quinta-feira, 13 de junho de 2019

O claro enigma do governo sem maioria


                
         Que o governo Bolsonaro não tenha maioria no Congresso, já é estória do comum e geral conhecimento. O que é estranho é que os seus líderes, com o presidente Jair Bolsonaro à frente, além de contemplarem a paisagem, não se empenhem em mudar a situação, em formar um núcleo reativo, que pelo menos busque dar maior aguerrimento à própria bancada, e criar em consequência uma posição de Governo que venha a corresponder à prática parlamentar.

           Não cabe à imprensa, em suas diversas formas, recomendar ao Governo a melhor maneira de representar os respectivos direitos e ideias, mas de todo modo, pelo que se vê em torno, esta não tem sido a postura da Administração, que, sem embargo, não deve desistir de defender as suas proposições, e para tanto empregar o ânimo e a vontade que são peculiares à formação governamental.

          Ver os representantes do atual governo abúlicos e quase ausentes, faltando-lhes aqueles empenho e disposição que são características das usuais formas de governança, afigura-se, por conseguinte, algo sobremaneira estranho e deveras inusitado.

           Porque das duas uma: se o governante se elegeu em pleito majoritário, parece óbvio que também procure criar a base legislativa que corresponda ao sentir da maioria que o escolheu, contra outros pretendentes, em pleito liso e aberto. E se, porventura, a sorte lhe foi madrasta nesta fase, busque, através de alianças e honestas composições, obter os meios necessários para exercer a governança. Em outras palavras, compor, junto com a sua delegação legislativa, alianças temáticas, tópicas que habilitem essa nova administração a possuir a formação legislativa, que, através do número, ou das indispensáveis composições, venha a constituir o núcleo legislativo que esteja em condições de levar avante os designios do governante e de seu partido, enquanto sufragados pelo Povo.

            A atual resposta a esse desafio do núcleo político que apóia Bolsonaro e seu programa de governo parece-me a antítese do problema enunciado supra. Como proposta semelha entregar a governança que lhe foi confiada pelo povo soberano ao deus dará.    

             Por isso, o fenômeno político que nos é dado deparar pode ser na prática a emulação da mula sem cabeça. Em outras palavras, quem sabe por um acidente da natureza, ele desdenha o bê a bá da política, que é a formação da maioria legislativa que o habilite a exercer a governança que o Povo soberano lhe confiou. Tal decerto não deve ser coisa doutro mundo, tal o espanto provocado pelo ator político que, na prática, se recuse a fazer política.


( Fonte: Carlos Drummond de Andrade )     


Nenhum comentário: