O Reino Unido continua dilacerado por um
nacionalismo que a inépcia de David Cameron chamara de volta, concordando em
realizar mais um plebiscito sobre a permanência na União Europeia. Acabou sendo
ouvido o reclamo por mais uma chance, feito notadamente pela estridente extrema
direita e por outros mais personagens que pensam na reedição de glórias
passadas quando a Inglaterra governava o mundo com a própria esquadra, e os
braços longos do império aonde o sol não se punha.
A par desse nostálgico
sentimentalismo - em que os proponentes de romper os liames com o Continente se
inspiravam - , em verdade ele se fundava
em visões pouco realistas da atualidade na Europa e no mundo. Não era difícil
entender a pertinácia daqueles personagens que tinham da realidade
econômico-política do século XXI uma visão tingida seja por velhos
preconceitos, seja pela ignorância e o simplismo de concepções arraigadas, a
par de propósitos confusos e de miríficos planos de jogar, ainda que
metaforicamente, nos alvos penhascos de Dover, os supostos e até mesmo reais
crimes cometidos por ingleses que, uma vez desaparecido da cena européia, em
Colombey-les-deux Eglises o herói francês Charles de Gaulle, a quem Londres, em
hora sombria para a causa do Ocidente e da Democracia, dissera não e passara a
preparar, junto com Winston Churchill, a
longa batalha que só terminaria no abrigo subterrâneo do Fuhrer.
Não tardaria muito em que de uma
Europa arrasada pelo conflito se reiniciaria a construção da Comunidade
Econômica Europeia, com nomes cuja grandeza surge não pelos cargos políticos
porventura ocupados, mas pelo seu trabalho paciente para recompor um novo
Continente político, que para melhor arrimar-se recorria ao aço e ao carvão,
para reconstruir, de um velho continente arrasado pela insânia guerreira, um
novo futuro, fundado na paz e na indústria.
Dentre os personagens que compõem a
caminhada pelo Brexit, decerto não
havia mais entre eles os representantes do partido Conservador e do Labour, que tinham tenazmente
atravessado as duras negativas do general de Gaulle, que a partir de uma
conferência de imprensa - reuniões no Elysée assim chamadas embora mais fossem
longos monólogos do velho líder, que a Álbion tinha acolhido nas suas terras,
enquanto no continente europeu o poderio germânico parecia invencível.
Os vetos do general de Gaulle,
tantos anos depois, não arrefeceram o ânimo dos líderes ingleses que batiam à
porta da Comunidade Econômica Europeia. Não os movia nem a nostalgia, nem
superficiais desejos construídos por efêmeros anseios. Era movimento
capitaneado por conservadores e trabalhistas, fundado não em sonhos mal
digeridos, ou em propósitos do momento. Com a pertinácia que é própria da
nacionalidade, o Reino Unido se juntou àquela caminhada europeia. Era um
desígnio nacional, porque os políticos que tinham na própria jornada entendido
de o que significa representar um povo,
abraçavam uma meta que, de certo modo, transcendia a todos, que é o da
busca intemerata não por ilusões que qualquer demagogo pode abraçar, mas por um
amanhã que encarasse com serenidade e firmeza o melhor futuro onde construir a
continuação da própria caminhada.
A respectiva condição insular,
que tanto contribuíra para sua projeção através dos tempos, mostrava agora que
a História - essa construção humana que reflete a caminhada dos povos, seus
êxitos, tropeços, suas horas difíceis e da própria realidade das nações -
apontava para que a velha Inglaterra não batesse em vão na aldrava do ingresso
na Europa Continental, e que, sacudindo antigos preconceitos, buscasse o
próprio lugar na comunidade econômica dos povos tão europeus quanto a velha Álbion,
para participar da travessia por uma presença mais estruturada em antigas
nações, que após milênios substituem estruturas hierarquias imperiais pela
cooperação comum de tantas nacionalidades que partilham do mesmo solo e de
tantas tradições e usanças forjadas nessa invisivel usina de reinos, regiões,
repúblicas e potestades, amiúde tão próximas nessa terra, de gente abraçada pelo
enigma da cercania, das línguas e das práticas, por vezes tão diversas e tão prenhes de inopinados desafios.
Por
uma série de circunstâncias, o capricho de um político de uma nota só cairia no
colo de quem não teria a necessária atenção nem a inteligência de assumir que a
pressa muita vez ao invés de responder e arrostar a um desafio pode dar-lhe
forças que ele não tinha quando lhe foi posto sobre a mesa.
A crônica das nações está
cheia desses personagens que pensam tergiversar com o destino e, para tanto, imaginam
que o próprio desinteresse justificaria um tratamento apressado, superficial, e
necessáriamente estulto de problema que se arraste por tempo demasiado, mas que
como tantos outros, aguardam apenas o momento em que a insânia se põe ao largo,
e a indiferença da autoridade, e seu consequente menosprezo por subestimada
causa, não tarda em carregar para um conhecido penhasco o político que pensara
conceder à ideia estulta só um destino breve e medíocre, quando na verdade, ora
desperto pela própria estupidez, ele a via crescer, mostrando-lhe insuspeita,
demônica força, que um misto de indolência de alguém incapaz de separar o joio do trigo,
se via condenado a entrar na História pela porta dos fundos.
(a
continuar)
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