sexta-feira, 17 de maio de 2019

Governo sem lua de mel


             

       Também faz parte da tradição política brasileira, que o novo governante inicie seu período no executivo em atmosfera caracterizada pelo otimismo e a consequente boa vontade. O Executivo se beneficia por conseguinte não da complacência do Legislativo e da Sociedade mas de um clima de boa vontade, marcado por  certo otimismo e conseqüente abertura para o Executivo.

          Tal assinala não só à sociedade brasileira, mas decerto também às demais democracias, em que os ânimos semelham dispostos a um período de abertura,em que se concede aos novos governantes nessas democracias presidencialistas (e parlamentaristas) período marcado pela boa vontade, e certo relaxamento das tensões. Tal constitui uma espécie de interregno, em que gregos e troianos se põe de acordo para fruírem esse período, em atmosfera menos tensa em que se dê aos vencedores das eleições um intervalo de paz para que possa articular as respectivas políticas. Em outras palavras, os vencedores têm a oportunidade de mostrarem ao que vieram, e os perdedores a de exibir o espírito democrático, em que se dá a quem triunfou nas urnas alguma oportunidade de mostrar ao que veio.

            O exemplo clássico dessa pausa de tolerância democrática está no início do governo de Fernando Collor, quando o Congresso não brecou o chamado confisco instituído pelo dito Plano Collor, que propunha para vencer a inflação um congelamento dos depósitos em conta nos bancos, o que se mostraria, apesar de sua violência, ineficaz para combater o chamado dragão, que era um dos apodos com que se "distinguia" a alça dos preços na economia, já naquele tempo bastante elevada. E, sem embargo, a oposição, sob a regra não-escrita de não impedir de imediato o trabalho do novo governante, não se opôs à implementação de tal medida que se provaria desastrosa tanto socialmente, quanto economicamente.
            Como se vê pelo intróito acima,  esse espírito de tolerância para com as proposições dos novos governantes, no caso em tela da novel administração de Jair Bolsonaro, não está sendo observado.

              Ao contrário, os jornais falam de tensão política. Não há tampouco no Congresso mostra de um espírito de abertura e uma tendência democrática que se disponha a proporcionar aos novos governantes da Administração Bolsonaro se não um ramo de oliveira, pelo menos a disposição de uma discussão democrática, em que as Partes ainda ouvem o que dizem os respectivos adversários.
                Tampouco há dúvidas na sociedade brasileira de que os embates que estão ocorrendo estejam sendo precipuamente causados pela falta de um mínimo de tolerância democrática de parte perdedora dessa mesma sociedade.
                  Mas não é só isso o que está acontecendo. Há difusa impressão  de que muitas das dificuldades que estão sendo arrostadas pelo Governo Bolsonaro se devem menos a uma oposição irredutível às propostas que foram sufragadas nas urnas pela eleição da chapa de Jair Bolsonaro, do que à maneira a um tempo atabalhoada e inábil com que a nova Administração intenta implementar os respectivos fins.
                    A par do conteúdo das ideias propostas por Bolsonaro e seus representantes, existe  impressão que tende com o tempo a condensar-se sempre mais, de que há falhas gritantes tanto no procedimento exigido pelas reformas propostas, seja na maneira de implementá-las, seja na sua substância.
                      Estamos diante de quem se crê muito hábil tanto para criar condições de convencer o Congresso a implementar a respectiva proposta do novo Governo, e, ao mesmo tempo, não semelha dar importância à criação de  atmosfera que conduza à concretização de sua proposta de governança, mesmo tendo como princípio o nihil obstat  que o Congresso costuma conceder (o exemplo disso é decerto o Plano Collor, a despeito de sua radicalidade e de seus potenciais males à sociedade, o que de fato ocorreu). Por uma série de circunstâncias, como um ilusionista que não esteja ainda muito à vontade com o próprio ofício, o Governo Bolsonaro se mostra inábil e ineficaz, pois não consegue sequer valer-se daqueles privilégios que as Assembleias concedem aos governantes eleitos da forma com que foi distinguido Bolsonaro e, com menor realce, seu partido.
                          Dessarte, de início foi tal a ineficiência que tem formado essa nuvem que contribui para retirar do entorno político as habituais concessões que são dadas aos candidatos eleitos com a maioria que foi  atribuida a Bolsonaro.
                     
                   Faltam a Bolsonaro e seu entorno - a despeito da inédita força de que dispõem os segmentos que apoiam a sua Administração - a habilidade e mesmo o traquejo para criar uma atmosfera propícia à concessão de crédito de confiança a um candidato que se assinalou nas urnas pelo peso do apoio que logrou aglutinar.
                   
                      Para exemplificar, bastaria, a meu modesto ver, ter presentes as seguintes circunstâncias que caracterizam o governo Bolsonaro e o porquê da atribuição pelo Povo Soberano desse voto de confiança que foi prodigado a Bolsonaro e seu partido nas últimas eleições. Perpassa a isso tudo, semelha forçoso reconhecer, uma névoa de dúvidas que decorrem não das proposições do novel candidato, mas do modus faciendi empregado para tentar implementá-las. Há contradições decerto quanto à substância, notadamente no campo da educação, como a deseja o Ministro designado Abraham Weintraub, mas convenhamos que nesta matéria específica a dose é para leão, e a reação da sociedade brasileira no capítulo é plenamente compreensível e até mesmo óbvia.

                             Com a derrota do PT, sinalizada pelo impeachment de Dilma Rousseff (é difícil não concordar com a oportunidade, tanta política quanto econômica dessa medida, se tivermos presente os fenômenos do mensalão e do petrolão, que rasgaram de par em par a rationale anterior petista, como partido de reforma e de um mínimo de respeito à gerência da coisa pública, abriu-se o campo político - e só não discerniu tal movimento a partir das passeatas de protesto surgidas em São Paulo, em 2013, quem sofria de dissociação aguda da sociedade), o Brasil foi entregue à gestão de Michel Temer, que politicamente se viu na prática encerrada pela estranhíssima gravação da conversa noturna no Palacete do Jaburu, entre o presidente em funções e o representante da Cooperativa de exportação de carne, com os consequentes e desastrosos efeitos desse video-tape que determinam o fim político do Governo Temer e a generosa concessão pelo MPF da viagem do jatão aos Estados Unidos, com toda a família a bordo, dos sócios majoritários na exportação de carne brasileira. Com o consequente escândalo, a Administração Temer ficou impossibilitada politicamente de levar adiante a reforma da Previdência, assim perdendo o Brasil uma oportunidade importante para levar a cabo esta reforma exigida pela situação do Tesouro Nacional.   

                                 Sem embargo, voltemos ao drama político sofrido pelo Governo Bolsonaro, que se tem mostrado por ora incapaz  de manter uma relação construtiva com o Congresso Nacional e valer-se nesse sentido dos privilégios que consuetudinariamente são outorgados às Administrações que acabem de vencer de forma irrecusável uma eleição. Tal no entanto não parece ser o karma do Governo presidido por Jair Bolsonaro, que se debate  em uma relação atribulada com o Congresso.
                                                                                                  
                                                                                                             ( a continuar )



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