Diante da confusão no
governo, e sua falta de unidade, refletida nos ires e vires da "líder"
Theresa
May, tem crescido bastante nos últimos tempos a insatisfação no
Parlamento, notadamente no principal partido da Oposição, que é o Labour
(Trabalhista ) de Jeremy Corbyn. Acresce notar que o próprio Corbyn tem especial
inclinação pelo euroceticismo, o que tende a aumentar a reinante balbúrdia.
De uns tempos
para cá, no entanto, o euroceticismo tem mostrado alguns matizes que semelham
ir ao encontro de certa inclinação no partido de Attlee que favoreceria a composição
com Bruxelas. Assim, tendo como pano de
fundo as piruetas (antics) dos gêmeos Johnson, e a mediocridade da
Primeira Ministra May, o Partido Conservador - que semelha ser o esteio dos
"princípios" do brexit -
reflete uma genérica falta de coordenação e de senso objetivo quanto a obter da
parte continental europeia um acordo tipo soft
brexit (brexit suave).
Nesse quadro de
falta de liderança de quem é suposta exercê-la, a outra parte, representada por
boa parte dos trabalhistas, tem procurado avançar em uma linha que abra a
possibilidade de acordo com Bruxelas, passando pelo prelúdio de um novo
referendo.
Com a ambição
espicaçada pela probabilidade de eleições antecipadas, o líder da Oposição, Jeremy
Corbyn, parece cultivar a possibilidade de recuperar a maioria em
Westminster, enquanto se apega simultaneamente a uma estranha adesão ao culto
do ambíguo quanto ao tópico cardeal no corrente embate ideológico-partidário na
Inglaterra - vale dizer, acreditar possível marcar o próprio norte pelo Remain
( i.e., optar pela permanência na U.E.) e ao mesmo tempo, à primeira vista incongruamente,
abraçar a mensagem do brexit.
Talvez pensar no poema-livro de Carlos
Drummond de Andrade, o Claro
Enigma, possa ajudar de alguma forma a deslindar o que semelha ter todo o
aspecto de inarredável contradição. Cultivar em público a possibilidade de
ensejar o convívio de dois conceitos antagônicos, como se se pudesse carregar a
dúvida como espécie de bengala, para que esse anti-conceito fosse capaz de
manter-se incongruamente viável diante
das arremetidas de campos opostos, constitui decerto um preciosismo retórico, mas em se tratando das idiossincrasias do
presente líder do Labour, não poderia
ser excluído.
Para
muitos, o chefe do Labour prima por
uma atitude pouco consentânea com a de quem pretenda liderar gabinete
a sair das próximas eleições. Como toda a ideia nova, não há negar a própria originalidade, o que
tende a constituir uma espécie de passe-livre para viabilizar algum caminho de
meta-entendimento com a União Europeia.
Rogo a paciência do
leitor para dois aspectos que estão nessa proposta. De um lado, ela trata o paradoxo
como um instrumento. Ao admiti-lo como se fora espécie de contestação que
tentaria com ela conviver, não estaria o líder trabalhista convidando para a
mesa de jantar conceitos antagônicos na aparência, mas que na realidade não
excluem uma forma de coexistência?
Não
há negar que o brexit coexiste com inúmeros
erros. A proposta tem ranço reacionário, ao negar a óbvia plenitude lógica do
europeismo, surgido na usina de seu núcleo do carvão e do aço, e na obra de
recomposição e reconstrução de o que o flagelo da guerra destruíra - contra o
fanatismo terrorista de Gavrilo Princip
e a destruição cósmica que esse atentado acarretaria.
No plebiscito do brexit, no seu veleitarismo e
consequente primarismo, a necessidade da
união europeia avulta como injunção de nova Europa, em que a soberania
individual seja posta de lado, como os velhos trajes dos cortesãos de aristocracias
peremptas. Dado, no entanto, o caráter complexo e mesmo delicado do tema, e o
travo amargo da soberania individual de estados que na prova da História tinham
indicado da sua carente necessidade de travas e instrumentos conducentes a
consensos e não a regimes fundados em premissas do absolutismo e da negação da
liberdade, como ora se busca implantar em Hungria e Polônia, vestindo os velhos trajes dos regimes
da MittelEuropa do entre-guerras, Jeremy
Corbyn talvez busque conseguir melhores condições para o remain,
enquanto trata de compor as eventuais
resistências à restauração da situação antebélica com as necessárias
composições, seja para aplainar o caminho da marcha para um new deal que esvazie núcleos porventura
resistentes - seja no Continente, seja nos remanescentes bolsões ingleses,
alargando e pavimentando a avenida para
a sua triunfal afirmação eleitoral, com a volta ao aprisco de uma Inglaterra
por fim pacificada.
(Fontes:
Carlos Drummond de Andrade; Sean McMeekin, Basic Books; O Estado de
S.Paulo; The Independent ).
Nenhum comentário:
Postar um comentário