A
manchete estava metida dentro de página de jornal. Ela me chamou a atenção
paradoxalmente pela sua falta de originalidade. Veja, sr. leitor, a situação na
Nicarágua. Depois de uma tentativa fracassada de apertar o dinheiro reservado
para a aposentadoria da população, a reação do povo foi uma revolta que, com o
tempo, se espalhou pelo interior do país.
Na América Central há tradição
de que os governantes se eternizem no poder. Como, em geral, a popularidade
dificilmente acompanha o poder, quanto mais tempo o presidente permaneça no
palácio, a chance não será pequena que a impopularidade comece a fazer-lhe
companhia.
A Nicarágua é um
exemplo dessa síndrome de rejeição ao poder. Depois de um tempo, começam a
pulular os indícios desse mal universal que é a corrupção. Os sinais de
opulência tendem a agredir a gente governada, que ressente os indícios do favor
e do privilégio. Por mais pobre que seja um país, o seu povo se sente afrontado
pela riqueza que vê ou imagina naqueles próximos do poder.
Como tudo é relativo
na vida, os sinais da corrupção dos poderosos tendem a agredir os governados.
Até que essa corrupção tenderá a ser menor do que a dos países maiores, mas não
tenham dúvida. Não há como escondê-la. Ela se vê nos policiais nédios e
violentos, nos protegidos do ditador - nesses, as mostras estão nas casas, que
sempre luzem melhores e mais brilhantes do que as choças do povaréu.
Essa aura que cerca o poder,
ela tende a afastar a gente comum. De início, pela soldadesca que a contorna,
num abraço de proteção que o povaréu não tem.
Se o poder tende
a separar a autoridade do zé povinho, não costuma ser por uma aura republicana,
mas sim pela afirmação do privilégio que sói ser agressivo, como alguma
autoridade que reclame para si mesma um espaço bastante mais amplo do que
aquele do comum dos mortais. E esse fasto do poderoso tem formas diversas.
Mesmo uma suposta simplicidade republicana pode agredir o povaréu pela
distância que sói tomar dos governados.
Assim, o espaço
da autoridade tende a agredir o homem do povo. Primeiro, pela sentinela que
dele o afasta. Segundo, pela separação que ele traz consigo. E terceiro, pelas
diversas formas em que o acesso à casa do poder é vedado ao popular.
Na distância e
nos obstáculos que a concretizam estão tanto o encanto do poder, quanto a inextricável
maldição que com ele convive.
E,
no entanto, o governante, como Ortega, se conforma com os símbolos de um poder,
que pode e deverá afastá-lo com o passar do tempo do povo que alguns chamam de
soberano.
Só que essa separação é
contingente. Faz parte do problema.
In Memoriam da Médica brasileira
que foi morta por capangas da ditadura Ortega
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