quarta-feira, 29 de maio de 2019

Coexistem maldade e legislação ?


                 

        Piedade e bondade são qualidades por vezes difíceis de encontrar em certas legislações. Tal se deveria, em parte, a um preconceito mais encontrado em povos nórdicos, como se a generosidade possa ser confundida com ou fraqueza, ou mesmo certa frouxidão de caráter.
          Mas o demagogo Donald Trump que se lançou na política estadunidense  com a acusação mentirosa de que os mexicanos atravessavam a fronteira do U.S. A.  não só no que representava transgressão contra o direito, enquanto imigrantes ilegais, mas também com a intenção de estuprarem americanas. Para magnificar esse "perigo" o demagogo acrescentou que se fazia imprescindível construir um "muro" contra essa 'invasão' de 'bandidos mexicanos'.
          Através dos tempos, a muralha tem sido um recurso de civilizações que se sentem ameaçadas por invasões bárbaras. O exemplo típico no caso é representado pela famosa muralha da China, que até hoje tem trechos conservados, por motivos não só de representação do passado, mas sobretudo como atração turística.
          Mas esse apelo ao muro como defesa na fronteira aparece como necessário a civilizações antigas como o Império Romano, e é uma inegável faceta do período de declínio dessas civilizações.
          Trump não é um intelectual, mas a obsessão do muro continua muito presente na sua mente. Nesse sentido, ele vem trabalhando através do seu mandato presidencial para conseguir o montante necessário para tornar realidade a construção dessa "defesa" contra o imigrante mexicano.
           Dada a enorme quantia envolvida - sem falar do milionário desperdício - a construção desse imenso muro, além de ser uma fantasia de descomunal montante,  eis que seu custo em dólares representaria um mega-dispêndio que pelas próprias dimensões financeiras não poderia ser inserido nas rubricas orçamentárias, exigindo para tanto, pelo seu abstruso importe financeiro, não só uma alocação singular no orçamento federal, mas também um investimento tal que correspondesse a uma suposta mega-ameaça  à segurança da Superpotência. Essa falácia não tem resistido às argumentações em contrário, baseadas no manifesto absurdo de um tal dispêndio com essa monomania de barrar a entrada das supostas hordas mexicanas por meio de uma muralha, que de fantasia eleitoral se transforma em singular ameaça de ruinoso investimento.
             As más ideias parecem ter a propriedade de atrair outras piores, se não em dispêndio, pelo menos no quociente de maldade - e mesmo perversidade -.que possam trazer no seu respectivo bojo. A obsessão tem esta característica : a de atribuir a uma determinada atividade características  negativas a tal ponto, que  produz um efeito alucinógeno em agentes públicos que venham a ser encarregados  no seu combate e, na consequente eventual eliminação.
             Explico-me. Quando um conceito determinado - v.g., o combate aos imigrantes ilegais, é assumido de forma mais do que intensa - quando o Drang  de combater o imigrante dito ilegal adquire conotação obsessiva - o alegado empenho em combater essa prática passa a admitir que as forças ditas da ordem principiem a considerar a possibilidade de valer-se de meios, que, se estivermos em sociedade, ou em meios conhecidos, estariam excluídos,  pelo caráter anti-ético da aludida prática.
               Há duas razões para tanto: o mal deve ser combatido com a Lei. Por outro lado, se o princípio da homeopatia admite que o fator negativo venha em auxílio dessa ação, essa regra teria um efeito desastroso na luta contra a imigração clandestina.
                 Pois é exatamente o que está acontecendo nos Estados Unidos. Havia antes no que concerne às migrações clandestinas, e o combate que lhe deveria ser aplicado, um atenuante que se não afetava a ação das forças anti-imigratórias,era visto como uma expressão de humanidade das populações pelas terras dos quais esses migrantes tinham que atravessar, na sua busca do Éden americano. Muitos deixavam barris de água potável para que aquele foragido não da Justiça, mas por causa da justiça,  devia passar na sua trajetória, ditada pela ambição de uma vida melhor.
                   Hoje, os costumes e as obsessões de Trump têm determinado às chamadas forças da Lei - aquelas empenhadas no combate contra a imigração dita ilegal -  que passem a considerar como cúmplices do imigrante clandestino os proprietários de terras pelas quais passem e que lhe dêem água de beber, ou alimentos para que continue na sua jornada. Nesse sentido, desde Donald Trump, já haveria capítulos da lei penal que culpabilizam não só o imigrante dito ilegal, mas também - um fato inédito, e que reflete as características desta legislação republicana - que chega a singularizar a água potável como acessório de um crime.  
                    Há várias outras perversidades nesse campo - e tampouco as autoridades da Lei na terra de Thomas Jefferson  experimentam eventuais dúvidas sobre tais características repressivas, que vão muito além da Taprobana. Ao procederem dessa forma, eles negam água a quem tem sede, e dão tanto aos nacionais que tratam esses imigrantes co-mo seres humanos, assim como àqueles que abominam esse tipo de tratamento, a consciência de que um tratamento como esse  não pode ser associado ao Povo americano.

(Fontes: The New Yorker, Camões)   

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