sábado, 4 de maio de 2019

Em jogo a tradição diplomática brasileira ?


                 
        A notícia tem o atraso de uma semana, mas diante dos naturais retardos de tais questões, não creio que seja demasiado tarde para evitar-se não só um grave erro no contexto da tradição diplomática brasileira, mas também apontar para as características que marcam a atitude do Brasil através dos tempos em salvaguardar a liberdade de opinião, assim como o direito maior de respeitar a orientação democrática diante das posturas das ditaduras, assumidas ou não.

             É vezo das ditaduras e de regimes assemelhados, como o que vem sendo tentado, uma vez mais, reimplantar na Turquia por Recep Tayyip Erdogan, que a ideologia dos partidos e movimentos de oposição não seja havida como democrática, sendo assacada,até mesmo, de subversiva. A ideologia democrática pode representar um desafio para regimes como o de Erdogan, que desde muito se vem empenhando em radicalizar e até mesmo assacá-la de terrorista, como se vê agora com os procedimentos intentados pela virtual ditadura de Erdogan contra aqueles que, por motivos de consciência, tomam a corajosa postura de opor-se  ao atual regime implantado na Turquia.

             Para nossa tristeza, os trezentos turcos residentes no Brasil e que se opõem ao regime de Erdogan, e que se filiam ao Hizmet, entidade política encabeçada pelo clérigo Fethullah Gülen, asilado nos Estados Unidos, podem vir a ser considerados terroristas, se o governo brasileiro, para vergonha da tradição diplomática de Rio \Branco, vier a aceitar o que lhe tenta impingir o regime corrupto-autoritário de Erdogan. O absurdo de tal rationale é acentuado pelo detalhe  que o clérigo Fethullah Gülen vive há muitos anos nos Estados Unidos da América, o que para pessoas informadas quanto à realidade estadunidense, semelha indicação que expõe como absurda essa ridícula acusação de terrorista a alguém que se refugiara na terra de Abraham Lincoln. O que atemoriza a personagens autoritários como Recep Erdogan é o número de adeptos da pregação do clérigo Gülen, e por isso o tirano de plantão cuida de atribuir-lhe todo tipo de intentona, dadas as carismáticas características da ideologia libertária de clérigo que, não obstante viver no exterior, comanda o respeito de muitas pessoas no estamento turco. Por outro lado, dada a situação de desconforto intelectual advinda da repressão implantada por mais esse tirano oriental, o regime turco sofre dos mesmos sintomas que atenazam as ditaduras de outras paragens do planeta, demasiado afeitas à hipertrofia de imaginários perigos, que, em verdade, correspondem à demasiado explicável insegurança de regimes que vivem no medo e sob o temor de que as próprias falsidades sejam expostas.
                Por isso, o novo governo brasileiro deve dissociar-se das patranhas de Recep Erdogan, e não acolher  a processos de extradição como aquele ora intentado contra o empresário Ali Sipahi, detido desde seis de abril, por acusações espúrias que enodoam a democracia brasileira.

                   O governo nacional brasileiro não está a serviço de ditaduras, nem de regimes autoritários e repressivos, em que os lobos se vestem com a roupagem da democracia,  como a versão turca de Recep Erdogan, eis que felizmente vivemos sob a égide da liberdade, que não costuma lobrigar em cada esquina supostas ameaças ao próprio regime, como sói acontecer aos ditos homens fortes que, na verdade, vivem transidos sob o terror de que o seu mundo de mentiras seja desmascarado pelos intrépidos e perigosos sequazes do regime democrático, que é o anátema de ditadores como Erdogan.

                     O Brasil, enquanto democracia, não deve servir de gendarme das ditaduras, tanto as expostas, quanto aquelas disfarçadas como o atual regime turco.

( Fonte: O Estado de S. Paulo )

Nenhum comentário: