O último filme de Pedro
Almodobar, foge da autobiografia linear, para descrever uma rapsódia de
memórias, fantasias e metalembranças sob
o título Dor e Glória, em que podem
acomodar-se imagens da infância do menino pobre, em que reponta a inteligência
de quem sabe encadear ideias e construir frases.
A imagem da mãe estará
sempre presente, tanto para o menino, quanto para o adulto, na sua vida de
labuta, sem os corriqueiros confortos tanto dos ricos, e mesmo dos operários,
em uma rotina de labuta que não dispensa o esforço pessoal e intransferível.
Não obstante, ainda que em tenra
idade, a criança já cultiva os próprios valores, com a ênfase na auto-suficiência
- que tem como aguilhão os poucos recursos do meni-no, que vê a mãe recomendar
ser avaro na água, pois não há encanamento nas moradas de pedra, e toda a água,
seja para limpeza, seja para a própria sede, terá de ser transportada.
Não dói, portanto, a lembrança da
figura paterna que é apagada pela faina dura da mãe jovem (Penélope Cruz) e
pela humana sabedoria da mãe idosa (Julieta Serrano), a quem o filho presta,
sob o compasso da idade, a homenagem da obediência às canseiras e cargas caseiras
da mãe-lutadora, enquanto moça, e à
presença materna que traz as luzes de uma dura e longa existência o leve sopro
de entranhado carinho da mãe anciã.
Há no personagem paterno na existência
do artista Pedro Almodobar uma ñão-presença, e não espanta, por conseguinte,
que cresça a figura da mãe - seja a jovem lutadora, como tantas outras nos bairros
pobres da infância de Pedro, seja a mãe envelhecida, nos ombros e no rosto a
sensação da sárcina das fainas incessantes reservadas àquelas que, sem recursos,
seguem uma vida honesta, ainda que marcada pelas contínuas asperezas da gente
pobre.
Da dor, portanto, já a
tratamos e por isso entendemos a sua presença marcante na obra do cineasta
espanhol. Quanto à comédia - que é tratada por Almodobar com tanta propriedade,
ainda que amiúde acompanhada dos solavancos e da ironia trazida quiçá pela
experiência da outra faceta - ela não comparece em demasia na carantonha e nos
solavancos da luta sempiterna que é a companheira inefável da pobreza.
Da glória, talvez um
meio-sorriso pelas vitórias afirmativas do cineasta, de que a figura epítome da
mãe trará com a sua bondade para a larga tela dos cines o pouco de carinho e
amor que esse filme do cineasta Almodobar hoje presenteia àqueles que vão, ao
assistir-lhe as obras, conhecer mais um pouco dos ínvios, cavilosos e belos
caminhos que nos mostra a humana natureza.
(
Fonte: Dor e Glória, de Pedro Almodobar
)
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