Também faz parte da
tradição política brasileira, que o novo governante inicie seu período no
executivo em atmosfera caracterizada pelo otimismo e a consequente boa vontade.
O Executivo se beneficia por conseguinte não da complacência do Legislativo e
da Sociedade mas de um clima de boa vontade, marcado por certo otimismo e conseqüente
abertura para o Executivo.
Tal assinala não só à sociedade
brasileira, mas decerto também às demais democracias, em que os ânimos semelham
dispostos a um período de abertura,em que se concede aos novos governantes nessas
democracias presidencialistas (e parlamentaristas) período marcado pela boa
vontade, e certo relaxamento das tensões. Tal constitui uma espécie de
interregno, em que gregos e troianos se põe de acordo para fruírem esse
período, em atmosfera menos tensa em que se dê aos vencedores das eleições um
intervalo de paz para que possa articular as respectivas políticas. Em outras
palavras, os vencedores têm a oportunidade de mostrarem ao que vieram, e os
perdedores a de exibir o espírito democrático, em que se dá a quem triunfou nas
urnas alguma oportunidade de mostrar ao que veio.
O exemplo clássico dessa pausa de tolerância democrática está no início do governo de Fernando Collor, quando o
Congresso não brecou o chamado confisco instituído pelo dito Plano Collor, que propunha para vencer a
inflação um congelamento dos depósitos em conta nos bancos, o que se mostraria,
apesar de sua violência, ineficaz para combater o chamado dragão, que era um
dos apodos com que se "distinguia" a alça dos preços na economia, já
naquele tempo bastante elevada. E, sem embargo, a oposição, sob a regra
não-escrita de não impedir de imediato o trabalho do novo governante, não se
opôs à implementação de tal medida que se provaria desastrosa tanto socialmente,
quanto economicamente.
Como se vê pelo intróito
acima, esse espírito de tolerância para
com as proposições dos novos governantes, no caso em tela da novel
administração de Jair Bolsonaro, não está sendo observado.
Ao contrário, os jornais falam de
tensão política. Não há tampouco no Congresso mostra de um espírito de abertura
e uma tendência democrática que se disponha a proporcionar aos novos
governantes da Administração Bolsonaro se não um ramo de oliveira, pelo menos a
disposição de uma discussão democrática, em que as Partes ainda ouvem o que
dizem os respectivos adversários.
Tampouco há dúvidas na
sociedade brasileira de que os embates que estão ocorrendo estejam sendo
precipuamente causados pela falta de um mínimo de tolerância democrática de
parte perdedora dessa mesma sociedade.
Mas não é só isso o que está
acontecendo. Há difusa impressão de que
muitas das dificuldades que estão sendo arrostadas pelo Governo Bolsonaro se
devem menos a uma oposição irredutível às propostas que foram sufragadas nas
urnas pela eleição da chapa de Jair Bolsonaro, do que à maneira a um tempo
atabalhoada e inábil com que a nova Administração intenta implementar os respectivos
fins.
A par do conteúdo das
ideias propostas por Bolsonaro e seus representantes, existe impressão que tende com o tempo a condensar-se
sempre mais, de que há falhas gritantes tanto no procedimento exigido pelas
reformas propostas, seja na maneira de implementá-las, seja na sua substância.
Estamos diante de quem se
crê muito hábil tanto para criar condições de convencer o Congresso a
implementar a respectiva proposta do novo Governo, e, ao mesmo tempo, não semelha
dar importância à criação de atmosfera que conduza à concretização de sua
proposta de governança, mesmo tendo como princípio o nihil obstat que o Congresso
costuma conceder (o exemplo disso é decerto o Plano Collor, a despeito de sua radicalidade e de seus potenciais
males à sociedade, o que de fato ocorreu). Por uma série de
circunstâncias, como um ilusionista que não esteja ainda muito à vontade com o
próprio ofício, o Governo Bolsonaro se mostra inábil e ineficaz, pois não
consegue sequer valer-se daqueles privilégios que as Assembleias concedem aos
governantes eleitos da forma com que foi distinguido Bolsonaro e, com menor
realce, seu partido.
Dessarte, de início
foi tal a ineficiência que tem formado essa nuvem que contribui para retirar do
entorno político as habituais concessões que são dadas aos candidatos eleitos
com a maioria que foi atribuida a
Bolsonaro.
Faltam a Bolsonaro
e seu entorno - a despeito da inédita força de que dispõem os segmentos que
apoiam a sua Administração - a habilidade e mesmo o traquejo para criar uma
atmosfera propícia à concessão de crédito de confiança a um candidato que se
assinalou nas urnas pelo peso do apoio que logrou aglutinar.
Para exemplificar,
bastaria, a meu modesto ver, ter presentes as seguintes circunstâncias que
caracterizam o governo Bolsonaro e o porquê
da atribuição pelo Povo Soberano desse voto de confiança que foi prodigado
a Bolsonaro e seu partido nas últimas eleições. Perpassa a isso tudo, semelha
forçoso reconhecer, uma névoa de dúvidas que decorrem não das proposições do
novel candidato, mas do modus faciendi empregado para tentar implementá-las. Há
contradições decerto quanto à substância, notadamente no campo da educação,
como a deseja o Ministro designado Abraham
Weintraub, mas convenhamos que nesta matéria específica a dose é para leão, e a reação da sociedade
brasileira no capítulo é plenamente compreensível e até mesmo óbvia.
Com a derrota
do PT, sinalizada pelo impeachment de
Dilma Rousseff (é difícil não concordar com a oportunidade, tanta política
quanto econômica dessa medida, se tivermos presente os fenômenos do mensalão
e do petrolão, que rasgaram de par em par a rationale anterior petista, como partido de reforma e de um mínimo
de respeito à gerência da coisa pública, abriu-se o campo político - e só não
discerniu tal movimento a partir das passeatas de protesto surgidas em São
Paulo, em 2013, quem sofria de dissociação aguda da sociedade), o Brasil foi
entregue à gestão de Michel Temer, que politicamente se
viu na prática encerrada pela estranhíssima gravação da conversa noturna no
Palacete do Jaburu, entre o presidente em funções e o representante da
Cooperativa de exportação de carne, com os consequentes e desastrosos efeitos desse
video-tape que determinam o fim
político do Governo Temer e a generosa concessão pelo MPF da viagem do jatão
aos Estados Unidos, com toda a família a bordo, dos sócios majoritários na
exportação de carne brasileira. Com o consequente escândalo, a Administração
Temer ficou impossibilitada politicamente de levar adiante a reforma da
Previdência, assim perdendo o Brasil uma oportunidade importante para levar a
cabo esta reforma exigida pela situação do Tesouro Nacional.
Sem embargo, voltemos ao drama político
sofrido pelo Governo Bolsonaro, que se tem mostrado por ora incapaz de manter uma relação construtiva com o
Congresso Nacional e valer-se nesse sentido dos privilégios que
consuetudinariamente são outorgados às Administrações que acabem de vencer de
forma irrecusável uma eleição. Tal no entanto não parece ser o karma do Governo presidido por Jair
Bolsonaro, que se debate em uma relação atribulada com o Congresso.
(
a continuar )
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