quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

CIDADE NUA ( II )

Doris (3)

Embora não tivesse jeito para ensinar, Sonia logo se capacitou que não havia outra saída. Pelos modos e pelas perguntas, viu que teria muito trabalho pela frente.
Tampouco tardou em perceber que não era burra. Além disso, esguia de corpo, a tez clara, aloirada, faria boa impressão se não fosse pela roupa surrada e os longos cabelos malcuidados.
Tais impressões não seriam de molde a tranquilizá-la. Pagara muito bem a Genoveva, para correr o risco de perder num piscar de olhos a empregada sabe-se lá pra quê.
À medida que avançava nas explicações, principiou a dar-se conta das reações e reflexos da moça que pareciam cada vez mais lentos.
“ Que leseira é essa, menina ? Mal comecei a ensinar e você já tá cansada ?”
“ Não é nada disso, patroa...”
Diante do espanto de Sonia, murmurando “ Dá licença”, ela se arriou em cadeira da copa.
“ O que é que está acontecendo ?”
“ Patroa, tou fraca... pudera, não comi nada o dia todo...”
Só me falta que ela desmaie no primeiro dia do emprego, pensou.
“Tou vendo o teu problema...”
Procurou arrastar Doris para perto do fogão, de modo que pudesse acompanhar o que pretendia fazer. Não demorou muito em verificar que a outra não estava em condições de aprender coisa alguma.
Com as sobras do almoço, preparou um pratarraz para a empregada, que o devorou num instante e até pediu mais.
*
Nos primeiros dias, a prioridade de Sonia foi treinar Doris para a rotina diária. Levantar às sete, servir o café da manhã, fazer as camas, limpar o apartamento, preparar o almoço para meio-dia e trinta, lavar os pratos, com o cesto cheio por a roupa na máquina e extendê-la, no dia seguinte passá-la a ferro, servir a janta às sete da noite, e, por fim, uma vez tudo limpo e a mesa posta para o café, cair na cama.
A patroa logo iria observar que ela aprendia depressa. Tanto com os horários, quanto com as coisas mais simples, tipo café da manhã, por a roupa na máquina, etc. acostumou-se rápido.
Para o trabalho de cozinheira, no entanto, estava muito crua. Era arriscado deixá-la sozinha no fogão. Na prática, Sonia tinha de cuidar dos pratos, se não quisesse que a refeição ficasse intragável.
Assim, em chegando ao fim da primeira semana, a sua experiência lhe dizia que a menina se virava bem como arrumadeira. Já na cozinha...
Por seu lado, Doris notou umas duas ou três coisas. A patroa não era de muito papo. Nisso, igual a Genoveva. Se não lhe desse na telha,não respondia às perguntas...
É verdade também que não tinha mãos a medir durante todo o dia, a ponto de jogar-se na cama, bem cedo ainda. Dormia como uma pedra, de tão cansada.
Engraçado, a dona nunca pedia a ela pra comprar lá o que fosse na rua. Nem na feira, a outra queria a sua companhia.
Dia após dia, e ela sempre metida em casa. Até tentara forçar a barra. Se não seria melhor se... Não. As desculpas podiam variar, mas o resultado era sempre o mesmo. Não saía do apartamento.
Havia outro detalhe que a arreliava. Fazia já semana que Genoveva a trouxera. E desde então, por mais caladona que fosse, dona Sonia nunca encontrara tempo para tratar do emprego.
*

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