segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Das Guerras e de suas Vítimas

Dresden

Para a geração que cresceu com a sombra distante da Segunda Guerra Mundial, a cidade de Dresden, a joia arquitetônica dos reis da Saxônia, teria sido a princípio um lamentável erro da campanha aérea do Reino Unido. O comandante dos bombardeios ingleses, o Marechal-do-Ar Sir Arthur Harris, mais tarde, alcunhado de Bomber Harris, passou a atribuir importância estratégica aos bombardeios noturnos da R.A.F. contra os civis do Reich alemão. Nesse sentido, julgou oportuna a maciça intervenção na cidade barroca do Leste, até então preservada por causa de seu escasso valor estratégico. O próprio Winston Churchill teria questionado o acerto da incursão anglo-americana.
O escritor W.G. Sebald, prematuramente morto por um acidente,procurou em muitos de seus escritos reinfundir um pouco de dignidade no sacrifício de tantos civis alemães ceifados pelo conflito de 1939-1945. São de difícil leitura, pelo seu impiedoso realismo, as suas páginas sobre os quarteirões de Hamburgo arrasados pelos métodos de destruição e incêndio das ondas sucessivas de aviões Lancaster. Bastam as imagens das gordas, hediondas moscas cevadas com a carne e a gordura das vítimas como descrição de encarniçada maldade de que o leitor se capacita com estranhável indignação.
À medida que os tambores das batalhas não mais ressoavam tão fortes, aumentou o repúdio da geral opinião contra o inútil sacrifício de Dresden, considerada um símbolo de matança indiscriminada de civis pelos bombardeios aéreos do final da guerra. Parecia mais do que árdua tarefa a justificação de hecatombe dessa natureza, quando os exércitos aliados investiam a Alemanha e as possibilidades de resistência só poderiam subsistir nos demenciais cálculos do Führer.
Com o desenvolvimento da tecnologia da morte, o ataque de 13 de fevereiro de 1945 foi um exercício de extermínio aéreo de invejável perfeição. Precedida por bombas de destruição material, que abriram buracos no alto dos telhados, arrebentou janelas e portas, e escavou crateras nas ruas, seguiu-se o lançamento de bombas incendiárias que caíam nas recém-dilaceradas estruturas de madeira dos velhos edifícios, que acendiam chamas que se espalhavam pelas correntes de ar de casa para casa, para juntar-se em tempestade de fogo com a força relativa do furacão. Malgrado os cuidados da descrição, ressalta o objetivo precípuo que é o de incinerar o maior número de habitantes, presas fáceis na orquestração infernal da guerra aos civis indefesos. Até os abrigos, rasgados pelos obuses, se transformaram em fornos crematórios.
Dessarte, Dresden passou a ser considerado exemplo da loucura homicida dos bombardeios, se não equiparada a Hiroshima e Nagasaki, igualmente mencionada no capítulo das inúteis e criminosas matanças de civis.
Não mais. De uns tempos para cá, está em curso o contra-ataque dos defensores extremados dos aliados. A reabilitação do Bomber Harris entra nesse contexto. Para que a ocorrência de Dresden seja reinterpretada, é necessário de início redimensionar-lhe as mortes. Antes computadas em centenas de milhares, ora encolhem para 25 mil, e Dresden, de cidade periférica, sem significado estratégico, é dubiamente guindada a objetivo relevante, que teria inclusive encurtado o fim da guerra.
A revista New Yorker publica, a 1º de fevereiro corrente, artigo que se propõe reescrever a história do magnicídio. As vítimas, da centena de milhares, são apresentadas entre 25 e 40 mil, descritos como despedaçadas, queimadas ou asfixiadas. Há frases lapidares: nada houve de excepcional no ataque a Dresden, a cidade era um alvo tão legítimo quanto o de qualquer outra grande cidade alemã. A única contradição no esforço justificatório foi considerar imoral a destruição de Dresden, posto que a concessão seja prontamente minimizada ao expressar que não foi irracional, nem mesmo inusitada. Chega até ao cinismo de reconhecer que bem poderia atender ao padrão do crime de guerra, mas que do prisma aliado o raid se distingue de centenas de outros só pelo fato de que se saíu tão bem.
É de crer-se que as vítimas do desastre de Dresden fazem por merecer apreciações mais equilibradas e mais respeitosas do brutal sacrifício infligido a tantos inocentes.

Ofensiva no Afeganistão.

A imprensa estrangeira não tem poupado atenção a atual ofensiva no Sul do Afeganistão. O ataque aliado na província de Helmand, que é um reduto dos talibãs, estaria procedendo conforme o esperado. A resistência das forças inimigas, bastante forte, estaria conforme às expectativas. Um contingente de tropas americanas, afegãs e inglesas iniciou o ataque no sábado passado, superando as primeiras linhas adversárias. Contudo, ao principiar a dispersão dos pelotões, em busca de núcleos talibãs, os combates se reavivaram, crescendo em frequência e intensidade através de larga extensão de terreno.
Durante a operação, segundo comunicado das forças aliadas, um foguete se desviou em Marja, matando doze civis. O comandante americano, General McChrystal, que se tem pautado em reduzir ao mínimo o número de vítimas civis, lamentou, em mensagem ao Presidente Hamid Karzai “esta trágica perda de vida”.
Como se anuncia, o propósito da manobra é o de restaurar a segurança e a estabilidade em uma larga faixa do Sul do Afeganistão, ora sob o domínio dos insurgentes talibãs.
Não só a retórica, mas a evolução dos choques entre tropas aliadas e os rebeldes evoca reminiscências de conflitos relativamente recentes no Sudeste asiático.
Dada a mudança na postura diante da guerra que não faz muito se verificou na Administração do Presidente Barack Obama, com consequente aumento de efetivos – ainda que matizados com eventuais retiradas em anos seguintes -, tenderá a ser acompanhada de perto, temperada de algum ceticismo, a evolução de mais uma guerra em país que, a despeito do seu estágio civilizatório e das características da própria população, tem no particular retrospecto pouco animador para as potências que houveram por bem invadi-lo.

Nenhum comentário: