sábado, 15 de junho de 2019

Dor e Glória


                                                       

        O último filme de Pedro Almodobar, foge da autobiografia linear, para descrever uma rapsódia de memórias, fantasias e metalembranças  sob o título Dor e Glória, em que podem acomodar-se imagens da infância do menino pobre, em que reponta a inteligência de quem sabe encadear ideias e construir frases.
        A imagem da mãe estará sempre presente, tanto para o menino, quanto para o adulto, na sua vida de labuta, sem os corriqueiros confortos tanto dos ricos, e mesmo dos operários, em uma rotina de labuta que não dispensa o esforço pessoal e intransferível.
           Não obstante, ainda que em tenra idade, a criança já cultiva os próprios valores, com a ênfase na auto-suficiência - que tem como aguilhão os poucos recursos do meni-no, que vê a mãe recomendar ser avaro na água, pois não há encanamento nas moradas de pedra, e toda a água, seja para limpeza, seja para a própria sede, terá de ser transportada.

         Não dói, portanto, a lembrança da figura paterna que é apagada pela faina dura da mãe jovem (Penélope Cruz) e pela humana sabedoria da mãe idosa (Julieta Serrano), a quem o filho presta, sob o compasso da idade, a homenagem da obediência às canseiras e cargas caseiras da mãe-lutadora, enquanto moça,  e à presença materna que traz as luzes de uma dura e longa existência o leve sopro de entranhado carinho da mãe anciã.
            Há no personagem paterno na existência do artista Pedro Almodobar uma ñão-presença, e não espanta, por conseguinte, que cresça a figura da mãe - seja a jovem lutadora, como tantas outras nos bairros pobres da infância de Pedro, seja a mãe envelhecida, nos ombros e no rosto a sensação da sárcina das fainas incessantes reservadas àquelas que, sem recursos, seguem uma vida honesta, ainda que marcada pelas contínuas asperezas da gente pobre.   

          Da dor, portanto, já a tratamos e por isso entendemos a sua presença marcante na obra do cineasta espanhol. Quanto à comédia - que é tratada por Almodobar com tanta propriedade, ainda que amiúde acompanhada dos solavancos e da ironia trazida quiçá pela experiência da outra faceta - ela não comparece em demasia na carantonha e nos solavancos da luta sempiterna que é a companheira inefável da pobreza.

                Da glória, talvez um meio-sorriso pelas vitórias afirmativas do cineasta, de que a figura epítome da mãe trará com a sua bondade para a larga tela dos cines o pouco de carinho e amor que esse filme do cineasta Almodobar hoje presenteia àqueles que vão, ao assistir-lhe as obras, conhecer mais um pouco dos ínvios, cavilosos e belos caminhos que nos mostra a humana natureza.  

( Fonte: Dor e Glória, de Pedro Almodobar )

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