terça-feira, 3 de outubro de 2017

Dos ciclistas e dos pedestres

                                 

         De uns tempos para cá dizer que aumentou o uso da bicicleta no Rio seria uma imprecisão.  Pois os ciclistas - em Ipanema, pelo menos - estão em toda parte.
         Mas não imagine, caro leitor, que essa explosão da bicicleta se situe nas ruas e logradouros cariocas. Ela, na verdade, tem aumentado bastante, mas esse incremento não se vê especialmente nas ciclovias, nas ruas e avenidas.  Os ciclistas preferem a prudência e para tanto invadem espaços que não lhes pertencem.
         Quanto estive - e não faz muito - em Paris, a utilização da bicicleta também me despertou a atenção, porque divergia bastante da época anterior em que tivera a felicidade de residir por uns três anos na cidade luz. Uso o perfeito do passado e não por acaso. Faz muito tempo em que a carreira diplomática me levou àquela metrópole da Humanidade. 
         E por que razão  o emprego da bicicleta diferia então de o que ele é atualmente ?  Hoje a bicicleta é muito mais utilizada para o transporte individual do que no passado. Embora também sirva para fins de passeio, o usuário ciclista francês utiliza vestuário próprio, pelo menos com uma espécie de capacete de couro para proteger-lhe a cabeça, além de calçado próprio para tal transporte. Mas essa diferença com o informalismo do ciclista brasileiro não se limita à vestimenta. O ciclista francês procura ater-se à sua via, e respeita todas as sinalizações do trânsito, parando nos sinais, como se fora um veículo como os outros, o que de fato o é a bicicleta em Paris.
           A despeito do individualismo desse transporte, em Paris o ciclista não invade espaços que sabe não serem seus, e assim procede não só por disciplina, mas também por inteligência, para adequar-se às vias que mais lhe protegem. Não ignoro que no Brasil - e nas grandes metrópoles, como Rio e São Paulo - também o ciclista tem todo interesse em adequar-se às leis do trânsito, porque elas também existem para eles.
            Sem embargo, no Rio, é muito comum ver ciclistas virem pela contramão, como um - que depois se desmanchou em desculpas - e que quase atropela minha esposa.  Isto seria inadmissível na Cidade-Luz não só porque existem disposições regulamentares, mas também pela circunstância de que os usuários desse meio de transporte têm muita consciência de o que ele lhes oferece, e de o que devam ter presente em termos da própria segurança e daquela dos demais.
            Ao ver um ciclista carioca, em geral se contempla o retrato do individualismo, levado infelizmente às últimas consequências, porque pressupõe uma rebeldia que não faz nenhum sentido,  se pedala-se  uma bicicleta que pela sua intrínseca fragilidade carece de que os demais também obedeçam as regras do trânsito.
             Assim, ao invés de o que fazem em Pindorama, é também do respectivo interesse não só respeitar os sinais - ao contrário do trêfego ciclista carioca que vinha pela contramão e à toda, pondo em risco a segurança de minha esposa. Tais senhores, depois do incidente, se desmancham em mesuras e desculpas. Creio muito melhor dispensá-las, enquanto se obedece, no interesse comum, à lei que é para todos.
              Por isso, me permito discordar quando entoam loas ao ciclista tupiniquim. Além de falta de cultura, a ausência de disciplina e de respeito à lei do trânsito é triste mostra de irresponsabilidade coletiva.
              O que se vê - e em forma crescente - em termos de invasão pelas bicicletas do espaço próprio dos pedestres - que é a prosaica calçada - reflete não só falta de um mínimo de disciplina citadina, mas também olímpica indiferença da autoridade responsável em determinar as necessárias condições que devam presidir à circulação das bicicletas.
              Temos o hábito de mascarar a verdade com determinações, por vezes germânicas na aparência, mas demasiado tupiniquins na realidade. É uma autoridade vazia, que na verdade constitui apenas máscara que poderia ser usada ... no carnaval. Se ele nasceu em Veneza, onde solitários e tristonhos, pierrôs nos aparecem, vagando por  ruelas e canaletas, atravessando pontes por onde se esgueiram águas escuras,saídas quiçá do Canal Grande, e em meio ao branco encardido das demais casinholas, enquanto se caminha depressa, buscando a Praça de São Marcos, esse salão de baile, ao pé da Catedral.
              Mas voltemos ao torrão de Marcello Crivela, o sucessor de Eduardo Paes. Ao bem-sucedido ativismo do nosso ex-prefeito, que venceu o desafio das Olimpíadas, resultado que só seria possível com grande ativismo e enorme disposição para o trabalho,  ora nos deparamos com a placitude de seu sucessor. Talvez a disposição do segundo esteja na ordem das coisas, como no quadro da filosofia chinesa com o yin e o yang.
                Se não é pouco enfrentar em Pindorama o que representam como pedra no caminho as  Olimpíadas - e sou insuspeito para declarar que Eduardo Paes venceu tal desafio, ao contrário de o que vaticinavam os nossos amigos paulistas - quero crer que agora já é tempo de o Senhor Marcello Crivela dizer ao que veio, fazendo-se mais presente nessa um tanto abandonada  mas mui leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
                                       

( Fontes:  Arnold Toynbee,   Carlos Drummond de Andrade,   Paris e Veneza )

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