posição temporária de poder o PT se arrogue prerrogativas e constitua conselhos com eventuais funções que só tendem a tornar turvas as águas límpidas da política externa brasileira.
O Itamaraty não é um ícone de circunstância. Em um país em que a administração pública se descobriu por vezes submetida a inchações e deformações derivadas dos partidos no poder, a sua permanência, profissionalismo e competência sempre o caracterizaram como instituição por excelência representativa do Estado brasileiro, não sujeita portanto aos ventos e trovoadas das facções, com a sua potencial visão sectária dos laços internacionais.
Respeitemos esta secular criação da nossa nacionalidade e por uma única razão: porque sempre demonstrou bem servir ao interesse nacional,conduzida por personalidades sob cuja sombra se deveriam abrigar os atuais responsáveis de turno.

Um comentário:

Mauro disse...

Cumprimento o autor pelo comentário - sempre cristalino em seu argumento e justificação. Contudo, infelizmente seus esforços são inúteis. Não é a ignorância sobre a história ou os feitos do Itamaraty que norteia o plano do conselho. Não é a eficácia da política externa brasileira que ele busca. Basta lembrar que há defensores da proposta dentro da própria instituição. É inútil convocar os injustos à causa da justiça. O que se deseja é a captura da política externa no futuro (já que a atual já está controlada). O modus operandi de “legitimizar” e “democratizar” instituições é manjado. Vem sendo aplicado em diversos setores e claramente visa privatizar o Estado (ou minar agentes privados independentes) para o partido. É um câncer que cresce no Brasil e na América Latina, contra os quais os verdadeiros democratas, em um ambiente apto ao populismo, parecem ter poucas defesas.