segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Mais um crime ambiental Impune

O jornal O Globo, em importante reportagem, se ocupou de mais um crime sem punição. Ocorrido há dez anos, o megavazamento na baía de Guanabara de 1,3 milhão de litros de óleo por um duto da Refinaria Duque de Caxias, da Petrobrás. Chega ora a seu término a ação criminal contra os responsáveis pelo desastre.
O resultado desse processo seria decerto inacreditável em qualquer outro país em nível de desenvolvimento superior ou similar ao brasileiro. E, no entanto, dados outros antecedentes processuais, que se tenha concluído sem punições tal encerramento não deveria surpreender.
Nas primeiras horas de 18 de janeiro de 2000, um duto que liga a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ao Terminal da Ilha d’Água se rompeu. Em consequência, vazaram 1,3 milhão de litros de óleo na Bahia da Guanabara. Foi estimado que até 40% da vida animal e vegetal na baía estavam ameaçados. Concentrando-se sobretudo nos manguezais do fundo da região, a maré negra pôs em perigo a existência de taínhas, biguás, caranguejos, árvores de mangue e microorganismos.
Dado o impacto sobre as atividades econômicas na área – de que até hoje se ressentem sobremodo a dos pescadores – houve grande repercussão do derramamento no Brasil e no exterior. Nesse aspecto, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso pressionou a Petrobrás para o pronto pagamento da multa recorde imposta pelo Ibama de R$51 milhões.
Se o procedimento judiciário findou sem condenações, a pobre baía de Guanabara continua a padecer do vazamento de 2000. O fundo da baía – cuja profundidade vai diminuindo em função de uma série de fatores e da geral incúria em contra-arrestar o processo – estaria coberto em razoável extensão pelas borras de óleo provocadas pelo dito derrame. Tal se deveria à reação por um produto químico lançado na baía por ocasião da ruptura do duto. Até agora, os pescadores mostram suas redes sujas de óleo. Por outro lado, as espécies que viviam no fundo – como o camarão – praticamente desapareceram.
A classe dos pescadores se defronta com uma situação que não é ocasional. As dificuldades são tantas que muitos dos pescadores trabalham no Projeto Baía Limpa, apoiado pela Petrobrás (trata-se do recolhimento de lixo flutuante e do fundo, e também em redes lançadas em outras áreas da baía. A esse respeito, o comentário do pescador Hamilton Nego é de irrefutável e amarga concisão: “ Veja o que a Petrobrás fez: acabou com o peixe e agora paga para a gente catar lixo.”
Conclusões.

A sentença foi assinada pelo Juiz Federal Marcio Solter. Dada a longa tramitação, vários juizes da 5ª Vara Federal Criminal de São João de Meriti se sucederam no encargo. Foram absolvidos os acusados pelo vazamento – a Petrobrás havia sido excluída -, alegando-se notadamente falhas na denúncia feita pelos procuradores do Ministério Público (que contesta).
Dado o limitado prazo para a prescrição (oito anos), não cabe recurso para a segunda instância (tribunal de alçada). Assinale-se, a propósito, que a Procuradora da República Ana Paula Ribeiro Guimarães oficiou à Corregedoria da Justiça Federal, elencando deficiências que se verificavam em todas as varas do município de São João de Meriti (inclusive na 5ª em que corria a ação criminal do óleo na Baía de Guanabara), sublinhando nesse contexto a alegada desorganização.
Nesse contexto, aduz o Procurador da República Renato Machado que a impunidade dos responsáveis se deve à combinação de fatores: excesso de procuradores e juízes cuidando do processo ao longo da década, penas máximas muito baixas para crimes ambientais e a exclusão da Petrobrás da lista dos réus.
O caso deste processo ambiental, a sua desorganização e consequente lentidão, a falta de punições, nada disso deve surpreender, porque em nosso país o que deveria ser exceção constitui por assim dizer a regra.
Crimes ambientais desse porte careceriam de foro e de rito judicial que refletissem a relevância da ação em tela, e que garantissem a necessária reparação. O CNJ e a Justiça falam muito de imprimir maior rapidez nos juízos, mas infelizmente a experiência até o presente continua a espelhar a morosidade como regra nas instâncias judiciárias.
As providências tomadas pela Petrobrás, inclusive o centro de defesa ambiental na Baía de Guanabra, são meritórias, mas não bastam. Não se carece de ser especialista para que já em perfunctória passagem pelas margens da Baía de Guanabara se verifique que o trabalho de saneamento e de reposição das condições favoráveis à fauna e à flora é deficiente e, nesse ponto, a responsabilidade recai especialmente nos órgãos do Estado.
Em suma, tal processo deveria ser avaliado pela Justiça e pelo Legislativo, sobretudo com ênfase que sirva de motivação para um exame abrangente, voltado para criar condições legais de que estas situações – reporto-me, é lógico, ao processo judiciário – não mais se repitam. E para tanto somente uma reforma séria e profunda se afigura indispensável.
( Fonte: O Globo )

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