quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Primeiro 'mandato' de Xi, ou viva a diversidade

           

      Xi Jinping nunca foi surpresa para os especialistas. Com a sua admiração por Mao, a força da respectiva biografia e apoio interno comunista, ele jamais terá dado indicações de eventual 'fraqueza' ou tendências liberalizantes.
      As fotos divulgadas pela mídia, sob o peso de enormes bandeiras amarelo e vermelho, e os dísticos da foice e do martelo, transmitem a mensagem do homem de terno escuro que sozinho discursa no pulpito da vez, encimado por fileiras de temíveis dignitários, quebradas aqui e ali - mas nunca nas primeiras filas - pelo raro e discreto brilho de mais claros tecidos femininos.     

       À frente está Xi, sinalizando para os anônimos delegados da vez, as ordens que o primeiro quinqüênio felizmente conclui, e as rituais determinações do segundo.
        Embora a decoração possa ser diversa, o cerimonial das ditaduras raramente muda. Talvez a intrínseca força da personalidade da vez tenda a mandar sinais para os conhecedores que transmitam variáveis correntes, mas se nos ativermos ao conjunto, essas variações costumam ser muito raras. Através dos tempos, tais hieráticos quadros nos falam do poder cuja diversidade será sempre ilusória.

         Ao contrário das democracias, a regra estará na unidade das formações. Se os tempos são diversos, a monotonia desaparece e ressalta a originalidade singular do grupo. Por isso, os líderes serão tanto mais temíveis e criativos, quanto mais irrequieta e turbulenta a assembléia.

          Recordo-me das imagens da assembléia revolucionária francesa, irrequieta e percorrida por ondas humanas, que ali espelham as paixões populares. Ver assim na tribuna a composta figura do líder Maximilien de Robespierre, com a sua peruca velho regime, não nos transmite impressões dos tempos da monarquia, mas o impetuoso despertar das multidões, que, através do laço pungente da câmara de Abel Gance nos lança e nos confronta sob a metafórica força de enormes vagas oceânicas.

           Ali vemos, em aparente desordem, a pujança da turba ingente, que, a um tempo, assusta e entusiasma. Talvez sejam os poderes do demo, misturados aos da divindade, que em tempos diferentes e, por conseguinte, difíceis, não só atemorizem, mas também motivar possam.
            Tenham-se, por conseguinte, bem presente não só as armadilhas, senão a aparência tão desregrada quanto imaginosa das verdadeiras revoluções.

             Quão diversa é a ordem das comportadas ditaduras se se ousa compará-la à irrequieta, imprevisível e impulsiva imaginação do ideário das ingentes fantasias da irrepressa contestação.

              Dessarte, os grandes elogios da História, essa velha meretriz para quem o mundo não tem segredos, seja de alcova, seja da liberdade sem peias, não se dirigem a essas amorfas massas de compostos anônimos assistentes, senão às desregradas turbas que a cultuam, quer no cúmplice segredo dos próprios recintos, quer na aberta entrega à solene missa e, ainda melhor, nas uníssonas sinfonias dos alçados, álacres alaridos das alegrias estranhas que se escondem nos espaços do espírito sem a estreiteza nem a estolidez das ditaduras,sejam elas orientais ou ocidentais.



( Fonte:  O Estado de S. Paulo; Napoléon, de Abel Gance (1927) )

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