Na Grécia antiga, a hubris era comportamento insolente e arrogante, e por conseguinte condenável pelos deuses. Em geral, o termo se aplicava às duas vertentes do insulto, tanto a psicológica, quanto a material, malgrado a ênfase estivesse amiúde no segundo aspecto.
Atualmente, o vocábulo é empregado sobretudo na acepção ‘orgulho arrogante ou autoconfiança excessiva’ (V. Houaiss). Tal sentido cai como uma luva para a presente postura da China que mais parece adolescente embriagado pela crescente força física, desenvoltura e suposta superioridade.
Essa postura, decerto, não se estriba apenas em ilusões juvenis. Em ativos concretos, a China hoje dispõe de mais de 2,4 trilhões de dólares em reservas de divisas, sendo a par disso a maior credora da dívida dos Estados Unidos (grande parte em bônus do Tesouro americano).
Além disso, por mais que se questionem os cálculos das estatísticas chinesas – V. a respeito ‘A Bolha Chinesa’in Colcha de Retalhos XXXIII, de 10 de janeiro p.p. -, e se prognostique, como James S. Chanos, que a economia chinesa esteja hiper-estimulada e se encaminharia para um crash - os altos percentuais de crescimento do PIB da R.P.C. (8%) lhe conferem performance que contrasta com os baixos índices das principais economias mundiais, em meio à crise financeira internacional.
A perspectiva de alcançar e superar, no final do corrente ano, a economia japonesa, e tornar-se a segunda economia mundial, inferior apenas à superpotência, parece ter subido à cabeça da liderança comunista chinesa, à maneira de quem acredita haver superado a fase da transigência e composição, julgando-se em condições de afrontar o mundo ocidental com a própria visão da realidade, por mais contraposta que se afigure aos valores civilizados.
Tal postura não surgiu, decerto, do dia para a noite. Desde muito, Beijing advoga estranhas teorias (v.g., os direitos humanos seriam criação do Ocidente, e sua aplicação em outros espaços deveria adequar-se a diferentes princípios – nesse ponto, também os árabes defendem teses similares). Por outro lado, em sua sede de petróleo – um recurso deficiente no antigo Império do Meio -, a RPC costuma subordinar a tal necessidade suas posições politico-diplomáticas. Assim, não pestaneja em proteger com o seu veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas de sanções mais pesadas o regime do general Omar al-Bashir, de Cartum. Em consequência, o genocídio de Darfur continua, em uma luta desigual da maioria árabe sudanesa contra os cristãos e animistas do Sul, enquanto o Ocidente acompanha a tragédia com benévola negligência.
Ainda no campo dos direitos humanos – em que abundam as infrações do regime comunista chinês, em função da fatídica escolha de Deng Xiaoping, cristalizada no massacre de Tiananmen, de junho de 1989 – o ativista chinês Liu Xiaobo, um dos próceres da chamada Carta 08 de Direitos Humanos (assinada por cinco mil chineses, ao ensejo do centésimo ano da Constituição chinesa, do sexagésimo da Declaração Universal dos Direitos Humaos e do trigésimo da queda do Muro de Berlin) foi preso e condenado a onze anos de prisão, malgrado o apelo feito em seu favor pelo Presidente Barack Obama. O mesmo menosprezo por tais valores havia saudado o apelo britânico pela comutação de pena do cidadão inglês Akmal Shaikh, condenado à pena capital por tráfico de drogas. A justiça chinesa não foi demovida, apesar de que Shaikh, segundo Gordon Brown, sofresse de doença mental.
No entanto, o desaparecimento do dissidente Gao Zhisheng, um tenaz crítico do regime comunista, agrava o problema, não só pela recusa dos porta-vozes de sequer manifestar-se a respeito, mas também e sobretudo o seu sumiço, em moldes similares aos praticados nas antigas ditaduras do Cone Sur. Da sua penúltima detenção pelos esbirros do regime, o Sr. Gao revelara detalhes de sevícias e torturas sofridas. Ora, os seus algozes o tinham advertido que seria liquidado se revelasse o tratamento recebido.
Assim, ‘o seu desaparecimento em uma caminhada’, conforme disse agente de segurança ao irmão Gao Zhiyi, foi interpretado por este como forte indicação de que o ativista havia sido eliminado.
Outra questão de atrito entre Beijing e Washington é a política monetária chinesa de artificial depreciação do renminbi em relação ao dólar. A última apreciação da moeda chinesa, lograda por pressões de Bush em 2005, já foi mais do que compensada pela evolução da economia. Atualmente, a subvalorização do renminbi estaria entre 25 a 40% com respeito ao dólar estadunidense.
Este câmbio artificial vem provocando tensões com as autoridades financeiras de Washington. Em declarações recentes, o Presidente Obama foi bastante franco ao afirmar que os Estados Unidos precisa “ garantir que nossos bens não tenham o preço artificialmente inflado, e que os bens deles não tenham artificialmente os preços abaixados, eis que tal procedimento coloca (os Estados Unidos) em enorme desvantagem concorrencial”.
A política não-cooperativa da China se reflete igualmente nas questões do Irã – em que Beijing prefere dar mais uma chance a Teerã – e na do Meio Ambiente, em que o Primeiro Ministro chinês Wen Jiabao chegou inclusive a mandar, durante as negociações finais da Conferência em Copenhague, funcionários de menor escalão para representá-lo em reuniões com o Presidente dos Estados Unidos.
Espanta, por conseguinte, que a cúpula chinesa manifeste o seu extremo desagrado com a venda de material militar a Taiwan pelos Estados Unidos, e pela audiência confirmada por Obama na próxima visita do Dalai Lama a Washington. .
Presumir que a superpotência encaixaria ad infinitum a falta de cooperação chinesa me recorda um provérbio francês: “ esse cão é muito mau, quando o atacam, ele se defende”[1].
( Fonte: International Herald Tribune )
[1] ‘C’est un chien très méchant: lorsqu’on l’attaque, il se défend.’
sábado, 6 de fevereiro de 2010
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