terça-feira, 31 de outubro de 2017

A gestão do Congresso por Temer (III)

                   
           Com o impeachment de Dilma e a ascensão de Temer, os custos da governabilidade despencaram e alcançaram os níveis mais baixos da série histórica (média de 15,4 pontos). Além disso, houve uma inversão radical na sua composição, com 70% dos recursos distribuídos entre parceiros da coalizão e 30% direcionados ao PMDB.
            Nota-se ainda o aumento do número de propostas legislativas de autoria do Executivo, inclusive reformas constitucionais, a indicar que o Presidente recuperou o poder de agenda no Congresso. Por fim a taxa de sucesso dessas iniciativas cresceu consideravelmente.
            Isto é, como o gráfico indica, o governo Temer tem sido mais eficiente que seus predecessores, com aumento do apoio legislativo obtido a um custo relativamente baixo.
            Dito de outro modo, Temer tem sido mais feliz que seus anteces-sores ao perseguir o objetivo de todo presidente na administração de um governo racional: maximizar o apoio político com o menor custo possível.
            Num ambiente multipartidário, os riscos de conflitos entre o Executivo e o Legislativo  podem ser multiplicados ou reduzidos de acordo com as escolhas que o presidente faz para gerenciar sua coalizão. Portanto, ao definir quantos e quais partidos integrarão sua base, o Chefe do Executivo precisa levar em conta a preferência ideológica desses parceiros, determinar a quantidade de poder e de recursos que serão compartilhados entre eles e, finalmente, analisar se a preferência da sua coalizão espelha a preferência do Congresso.
            Essas escolhas são muito importantes, pois elas têm consequências decisivas para a capacidade de governo de um presidente e para a qualidade de suas relações com o Legislativo.
            Quanto maior o número de partidos na base, quanto maior a hetegeneidade ideológica entre eles, quanto menor a proporcionalidade na alocação de recursos (políticos e monetários) e quanto maior a dife-rença entre as preferências da coalizão e as do plenário do Congresso, maiores serão as dificuldades de coordenação dos aliados e por conseguinte,  maiores os custos de governabilidade.
            Entretanto, quero destacar que o equilíbrio em uma coalizão não é estático. Pode variar diante de choques externos ou internos (crise econômica, escândalo de corrupção, etc.) e quando os membros da coalizão (presidente e partidos) decidem renegociar a aliança à luz de novas condições (uma sigla passou a ser mais importante ou o presidente se fragilizou, por exemplo).
            Modificados os termos da negociação, o governo precisa alcançar novo equilíbrio, o que engendra uma nova matriz de custos.
Diferenças. Quando se analisam esses fatores, ficam evidentes as dis-paridades das escolhas de montagem e gerência de alianças.
            FHC, por exemplo, montou uma coalizão com um número baixo de parceiros (média de 4 e 4,6 siglas). A heterogeneidade ideológica de seus governos foi muito parecida e relativamente baixa.31 e 30,5 pontos, respectivamente - cálculo feito a partir dos dados de ideologia partidária propostos por Timothy Power e Cesar Zucco (2012), através de pesquisa de opinião entre os próprios legisladores.
             Com a chegada do PT ao poder, especialmente no primeiro mandato de Lula, a heterogeneidade ideológica da coalizão governista aumenta bastante, alcançando o patamar de 48 pontos,na média.Parti- cularmente nos seus primeiros meses de governo, a base aliada atingiu o pico de diversidade ideológica na série, com 54 pontos.
            No segundo mandato do petista, o valor médio da heterogeneidade da coalizão caíu um pouco, mas ainda permaneceu comparativamente muito alto, com 42 pontos. O número de siglas na base governista também era elevado (média de 7,7 e 9,1 partidos no primeiro e segundo governos, respectivamente).
           Dilma também montou coalizão com um grande número de le-gendas (média de 7,8 e 7,9 partidos). No primeiro mandato, a heteroge- neidade média da base voltou a subir para 45,5 pontos, demonstrando mais uma vez a dificuldade do PT de montar alianças congruentes com seu perfil ideológico.
          Após sua reeleição, com uma estratégia clara de sobrevivência política, Dilma reduziu bastante a heterogeneidade média de sua coalizão, mas ainda assim para um nível elevado (quase 37,7 pontos).
          Temer,por sua vez, lidando com a maior fragmentação partidária da história do presidencialismo brasileiro, montou uma coalizão com o maior número de aliados (dez). Ainda assim, tem conseguido gerenciar a coalizão ideologicamente menos heterogênea da série, apenas 27,1 pontos na média.
          Essa constatação empírica joga por terra a pressuposição de que fragmentação partidária necessariamente leva presidentes a gerenciar coalizões ideologicamente heterogêneas ou mais caras.
Divisão de Poder.  Com relação à concentração de poder, ela foi medida pelo índice de coalescência, consagrado na literatura (Octavio Amorim Neto, 2006), que mede o grau de proporcionalidade entre o gasto com os partidos e o peso de cada um deles na coalizão- quanto mais próximo de cem, mais proporcional é a divisão de poder.
          Temer, além de reduzir o número de ministérios, decidiu com-partilhar muitos espaços com os aliados. Essa estratégia levou sua coalizão a apresentar o nível mais alto de proporcionalidade da série (média de 80,4 pontos).
           As gestões do PT, em contraste, tiveram tendência de baixo com- partilhamento de poder com aliados. Lula, em seu primeiro mandato, alocou 21 (60%) dos seus 35 ministérios para membros do próprio PT, que ocupava 18% das cadeiras na Câmara. O PMDB, que detinha 15% de cadeiras na Câmara, recebeu dois ministérios (6%). Em consequência, a proporcionalidade de sua coalizão foi relativamente mais baixa (média de 65,5 pontos).
         No segundo mandato, Lula melhorou a proporcionalidade da coalizão (média de 69,1 pontos), mas o índice de coalescência ainda ficou abaixo do registrado nos governos FHC (média de 71,4 e 73,8).
         Dilma manteve prática muito parecida com o padrão monopolista do governo Lula, com 46% dos ministérios distribuídos para o PT no primeiro mandato, partido que ocupava 17% de cadeiras na Câmara. A proporcionalidade de sua coalizão ficou em torno de 68,9 pontos. No seu segundo mandato, fez um esforço considerável de compartilhamento de poder com os aliados, alcançando média de 75,6 pontos.
         A decisão de Dilma de montar coalizões menos heterogêneas e menos monopolistas proporcionaram uma redução em seus custos de gerência. É possível, porém, que esse esforço tenha ocorrido tardiamente, pois não foram efetivos para evitar a quebra da coalizão e barrar seu impeachment.
          E mesmo que do ponto de vista aritmético coalizões petistas tenham sido majoritárias, suas preferências ideológicas, na média, ficavam distantes das preferências do plenário. A exceção ficou por conta do segundo mandato de Dilma, quando, numa tentativa quase desesperada de sobrevivência, aproximou-se da mediana do plenário.
          FHC e Temer, por outro lado, montaram coalizões que, na média, espelharam as preferências ideológicas do plenário.
          Os impactos das escolhas na gerência da coalizão vão além dos custos da governabilidade. A depender das circunstâncias, eles podem afetar a dinâmica do Congresso e ajudar a determinar o resultado da eleição para a presidência da Câmara, por exemplo, peça-chave no controle da agenda legislativa.
Jogar o Jogo. Com frequência, o papel relevante de Eduardo Cunha (PMDB-RJ)  no impeachment de Dilma é tomado como elemento exógeno, como se sua ascensão repentina fosse obra do imponderável. Essa perspectiva, no entanto, desconsidera como e porque ele chegou ao co-mando da Câmara.
           A emergência e a atuação de Cunha resultaram das escolhas de gerência de coalizão do PT, e não de disfuncionalidades do presidencialismo de coalizão ou de idiossincrasias da personalidade do ex-deputado. Não fosse a estratégia monopolista de gestão da base aliada e a tentativa petista de desidratar o PMDB, talvez a eleição para a presidência da Câmara tivesse desfecho diferente.
            Para um parceiro político que já não vinha sendo recompensado de acordo com o seu peso no Congresso durante todos os governos petistas, a quebra da coalizão parecia uma questão de tempo e de oportunidade. O acúmulo de animosidades era evidente.
            Naturalmente, a exposição de contas secretas de Cunha, feita no bojo da Lava-Jato, abalou o equilíbrio da coalizão. O preço que ele cobrou pela sua proteção se tornou proibitivo para o governo e o PT, mesmo diante dos riscos de que o então presidente da Câmara desse sequência aos sucessivos pedidos de impeachment.
             O jogo, assim, adquiriu uma dimensão de sobrevivência individual,e as promessas do governo de salvar Cunha da cassação deixaram de ser críveis; desde o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal,os órgãos de controle saíram do controle dos políticos.
              Diante de sucessivos mal-entendidos, insatisfações pelas pro-messas não cumpridas e pelo acesso reduzido ao poder e a recursos controlados desproporcionalmente pelo PT, os aliados começaram a construir alternativas para aumentar  o seu poder de barganha nas negociações  e tentar reequilibrar a distribuição de poder e recursos.
             Em presidencialismos multipartidários, portanto, o presidente precisa saber manusear as ferramentas de manutenção e gerência de sua coalizão se quiser ser efetivo no Legislativo a um custo de governabilidade relativamente baixo.
             Além do mais, o Executivo não pode ignorar as preferências do Congresso se desejar terminar o seu mandato, mesmo que isso implique perdas de sua popularidade e/ou ajustes momentâneos de sua preferência política.
            Numa inversão do ditado americano sobre o governo paralisado diante de uma ineficiênte gerência de coalizão,o contrário do progresso  deixa de ser o Congresso e passa a ser o próprio presidente.

( Fontes: Carlos Pereira em Folha de S. Paulo )


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