sábado, 14 de outubro de 2017

Atalhos para o Arbítrio?

                           

      Merece atenção especial o editorial hodierno do Estado de S. Paulo, a propósito da prisão preventiva mantida pelo TRF 3º dos irmãos Joesley e Wesley Batista, decretada pelo Juiz da 6ª Vara Federal de São Paulo, em inquérito que apura o uso indevido de informação privilegiada em operação financeira.
       Também a nova Procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou parecer ao STF a favor da manutenção da prisão preventiva de Joesley Batista e de Ricardo Saud, decretada pelo Ministro Luiz Edson Fachin após o então procurador-geral  Rodrigo Janot, relatar de gravação com indícios de irregularidade, no que tange à notória colaboração premiada  dos dois indigitados acima com a PGR.
        Diante da impressão de que a Justiça afinal conseguiu superar sua tradicional morosidade, é importante, no entanto, ter presente que a ocorrência de tais melhorias foi produto de mudanças na legislação, que terá permitido aos responsáveis agilizar as investigações.
        Como enfatiza, no entanto, o Estadão nem todas as mudanças na lei penal e processual penal merecem aplausos irrestritos. Com efeito, e dependendo de sua interpretação, não poucas dessas alterações podem configurar um perigoso atropelo do devido processo penal.
         É o que estaria ocorrendo com a Lei 12.403/11, que ampliou a aplicação das chamadas medidas cautelares. Nesse sentido, a legislação passou a permitir, dentro de caráter de normalidade - e não como exceção - a antecipação de medidas que deveriam ser aplicadas apenas no fim do devido processo legal.
           Sob tal pressuposto, se a prisão é uma pena, habitualmente ela deve ser aplicada somente depois de o Estado comprovar, por meio do cumprimento rigoroso do processo penal, quem foi o criminoso.  Ao aplicar medidas restritivas de liberdade no início do processo penal - e, às vezes, antes mesmo do processo, em fase investigativa -, fere-se o princípio da presunção de inocência, dando por certo que o réu, ou o investigado, é culpado.
              Dentro desse tortuoso raciocínio, o uso generalizado da prisão preventiva no País nos últimos tempos evidencia que ela se tornou uma antecipação de pena, o que é manifestamente ilegal. Com frequência, por conseguinte, veem-se pedidos de prisão do Ministério Público sem uma mínima fundamentação, havendo apenas alusões a eventuais e genéricos riscos à investigação, à instrução criminal, à ordem pública e à aplicação da Lei penal.  Não raro, o raciocínio de fundo é simplório: o réu é culpado e, portanto, ele tentará destruir as provas e, nesse contexto, será preferível prendê-lo...
                 Esta Lei nº 12.403/11 exige, em verdade, aplicação cuidadosa. Pois ela permite ao Juiz, em caso de descumprimento de medida cautelar, decretar a prisão preventiva do acusado, ainda que a pena prevista para o suposto crime não seja a prisão de seu autor (!). Antes de ser condenado, o acusado poderia, em tese, receber uma pena mais pesada do que aquela que poderia receber ao final do processo - o que é um óbvio contrassenso.
                  Por certo, às vezes, a prisão preventiva será necessária. O que não se pode fazer é transformá-la em algo habitual, como se ela solucionasse o problema da impunidade. A solução é justamente fazer cumprir o processo penals. Não é apenas prender.
                  Essa antecipação das consequências do processo penal - o fenômeno que juristas chamam de "cautelarização do processo"  - induz a grave erro.  Transmite a impressão de que a justiça foi feita quando, em verdade, ela ainda está em suas fases iniciais. 
                   Ora, sem processo, não há justiça possível.  Os atalhos para a eficácia do Judiciário são, na verdade, caminhos para o arbítrio.

( Fonte:  O Estado de S. Paulo )


                    Creio este editorial como de grande importância. A antecipação da pena - na sua face virtual - é decerto uma simplificação perigosa e cômoda para tentar diluir a difundida impressão da morosidade na Justiça. É preferível que a justiça seja lenta, ao invés de demasiado rápida, para que se evite a injustiça do pré-carimbo de culpado.

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