Piedade
e bondade são qualidades por vezes difíceis de encontrar em certas legislações.
Tal se deveria, em parte, a um preconceito mais encontrado em povos nórdicos,
como se a generosidade possa ser confundida com ou fraqueza, ou mesmo certa
frouxidão de caráter.
Mas
o demagogo Donald Trump que se lançou na política estadunidense com a acusação mentirosa de que os mexicanos
atravessavam a fronteira do U.S. A. não
só no que representava transgressão contra o direito, enquanto imigrantes
ilegais, mas também com a intenção de estuprarem americanas. Para magnificar
esse "perigo" o demagogo acrescentou que se fazia imprescindível
construir um "muro" contra essa 'invasão' de 'bandidos mexicanos'.
Através
dos tempos, a muralha tem sido um recurso de civilizações que se sentem
ameaçadas por invasões bárbaras. O exemplo típico no caso é representado pela
famosa muralha da China, que até hoje tem trechos conservados, por motivos não
só de representação do passado, mas sobretudo como atração turística.
Mas
esse apelo ao muro como defesa na fronteira aparece como necessário a civilizações
antigas como o Império Romano, e é uma inegável faceta do período de declínio
dessas civilizações.
Trump
não é um intelectual, mas a obsessão do muro continua muito presente na sua
mente. Nesse sentido, ele vem trabalhando através do seu mandato presidencial
para conseguir o montante necessário para tornar realidade a construção dessa
"defesa" contra o imigrante mexicano.
Dada
a enorme quantia envolvida - sem falar do milionário desperdício - a construção
desse imenso muro, além de ser uma fantasia de descomunal montante, eis que seu custo em dólares representaria um
mega-dispêndio que pelas próprias dimensões financeiras não poderia ser
inserido nas rubricas orçamentárias, exigindo para tanto, pelo seu abstruso
importe financeiro, não só uma alocação singular no orçamento federal, mas
também um investimento tal que correspondesse a uma suposta mega-ameaça à segurança da Superpotência. Essa falácia
não tem resistido às argumentações em contrário, baseadas no manifesto absurdo
de um tal dispêndio com essa monomania de barrar a entrada das supostas hordas mexicanas
por meio de uma muralha, que de fantasia eleitoral se transforma em singular
ameaça de ruinoso investimento.
As más ideias parecem ter a
propriedade de atrair outras piores, se não em dispêndio, pelo menos no
quociente de maldade - e mesmo perversidade -.que possam trazer no seu
respectivo bojo. A obsessão tem esta característica : a de atribuir a uma determinada
atividade características negativas a
tal ponto, que produz um efeito alucinógeno
em agentes públicos que venham a ser encarregados no seu combate e, na consequente eventual eliminação.
Explico-me. Quando um conceito determinado -
v.g., o combate aos imigrantes ilegais, é assumido de forma mais do que intensa
- quando o Drang de combater o imigrante dito ilegal adquire
conotação obsessiva - o alegado empenho em combater essa prática passa a
admitir que as forças ditas da ordem principiem a considerar a possibilidade
de valer-se de meios, que, se estivermos em sociedade, ou em meios conhecidos, estariam excluídos, pelo caráter
anti-ético da aludida prática.
Há duas razões para tanto: o mal deve ser combatido com a Lei. Por outro
lado, se o princípio da homeopatia admite que o fator negativo venha em
auxílio dessa ação, essa regra teria um efeito desastroso na luta contra a
imigração clandestina.
Pois é exatamente o que está acontecendo nos Estados Unidos. Havia antes
no que concerne às migrações clandestinas, e o combate que lhe deveria ser
aplicado, um atenuante que se não afetava a ação das forças
anti-imigratórias,era visto como uma expressão de humanidade das populações pelas
terras dos quais esses migrantes tinham que atravessar, na sua busca do Éden
americano. Muitos deixavam barris de água potável para que aquele foragido não
da Justiça, mas por causa da justiça,
devia passar na sua trajetória, ditada pela ambição de uma vida melhor.
Hoje, os costumes e as obsessões de Trump têm determinado às chamadas
forças da Lei - aquelas empenhadas no combate contra a imigração dita ilegal
- que passem a considerar como cúmplices
do imigrante clandestino os proprietários de terras pelas quais passem e que
lhe dêem água de beber, ou alimentos para que continue na sua jornada. Nesse
sentido, desde Donald Trump, já haveria capítulos da lei penal que culpabilizam
não só o imigrante dito ilegal, mas também - um fato inédito, e que reflete as
características desta legislação republicana - que chega a singularizar a água
potável como acessório de um crime.
Há várias outras perversidades nesse
campo - e tampouco as autoridades da Lei na terra de Thomas Jefferson experimentam eventuais dúvidas sobre tais
características repressivas, que vão muito além da Taprobana. Ao procederem dessa forma, eles negam água a quem tem
sede, e dão tanto aos nacionais que tratam esses imigrantes co-mo seres
humanos, assim como àqueles que abominam esse tipo de tratamento, a consciência
de que um tratamento como esse não pode
ser associado ao Povo americano.
(Fontes: The New Yorker, Camões)
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