Folheando o livro "Prisioneiro
do Estado" - o diário secreto do premier Zhao Ziyang, como não recordar a missão diplomática
brasileira de que participei, e que precederia, por um desses caprichos da
deusa Fortuna, os dias finais de Zhao no governo da República Popular da China.
Como
já me ocupei demasiado dessas fatídicas jornadas, em que uma delegação
brasileira lá estava, ignara dos eventos que cairiam impiedosos sobre os
estudantes e o que significaria tivesse preponderado Zhao e sua facção
democratizante, serei breve.
Xi Jinping seria hoje um nome
irrelevante nos compêndios políticos do Reino do Meio, se as homenagens dos estudantes a Hu
Yaobang, morto a quinze de abril de 1989, houvessem sido respeitadas, o
que teria ocorrido se a fatídica viagem do premier Zhao à Coreia do Norte não o
tivesse afastado por dias do governo da RPC, dando oportunidade à facção
direitista de Li Peng de convencer a Deng
Xiaoping, então o líder principal da RPC, de assinar editorial que
criticava o comportamento dos estudantes, e que foi instrumental na provocação
e na criação de condições políticas para o massacre da Praça Tiananmen.
Lá nos achávamos, estranhos no ninho que éramos, mas de qualquer forma
com premo-nitória apreensão de que algo de muito relevante para os destinos da
RPC e do sentimento demo-crático no Império do Meio estava por acontecer. 1989 - e os ecos do bicentenário da grande
revolução- continuara a desempenhar, sem que nos déssemos conta, a estranha
influência que projetam, para o bem e para o mal, os grandes eventos da
História. Zhao Ziyang já regressara de
sua fatídica, mas ritual presença junto aos governantes da República da Coreia
do Norte, que era - e o é ainda - um
regime dependente e subalterno da RPC.
A História em geral costuma não admitir vácuos de presença, e a
involução na China, por causa da temporária ausência de Zhao Ziyang, é a nota
dissonante que tornaria possível uma svolta
na progressão do regime comunista chinês, com o afastamento definitivo de
Zhao. Este foi condenado a prisão domiciliar, onde escreveria o seu diário, e
morreria a dezessete de janeiro de 2005, não esquecido pelo Povo, mas com a
ditadura chinesa de pé pela estranha vontade dos deuses.
Ao estar naquela missão, chefiada pelo então Presidente José Sarney,
nos seus dias finais, sem ainda estarem divulgados o determinante afastamento
de Zhao, dei por acaso em uma passagem
de adeus do então governo chinês, com o gabinete de Zhao Ziyang. Sem poder
aquilatar toda a dimensão da evidente tristeza que deparei no rosto do
governante chinês, a quem, para minha surpresa, encontrara sózinho na própria
sala de trabalho - que ficava na chamada Cidade
Proibida - e que respondeu com a sua habitual cordialidade aos cumprimentos
daquele então membro júnior da missão brasileira.
São deveras estranhos os contornos da História, com os seus caprichos,
que apesar do passar dos decênios, continuam pouco inteligíveis, ao ser perderem
no caminho tantas válidas ambições, e em gestos que permanecem imperscrutáveis
fazer prevalecer tendências tão negativas, quanto lamentáveis.
Já Xi Jinping, com a sua anacrônica admiração por Mao
Zedong, nada faz para incentivar maiores esperanças na progressão do
Reino do Meio. A sua trajetória, por quem de História conhece algo, não há de
surpreender, embora não possa deixar de lamentar pelo que, ignaro, pela sua
presença continue a provocar.
E, no entanto, por
maldição de algo que não foi escrito em mármore ático, perdura a repressão e, por conseguinte, o medo e suas coortes.
Por
quanto tempo, será difícil dizer, embora leiamos a História no seu caprichoso caminho que só o passado -
esse ávido portador de segredos que de Estado viram públicos - a tímida deusa
Esperança sempre a encontraremos com os seus modos discretos, que um entranhado
acanhamento - que só as surpresas cruéis da deusa Clio podem em sã mente
justificar...
(
Fontes: Prisoner of the State, diário de Zhao Ziyang; impressões pessoais.)
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