sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA

A Moça da Janela (6)

A meia escuridão acompanhou José na subida da escada. Ela clareava um pouco quando se aproximava dos andares, o que lhe permitia passadas mais seguras e menos lentas. Na maior parte dos lances, porém, a escalada tinha de ser prudente, e quase vacilante em certos trechos.
Foi, assim, com alívio que chegou ao terceiro andar. Por um instante, parou no patamar. Não havia no corredor, estreito e esquálido, nenhuma iluminação de teto. Precisou, por isso, de algum tempo para habituar a vista à relativa escuridão daquele espaço.
Transcorrido talvez um par de minutos, pôde melhor orientar-se no ambiente. Sem embargo, avançou tenteante, à maneira de espectador que entra na sala de projeção do cinema com a sessão iniciada. Enquanto pisava nas rangentes tábuas, viu que da soleira das portas se esgueiravam fímbrias de luz. Vindas dos diversos quartos, matizavam a obscuridade, tornando-a menos espessa em determinados trechos.
Ao atravessar aquele caminho, sentia à cada passada variações no significado de uma casa de cômodos. Seria espécie de artéria que recolhia, entre confinantes e claustrofóbicas paredes, o arquipélago da pobreza, com os seus odores, ruídos, falas, gritos e até choro de criança. Nunca estivera em lugar que de longe se parecesse com o casarão, em cujas entranhas ele agora ingressava.
Desse modo, a experiência havida e por haver através da intempestiva entrada em áreas vizinhas mas desconhecidas principiava a ajudá-lo a entender melhor os sofridos contrastes existentes por trás dos eufemismos da chamada diferença na sorte.
Posto que vivesse ali, a tão poucos metros de distância, o fato de ter ousado adentrar um espaço fora dos limites para os moradores das redondezas – mesmo que os seus motivos nada tivessem a ver com propósitos sociológicos – nele produzia um duplo efeito. Com o lastro da angústia de encontrar-se em terra estranha lhe vinha a satisfação de conhecer outra realidade.
Para ele, ambas as sensações necessariamente se imbricavam. Eram as duas faces da moeda de ingresso para o enclave.
Foi nesse momento que se descobriu diante da última porta à esquerda do corredor.
Agora, armado do nome do morador, seria só bater e esperar.
*
( a continuar )

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